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6.2 Assistência e cidadania

6.2.2 Escola Dendê da Serra

Figura 45 - Escola Dendê da Serra

Fonte: <https://www.facebook.com/dendedaserra/photos/d41d8cd9/1543052715748950/>. Acesso em: 15 mai. 2020.

Silvia, fundadora do Projeto Social Escola Dendê da Serra, é uma alemã de 54 anos. Criada no Brasil, formou-se em Pedagogia e conheceu a Antroposofia em seus estágios de formação. Nestes, vivenciou experiências de uma educação de qualidade oferecida em

contextos sociais críticos. Depois de formada, como ela conta, não conseguia se imaginar lecionando com métodos de educação tradicional, ao mesmo tempo em que a Antroposofia ainda era algo muito incipiente no país, acessada apenas pela elite, para a qual ela não queria trabalhar.

Após alguns anos vivendo na Alemanha com o marido e as duas filhas, todos brasileiros, mudança relacionada ao trabalho de seu marido, a família retornou ao Brasil para que ele ocupasse um cargo de professor na UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), em Ilhéus. Quando se estabeleceram na cidade, a educação das filhas de Silvia tornou-se uma questão, já que a educadora não as queria estudando em escolas tradicionais de classe média. E ainda, o conteúdo, métodos e estruturas oferecidos pelas escolas públicas eram muito deficientes na região.

Assim, Silvia conta que “era como se já estivesse tudo desenhado em outro plano”. Ela sente que “era só uma marionete no processo”, pois, ao iniciar o movimento de criar uma escola antroposófica que atendesse as crianças carentes da zona rural de Serra Grande, as portas foram se abrindo e tudo foi acontecendo muito rápido. Como Rui Rocha era colega de trabalho de seu marido na UESC, Silvia conheceu o professor e ele contou a ela sobre Serra Grande, um lugar em que as pessoas estavam construindo coisas diferentes, tanto ambiental quanto socialmente.

Então, um dia decidiu dirigir pela BA-001 em busca de algo “que nem ela mesma sabia o que era”. Foi quando viu uma trilha e decidiu parar o carro e segui-la. Lá encontrou uma pequena escola rural multisseriada e que, coincidentemente, encontrava-se ao lado da fazenda de um alemão. Nesse dia em agosto de 2000 ela conheceu Marli, a professora da escola que só possuía uma sala e uma parede pintada de preto, que servia de quadro negro, com algumas poucas mesinhas e cadeiras. Conforme conta a educadora, ela se empolgou imediatamente e contou sobre sua intenção de desenvolver um projeto de educação, ao que a professora também se animou.

Dias depois deste encontro, Silvia foi a São Paulo para resolver questões pessoais e, em uma incrível “coincidência”, que ela faz questão de sinalizar com aspas, encontrou Catarina, uma antiga amiga que mencionou estar interessada em comprar uma área de Mata Atlântica para ser preservada. Como “mágica”, ao final da conversa, ela havia mencionado que se mudara para a região de Ilhéus. As duas, então, decidiram comprar um terreno na região, para Catarina, tendo Silvia como administradora.

Em menos de um mês Catarina já estava em Ilhéus adquirindo o que hoje é a Fazenda Juerana. Inicialmente, a escola também funcionaria lá, mas com a dificuldade de acesso, o

local representou um suporte para Silvia, até que ela pudesse comprar a terra em que hoje se encontram a escola Dendê da Serra e sua casa.

Ainda na cadeia de “coincidências”, nessa mesma visita a São Paulo, Silvia foi à Escola Monte Azul, projeto social antroposófico na zona periférica de São Paulo, e, ao comentar sobre sua intenção, conseguiu o contato de uma pessoa que se tornou sua maior apoiadora na criação do Projeto Dendê da Serra e que vivia em Ilhéus, Zulene. Esta, que havia trabalhado muitos anos no Projeto Monte Azul, entusiasmou-se com o projeto de Silvia e as duas se “jogaram de cabeça”, como ele conta, na criação da escola. Entraram em contato com a prefeitura de Uruçuca que, também por indicação de Rui Rocha, tendo sido muito bem recebidas pelo vice-prefeito e sua esposa. Eles se interessavam pela Antroposofia e apoiaram o projeto, oferecendo duas professoras, materiais e insumos para a merenda da escola.

Isso tudo, afirma Silvia, aconteceu em menos de três meses e, no final daquele ano de 2000, já estava tudo pronto para o início do primeiro semestre letivo da Escola Rural Dendê da Serra em 2001. A instituição foi criada como associação, categoria jurídica necessária para receber o dinheiro que seria doado pelo alemão da fazenda ao lado109.

No primeiro ano funcionava de 1ᵃ a 4ᵃ série ainda no espaço da antiga escolinha multisseriada cedido pela professora. A merendeira que fazia os lanches era cedida pela dona da Fazenda Juerana, as professoras eram duas, oferecidas pela prefeitura, e Silvia e Zulene trabalhavam como voluntárias. A cada ano elas se movimentavam e construíam algum pequeno anexo, conquistavam mais algum apoiador voluntário e iam aumentando as turmas.

No terceiro ano (2004), Silvia e seu marido compraram uma terra na qual construíram sua casa e doaram uma parte para a Associação Dendê da Serra, onde foi iniciada a construção da escola. Por meio de um financiamento, construíram o primeiro prédio com cinco salas, atendendo às turmas de Educação Infantil, além do primeiro, segundo, terceiro e quarto ano do Ensino Fundamental I. Até hoje, a cada novo ano são construídas novas instalações, principalmente novas salas, para atender a demanda que surge com a formação do ano anterior.

Vivendo com parte do dinheiro de doações e também dos pais pagantes, a escola prioriza as crianças carentes e o projeto social. Conforme afirma Silvia, os pais pagantes nunca foram convidados, eles chegaram aos poucos para matricular seus filhos e precisam passar por uma entrevista, pois precisam ter a compreensão de que estão se envolvendo com um projeto diferenciado, não apenas matriculando seus filhos numa escola particular.

Como mãe de aluno da instituição, presencio frequentemente questões que dizem respeito às dificuldades de uma escola que funciona como projeto social e mantém alunos pagantes e não pagantes, já que a relação dos pais com a escola e com o projeto social é variável, e mais ainda com o crescimento da escola. As relações entre nativos e forasteiros (leia-se pagantes e não pagantes de mensalidades na escola) tornam-se cada vez mais complexas na Vila.

A Escola sinaliza uma prioridade absoluta para os nativos, o que, por vezes, é apontado pelos forasteiros e chegantes como “assistencialismo”. Isso porque pais pagantes devem participar ativamente da escola em mutirões, atividades e financeiro, enquanto os pais das crianças não pagantes muitas vezes não se envolvem com a escola. Problemas com as crianças não pagantes frequentemente tentam ser resolvidos sem serem levados aos responsáveis, já que a escola teme pelo modo violento com que esses pais tendem a lidar com essas questões. Várias vezes me foram ditas, por professores e funcionários da escola, frases como: “Se dermos muito trabalho aos pais, eles tiram os alunos e colocam no municipal, pra eles tanto faz.”

A escola está sempre engajada em questões importantes para a comunidade, especialmente Silvia, a diretora e fundadora da Escola, que está sempre atenta a quaisquer dificuldades dos alunos. Por exemplo, uma família que perdeu a casa em uma chuva ou outra família que está passando necessidades financeiras; uma criança que ficou doente e necessitava de dinheiro para uma cirurgia. Silvia sempre está envolvida em mutirões para ajudar uma ou outra família. Normalmente essas “campanhas” trazem Silvia e Mara (agente de saúde apresentada no capítulo 5) à frente. Além delas, alguns pais mais antigos da escola também estão engajados em movimentos para ajudar a comunidade. Assim, por exemplo, oficinas de costura ou crochê são oferecidas por mães “forasteiras” às mães “nativas” a fim de complementar a renda.

Nas reuniões de pais é frequente a reclamação de que os pais mais recentes (chegantes) querem apenas matricular seus filhos na escola, pagar a mensalidade e não compreendem que estão se envolvendo com um projeto social. Os pais chegantes, por sua vez, reclamam que a escola exige muito e protege demais a comunidade local. E que, se eles pagam, deveriam ter mais reconhecimento. A escola reafirma sempre que quem deseja matricular seus filhos deve estar comprometido com a comunidade.

Essas diferenças internas encontram-se cotidianamente presentes nas turmas da escola. Existem também muitos nativos que não acreditam que a escola possui boas intenções e

afirmam que ela é usada para conseguir doações. Outras famílias não concordam com os métodos educacionais, como a alfabetização “tardia”, e preferem a escola municipal.