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5 ANÁLISE DA COMPETÊNCIA COMUNICATIVA E PERSPECTIVA

5.1 LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: DESCRIÇÃO

5.1.3 Categoria 1 – Concepção de língua e linguagem

A análise da categoria 1 voltada para a concepção de língua/linguagem verificada no LD1, em nossa opinião, revelou uma inclinação para a língua enquanto atuação social

(ANTUNES, 2003), que baseia-se na interação verbal entre locutores, realizada por meio da ação subjetiva em situações de atuação social, por intermédio das práticas discursivas, porém ainda conserva muitas características da concepção enquanto sistema em potencial, revelada pelo conjunto abstrato de signos, sem maiores vínculos com a sua condição de atualização, conforme veremos na exposição a seguir.

A exposição dos objetivos do livro pelos autores traz elementos constitutivos dessa concepção, pois remetem a: apropriação de diferentes recursos que a linguagem oferece aos seus usuários; apreciação e emoção proporcionadas pela arte e cultura com as diferentes formas de linguagem; expressão em diferentes línguas com liberdade, clareza e criatividade; discussão do ponto de vista pessoal e do ponto de vista de outra pessoa, valorizando a si mesmo e ao outro; necessidade de compreender os impactos das tecnologias nas mudanças da vida na sociedade e de tornar-se um cidadão capaz de apresentar soluções para construir uma sociedade mais justa e democrática.

Esses elementos estão implícitos na seleção de alguns conteúdos, textos, imagens e atividades identificados no LD.As autoras Jurado e Rojo (2006, p. 53-54) discutem a ausência de neutralidade na escolha de qualquer texto, assunto, ponto de vista, ponto de partida ou outros, mostrando o quanto são reveladores de intenção ou tomada de partido.

Assim, no caso do livro didático, todo o universo de crenças do(s) autor(es) transparece: como ele(s) assume(m) que o processo de aprendizagem se concretiza; que temas, dentro da disciplina, ele(s) acredita(m) que sejam os mais pertinentes; que abordagem(ns) ele(s) seguem etc.

Essa discussão referenda também o universo de crenças dos professores que fazem a escolha dos livros didáticos adotados na escola, os critérios de escolha dos livros e o impacto disso na aprendizagem dos alunos, a partir das concepções que adotam. Para explicitar essa afirmação na prática, trouxemos para esse texto alguns exemplos extraídos do LD1 em questão:

Ao observarmos o quadro 1 da unidade 2, p. 209 do livro, verificaremos que traz uma locução verbal que consiste no uso sistemático de verbos no gerúndio, cujo emprego é relativamente recente no português, especialmente, no brasileiro. A concordância da construção com a sintaxe do português não é unanimidade, sendo, eventualmente, considerada um vício de linguagem inadequado, de acordo com a língua padrão.

É interessante perceber que os autores trouxeram um fenômeno linguístico atual, orientado para a linguagem em uso materializada em práticas da oralidade para ser discutido

em sala de aula. Dessa forma, o (a) professor (a) investido (a) desse conhecimento, poderá explorar essa questão, fortalecendo a adesão à concepção interacionista de linguagem.

Quadro 6 – Formação e uso do gerundismo

Diálogo da Unidade 2 (p. 209) – Português Linguagens em conexão

a) Explique a formação e o uso do Neologismo “gerundismo”.

b) Qual é o objetivo da tirinha?

(JEAN. Saber: Revista do Livro Universitário, ano 1, mar./abr.2001. São Paulo: Imprensa Oficial/Abeu, p. 3).

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

No entanto, a exploração com êxito dessa atividade depende de um conhecimento teórico mais aprofundado por parte dos (as) docentes, pois redundaria no desenvolvimento da competência comunicativa dos(as) estudantes. Antunes (2003, p. 39) retrata o desinteresse dos professores pelos estudos teóricos: “Tenho presenciado, por vezes, uma certa desconfiança, ou uma certa restrição dos professores quando se trata de oferecer mais referenciais teóricos. Parecem meio descrentes da teoria. ‘Queremos prática’, costumam dizer” (ANTUNES, 2003, p. 39). Em sua opinião, esse desinteresse pode significar uma incompreensão da interdependência entre teoria e prática.

Voltando à atividade proposta, verificamos que os autores poderiam explorar outros aspectos do gerundismo, inclinados para as suas práticas de uso, inclusive em relação às crenças sobre o seu uso entre operadores de telemarketing, pois observa-se a sua ocorrência, não somente na fala desses, mas na de outros profissionais da sociedade, como por exemplo, na de vendedores(as), empresários(as), bancários(as) e até mesmo nas conversas diárias e entre educadores(as). Entretanto, só há essas duas questões que deixam uma enorme lacuna quanto ao seu potencial de análise.

Outro exemplo semelhante é o que encontramos na unidade 2 de Gramática e estudo da língua, localizada página 170:

Quadro 7 – Estudo das preposições e locuções conjuntivas

Unidade 2 – Português Linguagens em Conexão – Gramática e estudo da língua Capítulo 13 – Preposições e locuções prepositivas – p. 170 -171 Redes de computadores

O século XVIII foi a época dos grandes sistemas mecânicos que acompanharam a Revolução Industrial. O século XIX foi a casa das máquinas a vapor. As principais conquistas tecnológicas do século XX se deram no campo da aquisição, do processamento, da distribuição de informações. Entre outros desenvolvimentos, vimos a instalação das redes de telefonia em escala mundial, a intervenção do rádio e da televisão, o nascimento e o crescimento sem precedentes da indústria de informática e o lançamento de satélites de comunicação.

(TANEMBAUM, Andrew S. Redes de computadores. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, p. 1) Nas trilhas do texto

1 No caderno, reescreva o texto sem as palavras destacadas. 2 Agora releia o texto que você reescreveu, o que você percebe?

 Panorama Preposições

As palavras destacadas no trecho do texto Redes de computadores ligam outras palavras e estabelecem diferentes relações de sentido. Elas funcionam como preposições.

As palavras funcionam como preposições quando: • Ligam palavras entre si, articulando ideias;

• Estabelecem relação de sentido entre as palavras que ligam; • Não tem sentido extraverbal, isto é, fora do texto;

• São invariáveis quanto à flexão;

• São uma classe fechada, isto é, com número limitado de palavras;

• Só tem sentido na relação que estabelecem com outros elementos do léxico, nos textos orais e escritos; • Tem função relacional, ligando palavras de outras classes gramaticais, como nestes exemplos:

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

Pudemos notar, por intermédio desse exemplo, que o texto utilizado para abertura do tema foi retirado do livro Redes de computadores e as preposições existentes estão destacadas em negrito, de maneira didática.

Na seção intitulada Nas trilhas do texto temos uma atividade composta por duas questões: a primeira traz uma proposta de reescritura do texto com exclusão das preposições e a segunda propõe a releitura do texto para verificar a percepção do aluno sobre o efeito causado pela ausência da preposição, seguida pela explicação do assunto tratado.

Apesar dessa explicação remeter à função relacional da preposição para o estabelecimento do sentido no texto, lamentavelmente ela se esgota na descrição da preposição como classe de palavra, ou seja, o texto é usado basicamente como pretexto para exposição gramatical. Essa abordagem é duramente criticada nos PCNEM “[...] a confusão entre norma e gramaticalidade é o grande problema da gramática ensinada pela escola. O que deveria ser um exercício para o falar/escrever melhor se transforma em uma camisa de força incompreensível”

(BRASIL, 2000, p. 16). Muito embora essa ainda seja uma problemática contemporânea, em Geraldi (1997, p. 45-46) já encontrávamos a seguinte consideração:

[...] uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados, percebendo as diferenças entre uma forma de expressão e outra. Outra, é saber analisar uma língua, dominando conceitos e metalinguagens, a partir dos quais se fala sobre a língua, se apresentam suas características estruturais e de uso.

Diante do exposto, verificamos que a explicação apresentada retrata questões metalinguísticas de definição e descrição dessa unidade linguística. Não se procura desenvolver, através delas, a competência comunicativa centrada no uso e sim, “identificar e a de reconhecer qualquer coisa” (ANTUNES, 2003, p. 87). Perde-se com isso, a possibilidade de explorar suficientemente os efeitos de sentido que provocam em textos orais e escritos.

A análise dessa categoria no livro Novas Palavras (LD2) não revelou muitas novidades, ao contrário, nele a opção pela concepção de língua/linguagem é centrada na “língua enquanto sistema em potencial, enquanto conjunto abstrato de signos e de regras, desvinculado de suas condições de realização” (ANTUNES, 2003, p. 41) está muito mais evidenciada em todos os capítulos, principalmente nos que estão voltados para a Literatura e Gramática.

O próprio guia do PNLD, dos livros aprovados, aponta como pontos negativos dessa coleção, o “estudo predominantemente linear da literatura. Privilégio do enfoque formalista e normativo da língua. Ênfase nas tipologias textuais – narração, descrição, dissertação –, com pouca exploração de gêneros textuais de fato” (BRASIL, 2014a, p. 45) e apesar de ter como pontos fortes ou positivos a flexibilidade quanto ao uso linear do livro, a apresentação de quadro síntese no final dos capítulos, na clareza e correção das exposições teóricas e na linguagem mais acessível ao público alvo ao qual o livro é destinado, os seus pontos fracos demonstram claramente a concepção adotada pelos autores quanto à linguagem como expressão do pensamento, com ênfase na gramática tradicional.

A partir do exemplo abaixo, observamos que a abordagem gramatical sobre o sujeito e o predicado está centrada nos conceitos de ambos.

Quadro 8 – Conceitos de sujeito e predicado

Novas Palavras – Gramática (“A sintaxe – Sujeito e predicado”) p. 262

Capítulo 6 – “Conceitos” Sujeito

Termo da oração com o qual o verbo concorda em pessoa (1ª., 2ª., 3ª.) e número (singular, plural). O sujeito comanda a concordância verbal.

Predicado

Termo da oração que apresenta uma declaração a respeito do sujeito. O predicado sempre contém o verbo.

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

Em crítica sobre esse tipo de abordagem, Geraldi (1997, p. 45) enfatiza a imprescindibilidade de levarmos em consideração “o que vamos estudar” para responder o “para que” ensinamos. Se em nossa pesquisa constatamos que pelo menos 3 escolas de médio e grande porte haviam adotado esse livro, isso nos faz refletir sobre o estado da arte do ensino de LM em nossa região, o qual ainda se encontra muito distanciado da opção pela linguagem como lugar de interação humana evidenciada nos documentos balizadores do ensino de PLM.