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A FUNÇÃO DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 123-127)

Temos assim um cenário consentâneo com a ideia de uma saída das

trevas, de um renascer, noção estimulada — a partir de um certo

momento – pelas riquezas americanas. É compreensível que a pala- vra Rinascita seja sentida como verdadeira por Vasari e que Petrarca

fale de um tempo obscuro medievo. Já antes, Filippo Villani em 1364 observava a “Recuperação das artes anémicas e quase extintas”. Mas o termo, tal como hoje o usamos, é fruto da historiografia de arte oitocentista (Michelet e Burkhardt).

A Itália que compilou as suas experiências e as de outros, recupe- rando formas e ideias da Antiguidade, porque eram as que melhor respondiam às aspirações naquele tempo.

A função da antiguidade Clássica foi a de fixar um patamar de qualidade aspiracional e o de permitir uma ruptura com a prática tutelada pelas guildas medievais. Foi ainda fonte de desejo e am- bição que levou a que muitos quisessem ter um exemplo daquela beleza para si, nas suas casas, como símbolo de poder e estatuto mas também pelo prazer da sua contemplação. Mostrou ainda que as obras podem ter temas seculares ou tratar ideias como a coragem, a força, a fidelidade. A Antiguidade Clássica abriu um mundo de representações fora das catedrais e das igrejas e permitiu às novas fortunas conquistar pedaços de história de um tempo anterior. Os humanistas esforçaram-se (nem sempre com sucesso) por en- contrar uma Antiguidade mais autêntica.

A Biblioteca do Vaticano possuía, na elevação a papa de Nicolau V, em 1447, três obras redigidas em grego; em 1455, na data da morte do pontífice, a biblioteca tinha um total de 355 obras.” (...) “ A tipografia aldina [de Aldus Manutio] de Veneza, entre 1494 e 1515, produziu pelo menos 27 primeiras edições de autores gregos. (Delumeau, [1967] 2011, pp. 83, 86)

E a explosão da tipografia — como da criação visual — está inti- mamente relacionada com a vontade de conhecer, trazida pelo Renascimento. Não só do pensamento e da cultura clássicas mas também das informações que permitiam fazer negócios e produzir riquezas: os livros permitiam a um Português conhecer a Itália ou a um italiano conhecer todos os segredos da produção agrícola:

o notável compêndio de economia rural de Pietro de’Crescenzi, escrito por volta de 1305, foi impresso treze vezes entre 1471 e o final do século” (…) “o Bergbuchlein (1505) foi a primeira obra impressa sobre a constituição e pesquisa de jazigos mineiros metalíferos” (…) “eclipsado pelo De re metallica, composto a partir de 1531” (…) “e publicado apenas em 1556, que ficou imediatamente célebre, consti- tui para nós uma súmula dos conhecimentos da época sobre tudo o

que tinha a ver com a actividade das minas e o trabalho dos metais. A este tratado deve juntar-se o de Biringuccio, De la pirotechnia (1540)”(…) “que estudou especialmente a metalurgia dos metais preciosos, a arte da fundição e o fabrico de canhões.” (…) “Publicado em 1588, em Paris, pelo italiano Ramelli As Diferentes Máquinas Artificiais” (…) “descritas e ilustradas 110 máquinas” (…) “(bem como outros livros ilustram) a nova atenção pela máquina como um factor de progresso.” (Delumeau, [1967] 2011, pp. 137 e 138).

Delumeau refere ainda o aparecimento por toda a europa de escolas, de estudos gerais, que geraram um apetite por informação que os livros do renascimento e a tecnologia de Gutenberg veio saciar:

No final do século xiV, contavam-se na Europa 45 studia generalia

[Estudos Gerais]. O século xV viu nascer 33 novas universidades, e a primeira metade do século xVi ainda cerca de outras quinze. Estas últimas tiveram lugar sobretudo, nos países que antes não tinham universidades: Espanha, Portugal, Escócia e, mais ainda, no Sacro Império onde existiam, em 1520, dezoito universidades contra cinco em 1400. O Humanismo apenas teve sucesso porque já tinha o terreno preparado.” (...) “A vontade de evasão através das letras teve o seu reflexo na publicação de romances: “Le Roman de La Rose” foi reeditado 14 vezes durante os primeiros quarenta anos do século xVi e cerca de outros oitenta romances medievais foram impressos antes de 1550. (Delumeau, [1967] 2011, pp. 86, 283)

A arqueologia desenvolveu-se também exponencialmente, com o desenterramento de dezenas de peças e com a prática de patroci- nar a descoberta destes tesouros. Os templos e anfiteatros estavam descobertos mas o Apolo de Belvedere foi descoberto em Anzio, o

Laocoonte, a Vénus do Vaticano, a Ariadne Adormecida, Hércules,

o Grupo de Dirce e muitas outras obras foram desenterradas graças a uma corrida pelo prestígio de as possuir: os Farnese nas termas de Carcala, os della Valle, os Médicis (que comprou as colecções dos Capranica e dos della Valle):

Os visitantes eram suficientemente numerosos para justificar, a partir da primeira metade do século, a composição de catálogos destinados a guiá-los. O primeiro surgiu em 1537. Sobretudo, foram importantes: o de Ulisses Aldrovandi de Bolonha, Delle statue antiche, che per tutta Roma, in diver si luoghi e case si veggono (1556), e o do antiquário preferido dos Farnese, Fulvio Orsini, Imagines et elogia virorum illustrium et eruditorum ex antiquis lapidibus et numismatibus expressa. fig 23 (Delumeau, [1967] 2011, pp. 89)

Itália passa a ser um destino obrigatório para quem queria ver o que os livros impressos divulgavam. Surge, então, o grand tour, uma forma de turismo erudito.

Assim podemos olhar para as manifestações artísticas do Renascimento como criações totalmente novas de uma sociedade em mudança, que usa a Antiguidade como referência.

A conquista de formas de representação visuais perfeitas é uma obra italiana: numa época em que uma Europa dinâmica procurava formas de se renovar, a Itália forneceu a possibilidade de um rejuvenescimento muito mais radical do que aquele que podia ser oferecido pela arte gótica, apesar das reservas de energia e de vigor que esta ainda possuía. (Delumeau, [1967] 2011, pp. 106)

FIG 23

FULVIO ORSINI, IMAGINES ET ELOGIA VIRORUM ILLUSTRIUM ET ERUDITORUM EX ANTIQUIS LAPIDIBUS ET NUMISMATIBUS EXPRESSA

1556, Fonte: Biblioteca univer- sitaria; http://www.bibliote- cauniversitaria.ge.it/export/ sites/bug/immagini/Palaz- zi/07.jpg_1846989557.jpg

A PRODUÇÃO DE COMUNICAÇÃO

No documento Criação livre e criação dedicada (páginas 123-127)