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PARA QUE SERVEM AS IMAGENS?

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 51-55)

A invenção da escrita foi um momento decisivo na história da humanidade, mas não foi o princípio dos processos comunicativos, i.e. a comunicação é muito anterior à escrita e à linguagem (que é

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Como muitas palavras e conceitos, ‘design’ significa e vale não só pelo que designa mas também pelo que se dife- rencia, ou seja pelo contraste com outros termos vizinhos como ‘arte’, ‘artesanato’, ‘engenharia’, ‘meios de comu- nicação de massas’.

mais antiga do que a escrita, mas seguramente mais recente do que as estratégias de comunicação dos primeiros homnídios). Ainda hoje se comunica por gestos, sons e imagens mas esforçámo-nos por estabelecer modos de entendimento precisos. As imagens foram usadas como meios de comunicação naturais, dando acesso simples e pouco codificado à mensagem. As religiões perceberam o poder das imagens e a Igreja Católica, por exemplo, tirou o melhor par- tido desta forma de comunicação, usando a palavra, mas também a imagem para endoutrinamento dos crentes. Através das imagens nas igrejas, os iletrados podiam aprender os exemplos de vida dos santos, de Jesus e Maria, e foram um instrumento essencial para combater a deserção de fiéis para as forças heréticas (Sebastián 1989).

A partir de uma determinada altura as imagens deixaram de ser um exclusivo do discurso religioso e encontraram lugar na sociedade, não como forma de escrita simplificada mas como instrumento de processos de afirmação social, i.e., de persuadir os públicos sobre a importância, o poder, a riqueza, a posição ou a excelência (militar, cultural...) de uma família. Assim, a pin- tura sobre suportes móveis e facilmente transacionáveis (telas e retábulos) conhece um impulso extraordinário e uma nova classe de produtores de comunicação visual emerge. Os códigos complicam-se: aquilo que no passado era apenas um modo de contar uma história sem palavras (a campanha na Dácia, como na coluna de Trajano (séc. ii) ou a campanha dos Normandos na conquista de Inglaterra, como na tapeçaria de Bayeux (séc. xV) ou a história de Deuses, como nos vasos de Amasis (séc. Vi a.c.) ou dos cavalos mais notáveis criados na villa romana de Torre de

Palma em Monforte, passados a mosaico, que pavimentavam o

chão da casa (séc. ii d.C.); todos estes elementos visuais, surgem-nos hoje com modos de contar uma história.

A noção do poder da imagem enquanto ferramenta de negociação da vida social apareceu tardiamente em Portugal, como na maior parte dos núcleos aristocráticos europeus (se retirarmos os círculos humanistas situados em algumas cidades do norte de Itália); o re- trato, meio superior de afirmação social, aparece apenas quando a sociedade sente essa necessidade afirmativa, retirando a retratística de onde se tinha instalado desde trezentos, do culto da morte, e mais tardiamente (finais século xiV), de apresentação de príncipes e princesas (à distância), ou seja, de suporte a uniões de conveniência para a continuidade das famílias poderosas.

Durante a primeira dinastia, tal como na restante Europa, não po- demos falar sequer de ‘Retrato’ quando nos referimos às figurações de personagens régias, aristocráticas e eclesiásticas. Quando con- frontados com essas poucas imagens, verificamos estar na presença de representações não só rígidas e tipificadas, mas também pouco individualizadas e naturalistas. (Flor 2006, p. 222).

A imagem régia começou a aparecer em representações, não como afirmação pública mas como modelo virtuoso. No antigo retábulo da Capela dos Reis Magos do século xiV (mosteiro de São Domingos de Lisboa) o rosto de Nossa Senhora “foy tirado ao natural pelo da Rainha, & o do Menino se retratou natural também ao do Infante D. Affonso, seu filho”, como escreveu Frei Pedro Monteiro (apud Flor 2006, p. 225). A consciência da importância da imagem enquanto

veículo de poder surge em Portugal timidamente com D. Dinis, que terá mandado executar em vida o seu retrato para o expor no Paço da Alcáçova “seguindo os ensinamentos de seu pai (D. Afonso III), que teria percebido que a pintura “conserva a presença das pessoas reais”, como diz José-Augusto França citando Frei Luís de Sousa e Frei Manuel do Cenáculo (França 1981, p. 13). A moeda e os selos

diplomáticos são outros exemplos da afirmação do poder régio, que será posteriormente integrada pela burguesia de quinhentos com propósitos afirmativos semelhantes. Exemplo deste poder é a oferta que João Sem Medo faz a D. João I de um retrato seu. Presentear o retrato foi a forma encontrada para saldar uma dívida de serviço militar prestado pelo Rei de Boa Memória e a imagem, pintada por Jean Malouel, vinha emoldurada em prata dourada decorada com pérolas. Para Pedro Flor (2006, p. 235) este retrato hoje perdido

(executado entre 1413 e 1415) pode ser tomado como um dos mais antigos no país.

No século xV emergem dentro das sociedades, diversas pessoas interessadas - uma classe social - em negociar a sua vida social, mostrando poder (no passado, na Europa, tal não era necessário, pois ele estava concedido a um grupo muito restrito de monarcas), as suas riquezas, os seus feitos pessoais, sob a forma de novas narrativas visuais. Até ao século xV a fixação da tinta num suporte era uma das limitações da pintura e as técnicas conhecidas eram o fresco e a aguarela em que o pigmento é transportado pela água que, ao evaporar, o fixa nos suportes. Os frescos não são transportáveis e desaparecem quando a parede em que foram realizados deixar de ser útil. São um suporte pouco compatível com um mercado que começava a transaccionar todo o tipo de bens (até o próprio dinheiro). Assim, estimula-se a criatividade humana para o apare-

cimento de outras técnicas de pintura (bem como de revestimento, onde a tapeçaria adquire um papel predominante), aplicáveis em suportes transportáveis e transaccionáveis. Manuscritos, impressos, estandartes, móveis, cartões para tapeçarias. Até pintavam — por ordem do tribunal — o retrato dos que tendo sido considerados culpados por falência, bancarrota ou desfalque, condenados à pena mais violenta de ver a sua efígie exposta publicamente no tribunal do comércio (Despois 1985, p.38). Os doadores surgem

retratados na pintura sacra, de modo a perdurar a sua memória para a posteridade, associada a uma conduta e posição social. Para além da pintura em tela ou estuque a fresco temos, desde o século xV, uma série de objectos nos quais encontramos parecenças

de família, que usam o desenho e/ou a letra para articular a comu-

nicação nas sociedades. Estes objectos são desenhados, no sentido em que alguém os tem que projectar para que mais tarde sejam fabricados e produzidos em maior ou menor escala e, fazem uso do desenho — e consequentemente de especialistas nesse desenho — como modo de aumentar as suas capacidades comunicativas. O desenho é entendido então num sentido renascentista, como o pro- jecto de alguma coisa que virá, que poderá dispor letras sobre um plano para ser impresso ou exposto publicamente, ou um desenho para ser gravado sobre uma chapa.

IMPRESSOS

Há uma série de documentos impressos que constituem uma imensa biblioteca de comunicação visual: mapas, gravuras (astronomia e astrologia, humorísticos, sarcásticos, religiosos, régios, folhetos, jogos, etc), contratos, documentos monetários, todos podem ser inscritos no domínio do design de comunicação.

O LIVRO

O livro impresso abriu as portas do mundo, permitiu conhecer mui- to para além dos limites da geografia individual. Um habitante de Castelo Branco no século xVi podia ver como era Génova, ou como se vivia em Florença, através de representações mentais a partir de imagens (gravura). Podia olhar para o passado, lendo os escritos de filósofos gregos. Tal como hoje a internet ou num passado recente a televisão e antes dela a rádio, também o livro fez ficar perto o que era distante. O livro e todas as tecnologias a ele associadas: a fundição de caracteres móveis, o papel, a tinta, a gravura a encadernação são um primeiro ponto de apoio do design de comunicação.

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 51-55)