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2. Beira-Mar e Pezão: o estereótipo de criminalidade que corrobora o discurso hegemônico

2.4. O caso Pezão nosjornaisExtrae ElPaís

A constatação parece ganhar força ao analisarmos a discrepância entre o total de matérias atribuídas a Luciano Martiniano da Silva na categoria Sociedade (foram duas no total) contra o número de matérias concentradas na categoria Polícia (46 no total). Diante da desproporção de cada categoria, em que,respectivamente, temos 4% e 96% de um total de 48 matérias destinadas ao criminoso, uma segunda evidência parece ganhar

98 sentido: a de que há, assim como por Beira-Mar, um desinteresse pela história pessoal de Luciano Martiniano, mais conhecido como Pezão.

“Discreto”, “meticuloso” e “neurótico” foram os adjetivos usados para descrever Pezão. A reportagem do Extra data de 27 de outubro de 2012 e foi escrita pelo jornalista Herculano Barreto.33 O objetivo era mostrar a dificuldade das autoridades policiais em conseguir encontrar o criminoso, foragido da Justiça desde agosto de 2011. Após três parágrafos destinados a descrever o perfil criminoso de Pezão, ao leitor é dada a breve oportunidade de saber que Luciano Martiniano tem três irmãos e é filho de Manoel Francisco da Silva e Josefa Martiniano da Silva, sendo o único que ingressou no submundo do crime.Na matéria (conforme imagens Q e R), a mãe diz que o filho era estudioso e, portando, não consegue entender o motivo de ele ter se tornado um bandido. O veículo de comunicação parece adotar a mesma necessidade por buscas – não pistas –de uma relação casuística, por meio da qual seja possível checar as possibilidades usadas e não acessadas por Luciano Martiniano, numa espécie de jogo de cartas marcadas cujo simbolismo está escondido sob um manto de um quase mantra, na definição dos caminhos que levam o sujeito à criminalidade. Essa espécie de treinamento da percepção do senso comum não desconsidera as condições sociais e econômicas, além da cor da peledo sujeito em questão.

33Matéria de 27/10/2012, atualizada em 07/09/2015. Disponível em https://extra.globo.com/casos-de-

policia/pezao-ultimo-dos-chefoes-do-complexo-do-alemao-em-liberdade-6550538.html, acesso em: 07/08/2018.

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Fonte: Extra.34

Imagem 16: Trecho da matéria sobre o perfil de Luciano Martiniano.

34Matéria de 27/10/2012, atualizada em 07/09/2015. Disponível em https://extra.globo.com/casos-de-

policia/pezao-ultimo-dos-chefoes-do-complexo-do-alemao-em-liberdade-6550538.html, acesso em: 07/08/2018.

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Fonte: Extra.35

Imagem 17: Trecho da matéria sobre o perfil de Luciano Martiniano.

Herculano Barreto usou o adjetivo “velho” para informar que Luciano Martiniano é o mais velho entre os irmãos, além de classificá-lo como ”pobre”, já que vem de família com dificuldades econômicas. Cerca de dois anos antes, em março de 2010, mas com atualização em 3 de dezembro do mesmo ano, o site dojornal espanhol

El Mundo36 repercutiu a invasão das forças de segurança púbica ao conjunto de favelas do Alemão, ocorrida em 28 de novembro de 2010, ou seja, cinco dias antes da publicação da matéria. O correspondente na América do Sul, Luis Tejero, estava interessado em descrever a vida de luxo e conforto que Pezão levava, assim como os

35Matéria de 27/10/2012, atualizada em 07/09/2015. Disponível em https://extra.globo.com/casos-de-

policia/pezao-ultimo-dos-chefoes-do-complexo-do-alemao-em-liberdade-6550538.html, acesso em: 07/08/2018.

36Matéria de 03/12/2010. Disponível em:

101 demais traficantes do conjunto de favelas Alemão. O jornalista usa os termos “chefão” e “rei” para denotar o entendimento que tinha de Pezão.

A reportagem do El Mundoparece possibilitar, diante da entrada das forças de segurança, que a favela era um lugar a ser desbravado, reconhecido por parte de uma população que tinha curiosidade em saber como “aquelas” pessoas ali viviam. Essa perspectiva analisa“aquelas” como todas as pessoas que não viviam no asfalto. Acredita-se que essa produção simbólica ajude a promover o entendimento de favela- anteso lugar do qual se guardar distância, agora próxima, com a qual todos podiam passar a ter algum tipo de contato, por algum momento, com aquele lugar exótico. Assim, a Espanha apresentava esse espaço aos espanhóis, que poderiam vir conhecer essa região, apesar de críticas e protestos de muita gente, inclusive jornalistas, por meiode opiniões pessoais, como observamos no episódio da turista que foi morta na Rocinha.

O que chama a atenção nas reportagensrelacionadas aos dois criminosos em questão é a discrepância da quantidade significativa de matérias categorizadas como Polícia e comoSociedade,oque pode levar a outra conclusão: mesmo que os internautas (no caso das matérias on-line) tivessem interesse em saberum pouco da história de vida de Luiz Fernando da Costa ou de Luciano Martiniano, as possibilidades são bastante limitadas, já que o número de reportagenscom essa característica é muito pequeno.

Mas a semelhança das narrativas jornalísticas produzidas pode ser apenas um dos fatores que aproximam os dois bandidos aqui analisados, já que tanto Pezão como Beira-Mar possuem semelhanças físicas e sociais –devemos considerar, então, que ambos são negros, oriundos de favela e nasceram em famílias de baixa renda. Dessa forma, assim como Pezão, Beira-Marfoicriado com negros e estudou em escola pública. Mais do que histórias e narrativas, Luiz Fernando e Luciano Martiniano possuem algo que vai além de textos, por estarem na medida certa das expectativas sociais: eles possuem o estereótipo de criminosos e, por isso, cumprem a missão de se tornarem Beira-Mar e Pezão, respectivamente, já que se enquadram nos traços principais e auxiliares de Hughes (HUGHES apud BECKER, 2008)no estudo sobre osoutsiders.

É bem verdade que o sociólogo norte-americano trabalhou esse conceito diante da perspectiva de ausência de prerrogativas esperadas pela sociedade para que o indivíduo preencha as condições necessárias e, com isso, seja considerado apto a

102 desempenhar sua função. Mas ao partir de uma análise em que essas exigências estão atreladas a valores sociais, no quaisse inclui também a cor da pele, acreditamos ser possível tomar essa referência emprestada novamente para, neste ponto da pesquisa, refletir sobre a possibilidade de consonância entre o que a sociedade espera e o que as narrativas midiáticas produzem. Por isso, acreditamos ser possível concluir: Pezão e Beira-Mar atendem aos pré-requisitos para serem considerados potenciais bandidos. Ainda precisamos –agora mais do que nunca – compreender por quê.