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REPENSAR A TEORIA DISCIPLINAR À LUZ DE UMA NOVA PERCEPÇÃO DA PRÁTICA

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 185-191)

INTRODUÇÃO

Desde os anos 70 do século passado a aprendizagem da profissão deixou de ser oficinal, transitando para instituições que passaram a atribuir graus, em função do número de anos de estudo e dos respectivos objectivos e conteúdos programáticos – as escolas técnico-profissionais mantiveram a ligação à prática; os institutos de ensino superior, público e privado, dividiram-se em politécnico e universitário, as primeiras mais próximas da prática profissional e as segundas orientadas para a investigação. Este enquadramento institucional tem sofrido diversas transformações. A título de exemplo, as instituições de ensino superior universitário preocu- pam-se com a taxa de empregabilidade dos seus cursos e adequam os planos de estudos dos seus cursos em função da sua percepção das expectivas e das oportunidades do mercado de trabalho. Não é nosso propósito discutir esta intenção, que é tão estimável como outras percepções da realidade e atitudes relativamente ao que deve ser a preparação de um designer para um mundo em profunda transfor- mação. O nosso decano, Daciano da Costa, dizia, apoiando-se em Ortega y Gasset, que a missão da universidade é o ensino de profissões

intelectuais, desenvolver investigação e preparar investigadores

para o futuro: não é a “pedagogia silvestre”, a “pior versão da peda- gogia tecnocrata” (Costa 2013, p. 219). Gasset (1930) acrescenta, ainda,

que nada disto interessa se não for um meio de transmissão de cultura (e não apenas de saberes especializados) e faz notar:

No es la enseñanza superior más que profesionalismo e inves- tigación? A simple vista no descubrimos otra cosa. No obstante, si tomamos la lupa y escrutamos los planos de enseñanza nos encontramos con que casi siempre se exige al estudiante, sobre su aprendizaje profesional y lo que trabaje en la investigación, la asistencia a un curso de carácter general – Filosofia, Historia. No hace falta aguzar mucho la pupila para reconocer en esta exigencia un último y triste residuo de algo más grande e importante. El síntoma de que algo es residuo – en biología como en historia – consiste en que no se comprende por qué está ahí. Tal y como aparece no sirve ya de nada, y es preciso retroceder a otra época de la evolución en que se encuentra completo y eficiente lo que hoy es sólo un muñón y un resto. La justificación que hoy se da a aquel precepto universitaio es muy vaga: conviene – se dice – que el estudiante reciba

‘Cultura general’. Lo absurdo del término, su filisteísmo, revela su insinceridad. ‘Cultura’, referida al espíritu humano – y no al ganado o a los cereales -, no puede ser sino general. No se es ‘culto’ en física o en matemática. Eso es ser sabio en una materia. 83

(Ortega y Gasset 1930, pp. 3,4).

Parte significativa da nossa investigação parte do pressuposto de que é essencial conhecer a História. Embora partindo de motivações do tempo histórico do historiador, deve reconstituir a narrativa sem anacronismos e questionando sempre as escolhas (de temas, objectos, de personalidades, mas também de perspectivas e mé- todos de abordagem). De outro modo, em vez de clarificar e dar a conhecer, confunde e mistifica. É nossa crença profunda que uma historiografia deformada (mesmo sem o querer ser) tem várias con- sequências para o Projecto. Os designers são críticos de si próprios e do trabalho dos outros. Ora é impossível fazê-lo desconhendo o passado da disciplina, sendo que tal transmissão de conhecimento é feita com a mediação dos historiadores. A responsabilidade que assumem exige, como de todos os restantes profissionais, um saber especializado, por um lado, e uma abertura para o conjunto – aquilo a que, habitualmente designamos de cultura. Todas as instituições de ensino de design têm unidades curriculares de história do design para que os estudantes possam aprender a distinguir um objecto de outro, a atribuir-lhes significado e a conferir-lhes valor, a re- conhecer e interpretar os contextos de processos de design do pas- sado, a compreender a importância da cultura material na vida das sociedades. A história não é um catálogo de imagens para citar, acriticamente, como alguns historiadores da arquitectura já afir- maram (Gregotti, 1966; Tafuri, 1969), mas que não é demais repetir

porque também deveria produzir sentido em Design. Porém, a rea- lidade parece apontar para o oposto ou, igualmente negativo, para a aparência de algumas coisas, como se elas tivessem surgido do nada. Uma tal consciência (ou melhor, a ausência dela) da história tra- duz-se numa dificuldade na aprendizagem em Projecto: os alunos não conhecem quase nada ou têm um conhecimento superficial do passado (assente em objectos seleccionados pelos historiadores) e formam uma ideia pálida da dimensão social inerente ao exer- cício da profissão. Dito de outro modo, sabem que existe a figura do cliente e de destinatário da comunicação, mas têm dificuldade em reconhecer a sua efectiva importância no desenvolvimento de cada projecto. Deste modo, supusémos que poderia existir um problema na historiografia do design de comunicação.

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tradução livre: Não é o ensino superior mais do que profissionalismo e investi- gação? Num primeiro olhar não descobrimos mais nada. Não obstante, se usarmos a lupa e dissecarmos os planos de ensino percebemos que é exigido ao estudante, para a sua aprendizagem profissio- nal ou para que trabalhe em investigação, a assistência de um curso de carácter geral – Filosofia, História.

Não é preciso aguçar o olhar para perceber nesta exigência um último e triste resíduo de algo maior e importante. O sintoma que algo é um resíduo – em biologia ou em história – é o facto de não percebermos porque é que está ali. Tal como aparece não serve de nada e é preciso regredir a outros tempos para o encontrar completo e eficiente, aquilo que hoje é apenas um toco e um resto. A justificação que hoje se dá àquele preceito universitário é muito vaga: convém, diz-se, que o estudante receba algu- ma ‘cultura geral’.

‘Cultura geral’. O absurdo do termo, o seu espírito filisteu, revela a sua insinceridade. ‘Cultura’, tendo como referên- cia o espírito humano – e não o gado ou os cereais – não pode ser outra coisa que não ‘geral’. Não se é culto em física ou em matemática. Isso é ser sábio numa matéria.

Para conhecer quais são os objectos apresentados aos estudantes como sendo os mais significativos e valiosos, efectuou-se, em primeiro lugar, uma análise quantitativa das imagens usadas para ilustrar as quatro principais histórias do design, o que proporcionou uma série de leituras importantes sobre aquilo que é considerado (ou descon- siderado) como design gráfico: 1) os designers mais significativos e a sua distribuição geográfica; 2) os suportes onde podemos encon- trar design gráfico; 3) uma série de outras leituras, mais apuradas, que podem ser extraídas desta recolha exaustiva – número de ilus- trações, dimensões, país de origem do objecto reproduzido, cliente, indústria, tipo de objecto, entre outras. Procurou-se uma recolha de elementos o mais completa possível de forma a poder alimentar futuras leituras críticas, mesmo as que de início não eram antecipáveis. Foi analisado em detalhe o modelo que predomina - o de Philipp Meggs (1983, 1992, 1998, 2006 e 2012) – para reconhecer as perspectivas

de abordagem, o modo de seleccionar as situações exemplares e de reconstituir a narrativa, as razões das escolhas do historiador, as ferramentas metodológicas ao seu dispôr, em suma, o que lhe permite produzir um projecto historiográfico que justifique esse enquadra- mento epistemológico.

Com esta informação foi desenvolvida uma proposta de modelo historiográfico, sugerindo o modo de o estruturar e os elementos de que se compõe, contornando as omissões que identificámos anteriormente na expectativa de ser mais eficaz na percepção pública da disciplina, inclusive a dos estudantes.

REFERÊNCIAS PARTILHADAS

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 185-191)