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CASOS DE ESTUDO SOBRE A RELAÇÃO DESIGNER, CLIENTE, PRODUÇÃO

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 160-162)

Os casos de estudo serviram dois propósitos. Não só proporcionam um olhar exterior sobre a relação que é estabelecida com a encomenda e o processo de trabalho ambicionado como o de fornecer pistas para o segundo movimento que pretende ver a profissão a partir de dentro. A elaboração de um inquérito a profissionais permite-nos concluir de forma segura sobre diversos aspectos desta relação, vendo-os a partir do ponto de vista que mais nos interessa: o da profissão. Dissemos antes que todo este esforço analítico visava introduzir no discurso teórico e histórico elementos estruturais de análise que estão ausentes da maior parte da teoria actual, para assim contribuirmos para um melhor enquadramento da profissão e um ensino mais focado e consciente sobre o que é a realidade profissional. São estes aspectos da leitura que é feita pelos profissionais que re- verterão novamente para o corpo do trabalho e para um reencontro com a história e teoria da profissão e assim para construir um novo modelo de abordagem a estas questões.

Para haver design de comunicação são necessários vários interve- nientes (que in extremis podem estar condensados num só indivíduo que opera diferentemente em várias fases). Por um lado, a vontade ou necessidade de comunicar do encomendador e a sua audiência; o designer é o responsável pela mediação entre o seu cliente e os clientes do seu cliente (que designámos antes de “audiência”, para contornar o termo “público-alvo”, que está muito desgastado pelo uso e abuso. É ele que também negoceia com os seus fornecedores os interesses do seu cliente e os seus (se for o designer a assumir a responsabilidade da produção) ou apenas dá “assistência ao fabrico”, como dizia Sebastião Rodrigues na entrevista na Rtp (“um dia com”, 1966).

O designer tem de conseguir interpretar e moldar as intenções comu- nicativas do seu cliente e prever a percepção e recepção de conteúdos pela audiência, planeando a comunicação. O trabalho não é unidi- reccional à vez (do encomendador para o destinatário) pois há um grande dinamismo na relação que se estabelece com o encomen- dador. Cabe-lhe perceber e moldar o impulso para a comunicação e criar um processo de co-produção com o encomendador. A obra nunca é uma solução possível antes de ser discutida e modelada, para o que muito contribui a capacidade que o designer tem de per- ceber o universo onde se move o encomendador, o dos destinatários

e de propor uma forma de conciliação que funcione. O encomendador, como temos observado, é uma peça-chave deste processo, tão im- portante que o primeiro princípio que Milton Glaser enumera nas “Ten Things I Have Learned So Far”(Glaser, n.d.) é que “1. Só conse-

gues trabalhar com pessoas de quem gostas” 81 e explica: “porque

descobri que todo o trabalho que já fiz que é significativo resulta de uma relação afectuosa com um cliente.”82. Numa das entrevistas e

de forma espontânea, Inês Castro Henriques afirmou: eu não con- sigo trabalhar com designers com quem não tenho empatia ou que não tenham uma abordagem às coisas mais ou menos próxima das minhas”(Castro Henriques, 2014). O designer não é um tradutor. Não

organiza e limpa a informação que o cliente lhe passa desorganiza- damente para que seja enviada da melhor maneira para o destinatário. A comunicação é uma arena onde se movimentam vários comuni- cadores e não um terreno limpo por onde a mensagem passará. Para melhor percebermos este processo recorreremos a um caso de estudo. Através dele procuraremos tornar claro a forma como o pro- cesso da encomenda se dá e como é trabalhado por todos os agentes. O trabalho com a empresa ERA Arqueologia, S.a. é uma das relações mais duradouras da empresa do investigador, abrangendo um vasto leque de projectos, desde a imagem a intervenções expositivas para outras entidades, livros, revistas, automóveis e fardamento, etc. Discutiremos de forma detalhada o projecto da marca da empresa e a forma como ele evoluiu, bem como do calendário ERA, um ins- trumento de promoção usado durante vários anos.

Este trabalho permitiu recolher dados sobre três unidades de análise: a comunicação dedicada, ou seja, a forma como o responsável pela comunicação assume como suas as necessidades do cliente para as poder resolver; a relação com o cliente como processo dinâmico de co-criação em que este interfere no resultado final; e, por fim, o dina- mismo da solução proposta ao integrar a sociedade e um contexto de comunicação e precisar de lhe responder.

Miguel Lago da Silva, arqueólogo, administrador delegado da ERA, Arqueologia S.a. e vice-presidente da APA – Associação Profissional de Arqueólogos descreveu a relação com o designer como "uma espécie de relação que se tem com o médico, ou seja, temos umas pessoas que conhecemos bem, em quem temos confiança, construímos em conjunto coisas com esta entidade, que são pessoas. E que por esse facto reconhece uma forma de co-criação, de um processo dinâmico: "vê nessa relação algo que está em permanente construção e que vai

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You can only work for people that you like.

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I discovered that all the work I had done that was meaningful and significant came out of an affectionate relationship with a client.

tendo resultados sistemáticos e regulares" respondendo a "a novas ambições da empresa" .

Feita a entrevista, que perimitiu retirar informação improtante para o trabalho seguinte, o investigador sentiu a necessidade de repetir a experiência com outro entrevistado para aferir sobre a tipicidade das respostas num contexto completamente diferente. Assim, foi pedida uma entrevista a Inês Castro Henriques, por ser encomendadora num contexto completamente diferente (Câmara Municipal de Lisboa, na defesa do interesse público, ao contrário da ERA Arqueologia, S.A., uma empresa privada) e com experiências de trabalho com várias empresas de design diferentes, em diferentes departamentos e em situações em que é a responsável pela encomenda e outras que integra o grupo de trabalho que encomenda, sem responsabilidade directa com a empresa/designer que executa o trabalho.

A entrevista, assente nos três pontos, veio reiterar as opiniões do primeiro entrevistado, concordando nas mesmas posições e ideias. Neste resumo focam-se apenas os pontos-chave das unidades de análise e que reforçam as opiniões recolhidas, marcando um olhar diferente sobre o processo.

Inês Castro Henriques é técnica Superior da Câmara Municipal de Lisboa, departamento de mobilidade. Antiga Chefe de Divisão dos Espaços Verdes e Ambiente também na Câmara Municipal de Lisboa e anteriormente técnica superior da Divisão de Espaços Verdes e Jardins da Câmara Municipal de Loures.

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 160-162)