• Nenhum resultado encontrado

UMA PROFISSÃO, UMA ACTIVIDADE, O PRODUTO OU A IMAGEM?

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 49-51)

Num esforço de focagem sobre a natureza e definição das fronteiras da nossa actividade, John Walker (1989) sugeriu que observássemos

o modo como Wittgenstein tratou a questão de definir uma coisa que não tem fronteiras definidas. Ao confrontar-se com um pro- blema semelhante nas suas Investigações Filosóficas, Wittgenstein

([1921] 1987) iniciou o tratamento deste problema pela palavra jogo;

há vários tipos de jogos: de tabuleiro, de cartas, de bola de combate, etc. Mas deverão ter alguma coisa em comum senão não se chamariam

jogos. Olha, pede o filósofo, “não penses, olha” (Wittgenstein [1921] 1987, p. 227) porque quando olhamos não vemos o que têm em comum

mas vemos “parecenças, parentescos e em grande quantidade”. Olhamos para os jogos de tabuleiros e vemos múltiplos parentescos, desaparecem algumas das correspondências achadas anteriormente mas surgem outros aspectos comuns; quando olhamos para os jogos de bola acontece o mesmo, conservam-se traços comuns e outros desaparecem: são todos divertidos, há sempre perder e ganhar, competição entre jogadores, regras: “Vemos uma rede complicada de parecenças que se cruzam e sobrepõem umas às outras. Pare- cenças de conjunto e de pormenor. (...) ‘parecenças de família’”

(Wittgenstein [1921] 1987, p.228). A ideia da família em Wittgenstein

tem um paralelismo com a família humana: “constituição, traços fisionómicos, cor de olhos, modo de andar, temperamento, idios- sincrasias etc.” Aqui também há sobreposições e cruzamentos que operam com um processo semelhante com a ideia de familiaridade nos jogos, por exemplo. É curioso observar como um miúdo, que não partilha muitos traços físicos com o seu pai, partilha com ele a leitura de jogo e o temperamento em campo. O conceito de jogo não se define (ou melhor não se define só) pela soma coerente dos con- ceitos fragmentários aparentados, porque pode não ter fronteiras fixas. No caso do conceito de jogo é impossível traçar fronteiras fixas:

Podes traçar algumas, mas ainda nenhuma foi traçada (e isso nunca te incomodou, ao usares a palavra jogo)(...) Não está completamente delimitado por regras; mas também não há uma regra que determine no ténis a que altura se deve jogar a bola, ou com que força e, no entanto, o ténis é um jogo com regras. (Wittgenstein [1921] 1987, p. 230)

Assim sendo, como poderíamos explicar a um ser de outro planeta o que é um jogo:

penso que lhe descrevemos jogos e poderemos acrescentar à des- crição: ‘a isto e a coisas parecidas chama-se um jogo’. Este tipo de descrição não se faz por ignorância ou incapacidade, mas porque nós próprios não conhecemos os limites, porque não os traçámos; pode- mos fazê-lo, mas o conceito não começa a ganhar validade apenas a partir do momento em que desenhamos as tais fronteiras a não ser para uma finalidade especial “tal como a medida ‘um passo’ que não começa só a poder ser utilizada quando se dá a definição: 1 passo = 75cm ( Wittgenstein [1921] 1987, p. 231).

E se argumentarmos que, antes da definição da quantidade de centímetros a medida não era exacta, contra-argumentamos favo- ravelmente que, de facto, era inexacta mas, fica por definir exactidão. “É exactamente assim que se explica o que é um jogo. Dão-se exemplos e deseja-se que sejam compreendidos num certo sentido” ( Wittgenstein [1921] 1987, p. 232). Não porque nós não consigamos sumariar os

traços comuns e por isso exemplifiquemos à falta de melhor, mas porque qualquer explicação geral também pode ser mal compreendida, sendo esta a melhor definição.

Considera ainda um outro caso: Quando eu digo ‘N morreu’, então com o sentido do nome ‘N’ pode passar-se o seguinte: Eu acredito que viveu um homem, o qual (1) eu vi aqui e ali, o qual (2) tinha este e aquele aspecto, (3) que fez isto e aquilo, e que (4) tinha como nome civil ‘N’. —Se me for perguntado o que é que eu entendo por ‘N’, darei uma enumeração de todas estas descrições ou só de algumas e em ocasiões diferentes, descrições diferentes. A minha definição de ‘N’ seria talvez ‘o homem acerca de quem se pode dizer tudo isto’. —E se uma destas descrições for falsa? — Estarei disposto a consi- derar a proposição ‘N morreu’ como falsa, também no caso em que algo, que me pareceu ser inessencial, se revelou afinal ser falso? Mas qual é e ‘a fronteira do inessencial? — Se num caso desses eu tivesse dado uma explicação do nome, estaria agora disposto a mudá-la. E isto pode exprimir-se da seguinte maneira: eu uso o nome ‘N’ sem um sentido fixo. (E o seu uso é por isso tão prejudicado como o uso de uma mesa que, em vez de três tem quatro pés, e por isso em certas circunstâncias abana). Deve então dizer-se que eu estou a fazer uso

de uma palavra cujo sentido desconheço, e por isso a falar sem sentido? —Diz o que quiseres desde que isso não te impeça de ver o que se passa. (E quando o vires, deixarás de dizer muitas coisas). (Wittgenstein [1921] 1987, p. 238 — 239)

Assim, nesta fase, cabe-nos achar as parecenças de família, dar exemplos que ajudem a compreender o design de comunicacão num

certo sentido, sentido esse que se quer o mais clarificador possível.

Like all words and concepts, ‘design’ gains its specific meaning and value not only because of what it refers to but also differentially, that is, via its contrast with other, neighbouring terms such as ‘art’, ‘craft’, ‘engeneering’ and ‘mass media’. 14(Walker, 1989, p. 23)

Ao folhear algumas definições de design, Walker mostra que não só estão normalmente associadas ao design industrial, como fre- quentemente estão próximas da noção instalada nos anos trinta de que o design é a aplicação da arte nos processos industriais (o que colocaria numa posição difícil de definir países como Portugal, com industrialização tímida e pontual, não se podendo afirmar que houve uma revolução industrial). No outro extremo temos a insta- lação do designer como alguém que — perdendo a independência e inocência do verdadeiro artista — vende a sua criatividade e técnica à voragem consumista capitalista (Walker, 1989, p. 28 — 29). Num debate

acalorado na Design History Society Newsletter, (Walker 1990, p. 30)

Simon Jervis argumenta com Hazel Conway sobre o facto dos mu- seus de design e as escolas de design terem frequentemente visões opostas sobre o mesmo assunto, fruto das suas próprias histórias e missão social. No outro extremo, Papanek (1972) diz que todos são de-

signers porque toda a actividade humana que envolve planeamento e padronização de acções com vista a um fim antecipado é design, o que nos remeteria para uma posição alta no panteão das divindades. Seguindo o raciocínio de Wittgenstein, recorremos aos objectos resultantes do trabalho dos designers de comunicação para fazer aproximações ao que é o design de comunicação.

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 49-51)