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FESTAS PÚBLICAS E PRIVADAS

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 132-135)

A opulência e o desejo de a mostrar publicamente dessacralizou as grandes festas públicas. Não desapareceram as festas religiosas, mas passaram a competir em quantidade e em regozijo da população. Para além das festas públicas, aconteciam as festas privadas, mar- cando momentos importantes da vida social das famílias abastadas, (casamentos, baptizados e funerais).

As festas públicas são um lugar por excelência da vida social onde as roupas, cenários e opulência serviam para mostrar e acima disso demonstrar a importância social dos actores sociais. Lemos Vasari descrever como toda a praça do baptistério (Florença) foi coberta com uma tela azul à qual foram cosidos os brasões de famílias e à volta da qual foram pendurados os emblemas das confrarias (guildas). A procissão incluía nuvoli, ou seja estruturas de madeira pintadas com várias cenas alegóricas, que eram produzidas por cada uma das confrarias e carregadas publicamente pelos seus membros. Antes de Lorenzo, o Magnífico, ter reduzido para dez o número de carros, eram já vinte e dois processionantes. Todo o trabalho escultórico e pictórico exigia o concurso de vários artistas e Vasari refere o trabalho de Cecca (1446 – 1488), Marco del Tasso (1500-1555) e Pontorno (1494-1497) no carro do Carro della Moneta (Wackernagel [1938] 1981). Refere também o trabalho de pintura de Filippino Lippi

(c. 1406-1469) em fantasias de carnaval. A visita do Papa Pio II, do Duque Sforza de Milão ou de Carlos Viii de França a Florença deram azo a grandes programas decorativos onde participaram vários pintores da cidade. A visita do Papa Leão x é a que está regis- tada com mais detalhe. Empregou os melhores pintores da cidade na elaboração de vários aparatos efémeros que se distribuíram ao longo do percurso do cortejo. O torneio de 1469 que Piero de’ Me- dici ofereceu ao seu filho Lorenzo é, porventura, o melhor exemplo de exuberância festiva deste período. Tendo convidado as doze

famílias mais poderosas de Florença, Lorenzo e os seu convivas encomendaram a confecção de fatos para si, para os trompeteiros e para os seus aliados (cada família, com o seu séquito, apresentou-se de modo a ser identificada e diferenciar-se das restantes): barretes com pérolas cozidas que também adornavam as cabeceiras dos cavalos e uma cobertura para o seu escudo (que foi retirada antes do embate), revelando a pintura de flores de lis directamente no metal. Os estandartes constituem outro dos grandes investimentos dos competidores que — com o mesmo espírito — qualificaram igualmente os seus fatos, armaduras e trupes. (Wackernagel, [1938] 1981).

O trabalho de joalharia e gravação de elmos e armaduras foi, como é de prever, o mais grandioso e farto. O relato desta festa chegou-nos através de um manuscrito da Biblioteca Magliabecchiana (primeira biblioteca pública florentina), publicado em 1868. Nenhuma peça de armadura deste torneio sobreviveu até aos nossos dias, mas co- nhecemos um desenho preparatório de Leonardo ou de Verrocchio (1435-1488) (que se conserva nos Uffizi) e peças de armeggerie de Castagno (1421-1457), Verrocchio e Botticelli.

A construção de cenários (para o interior de igrejas e para teatros) foi outra oportunidade de trabalho para pintores e arquitectos. Atribui-se a Brunelleschi (1377-1446) um mecanismo que permitia uma repre- sentação do céu com anjos em revolução para a igreja de San Felice em Florença.

A TIPOGRAFIA

Apesar dos enormes desenvolvimentos técnicos e em particular de todas as inovações trazidas pela guerra – desde a pólvora, à arqui- tectura militar – há uma série de inovações técnicas que não tinham nada de bélico, que foram estruturais para o desenvolvimento do ocidente: metalurgia, relojoaria, têxteis e a imprensa. O trabalho industrial é o produto do crescimento da procura que, em várias áreas, o Renascimento propicia.

A partir do século xiii, o número de estudantes e a necessidade de lhes fornecer directamente os textos que deviam estudar e comen- tar levaram ao nascimento, junto às universidades, de oficinas de copistas profissionais onde o trabalho já era racionalizado. A fim de evitar a multiplicação dos erros, as cópias não eram feitas a partir uma das outras, mas a partir de um manuscrito-tipo cuja letra era, em geral, muito grande. Este manuscrito era dividido em vários cadernos autónomos (sistema de pecia). Vários copistas podiam, por conseguinte, trabalhar ao mesmo tempo. As bibliotecas fran- cesas conservam cerca de 2000 exemplares de obras de Aristóteles

copiadas nos séculos xiii e xiV – número evidentemente inferior à realidade, tendo em conta aqueles que desapareceram (Delumeau, [1967] 2011, p. 173 — 174).

Este processo industrial, que permitia a encomenda a um livreiro de 400 exemplares de um livro se fosse necessário era, evidentemente, muito dispendioso e mesmo com estas quantidades generosas não cobria as necessidades de uma Europa que se alfabetizava veloz- mente. Em Portugal avançou-se lentamente na primeira metade do século xVi, acelerando na segunda metade. “Até 1535 a produção média anual de livros impressos não ultrapassou os cinco títulos. Atingiria o seu pico no quinquénio 1586/1590 com uma média anual de 55 títulos.” 73 (Coelho 2013, p. 241)

Assim, o nascimento da imprensa de caracteres móveis – que não pode ser considerada sem as inovações tecnológicas que levaram também ao fabrico do papel (o pergaminho não se ajustava às ne- cessidades das tecnologias de impressão e do velino (pele de vitelo nado morto), suficientemente fino e flexível para ser usado pelas prensas, mas demasiado caro. Tal como a pólvora granulada, os caracteres móveis, a tinta e o papel são invenções chinesas; o papel era fabricado no oriente ainda antes do nascimento de Jesus,

O segredo do fabrico do papel, conhecido no Médio Oriente por volta do século Viii, foi importado para o Ocidente no século xii por mer- cadores genoveses e venezianos. A partir do século xiV, os progressos do cultivo do linho e do cânhamo e a generalização do pano para roupa forneceram uma quantidade suficiente de trapos que, durante muito tempo, constituíram a matéria-prima do papel. (...)A indústria do papel difundiu-se na Europa a partir da cidade italiana de Fabriano (entre Roma e Arcona). (Coelho 2013, p. 174)

A primeira fábrica começou a operar por volta de 1275 e em 1391 já havia produção na Alemanha. Em 1455 os esforços para construir um sistema funcional de caracteres iniciado anos antes por inventores como o holandês Laurens Janszoon (aprox 1423), Procópio Waldfoghel (1447) concretizaram-se e Gutenberg imprimiu em 1455 a famosa Bíblia de 42 linhas fig.25. O livro-útil sucedia ao livro-jóia. Os cálculos de Lucien Febvre e Henri-Jean Martin em L’Apparition

du livre (1958), apontam para que tenham sido impressos perto de

35 000 livros diferentes no final do século XV na Europa, o que significa que podem ter circulado 15 a 20 milhões de exemplares e que durante o século XVI foram feitas mais de 150 000 edições di- ferentes (podendo chegar às 200 000), sem contar com os pasquins, opúsculos e folhas soltas.

Assim o renascimento foi um período onde a fabricação visual não pode ser separada da inovação tecnológica.

FIG 25 BÍBLIA DE GUTENBERG OU BÍBLIA DE 42 LINHAS, DE JOHANNES GUTENBERG, JOHANNES FUST E PETER SCHOEFFER 1454-55, Fonte: Bridwell Library; http://www.smu. edu/~/media//Site/Bridwell/ Exhibitions/Schoeffer/ima- ges/06117%20GutenbergBi- ble.ashx 73

ex: Coverdale Bible (1535), Matthew's Bible (1537), The Great Bible (1539), Cranmer's Bible (1540)

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 132-135)