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2 LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDO DE CRENÇAS

2.2 PESQUISAS INICIAIS SOBRE CRENÇAS NO PANORAMA

O estudo das crenças tem se mostrado de grande relevância na atualidade, devido à grande influência que exercem em diversas áreas da atuação humana e na área de educação.

A partir de 1990, a pesquisa sobre crenças no Brasil tem crescido paulatinamente. Barcelos (2007) divide esse crescimento em três períodos significativos: o período inicial, de 1990 a 1995, o período de consolidação, de 1996 a 2001 e o período de expansão, de 2002 em diante. Para a autora, esses períodos compreendem etapas diversificadas de estudo sobre o sistema de crenças no país, com relevantes contribuições teóricas de aspectos diferentes do processo de aprender, e supera até mesmo o desenvolvimento desse tema no exterior.

Para comprovar as afirmações anteriores, até a produção do artigo intitulado Crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas: reflexões de uma década de pesquisa no Brasil, Barcelos (2007a) já havia computado um total de 4 trabalhos de pós-graduação (dissertações e teses) na fase inicial, 16 na fase de desenvolvimento e 30 na fase de expansão, todos defendidos no Brasil de 1994 a 2006.

Observa-se que nessa fase assinalada pela autora, as principais instituições que mais contribuíram para o estudo das crenças foram a UNICAMP, UFMG, UNESP e PUC, ou seja, todas localizadas na região Sudeste do país.

O estudo das crenças sobre o ensino de línguas teve sua origem no exterior com os estudos de Horwitz (1985) e Wenden (1986). Porém esse conceito é amplo, complexo, e além da área de educação, pertence a diversas áreas.

Dessa forma, crenças é um conceito chave na Antropologia (BLACK, 1973; Goodenough, 1981), Filosofia (Dewey, 1933; James, 1991; Peirce, 1877/1958) e Psicologia Cognitiva (Sperber, 1996). Além disso, os estudos de crenças no exterior iniciaram-se bem antes daqueles da Linguística Aplicada (cf. Borg, 2003) (BARCELOS, 2007a, p. 30).

A autora considera que o início das pesquisas sobre crenças no Brasil foi difícil pela inexistência de estudos sobre o tema. Por conta dessa dificuldade, as abordagens iniciais ou foram periféricas ou foram estudadas a partir da adoção do conceito de cultura de aprender proposto por Almeida Filho (1993), o primeiro a utilizar esse termo no país. Para o pesquisador, a cultura de aprender refere-se às maneiras de aprender e estudar a língua que são típicas de uma região, classe social, etnia e grupo familiar.

Essa cultura faz parte de um processo que se inicia na formação inicial dos professores de língua e se estende à formação continuada, numa constante reconstrução a partir da base espontâneo-profissional, passando pelo crivo das autoavaliações realizadas por si mesmo e pelos pares para desaguar na renovação de práticas pedagógicas que ultrapassam o viés político. Para sua instauração, o autor reconhece quatro dimensões diferentes inerentes ao ensino- aprendizagem de línguas:

(1) Planejamento das unidades de um curso;

(2) A produção de materiais de ensino ou a seleção deles;

(3) As experiências na, com e sobre a língua-alvo realizadas com os alunos principalmente dentro, mas também fora da sala de aula;

(4) A avaliação de rendimento dos alunos (mas também a própria auto avaliação dos alunos e/ou externa do trabalho do professor) (ALMEIDA FILHO, 1993, p. 29).

Almeida Filho (1993) apresenta essas dimensões como fases concatenadas, ao ponto de haver mudanças nas demais, caso haja interferência em uma dessas fases, numa reação em cadeia. O autor considera essas dimensões como uma “Abordagem de ensinar” que equivale a “um conjunto de disposições, conhecimentos, crenças, pressupostos e eventualmente princípios sobre o que é a linguagem humana [...]” (ALMEIDA FILHO, 1993, p. 30).

No período inicial do estudo de crenças no Brasil, dois trabalhos são relevantes para a sua compreensão e por trazerem contribuições significativas em sua tentativa de entrada no mundo social e cognitivo referentes ao aprendizado de línguas: o de Viana (1993) e o de Carmagnani (1993).

Em síntese, segundo Barcelos (2007a), o trabalho de Viana (1993) alertou sobre a presença de mitos inerentes ao contexto brasileiro e as concepções estereotipadas dos alunos sobre a aprendizagem de línguas, influenciadas pela mídia e da inexistência de uma reflexão quanto ao processo de aprendizagem. Quanto ao estudo de Carmagnani (1993), Barcelos (2007a) explica que o mesmo está centrado na base teórica de Riley (1989), e parte do conceito

de representações que influenciam as concepções de aprendizes, pois Riley (1989, p. 8) as considera como “descrições e interpretações de aprendizagem numa dada sociedade”.

O primeiro artigo voltado para crenças sobre ensino-aprendizagem de línguas em nosso país foi o estudo de Leffa (1991) que utilizou o termo concepções para o estudar crenças de 33 alunos da 5ª série da rede estadual do sul do país. Seus estudos demonstraram que esses alunos possuíam a crença na aprendizagem da língua como um conjunto de palavras a serem decoradas e a língua inglesa apenas como uma matéria a mais. A única estratégia utilizada pelos alunos era traduzir e decorar palavras da língua. Na atualidade isso ainda é bem comum, principalmente nas escolas públicas.

As primeiras dissertações sobre crenças no país foram as de Damião (1994), Gimenez (1994) e Barcelos (1995). O trabalho de Damião (1994) detectou o papel das experiências prévias nas crenças de professores e foi realizado em duas escolas de idiomas, uma maior denominada escola 1 e a outra menor, denominada escola 2. Os resultados mostraram crenças semelhantes entre os professores de ambas as escolas quanto ao gosto pela leitura, importância do bom relacionamento com os alunos e influência dos ex-professores em suas vidas.

Essa pesquisa demonstrou, ainda, a existência de diferenças contextuais entre as duas escolas: na escola 1 os professores seguiam uma rotina mais profissional, e, na escola 2, observou-se a fundamentação pelos professores no bom senso ou em suas crenças, assim como a obediência às instruções da diretora.

Os estudos desenvolvidos por Gimenez (1994), no curso de Letras com inglês da Universidade de Londrina, por sua vez, tiveram como principal objetivo identificar as crenças de alunos do curso de Letras do primeiro e último período e de professores em serviço; verificar a relação entre suas crenças e suas experiências educacionais anteriores: e traçar implicações a respeito da origem de suas crenças. A partir dessa investigação, Gimenez (1994) chegou às seguintes conclusões sobre as crenças: As crenças são conscientes e podem ser expressas verbalmente; b) as crenças são implícitas e assim devem ser inferidas através da ação c) crenças nem sempre condizem com a ação. É pertinente destacar que a partir desse trabalho, os fatores contextuais inerentes aos estudos de crenças começaram a ser levados em consideração.

Barcelos (1995), em pesquisa etnográfica de Mestrado intitulada A cultura de aprender língua estrangeira (inglês) de alunos de Letras investigou o espectro de crenças desses alunos sobre como aprender línguas, o que dizem ser necessário para isso e o que, de fato, fazem para aprender uma língua estrangeira como o inglês. O embasamento teórico utilizado pela pesquisadora partiu, principalmente dos estudos sobre cultura no contexto educacional com base em Erickson (1987a; 1987b; 1990), culturas de ensinar (FEINAM-NENSER; FLODEN,

1986), cultura de aprender (ALMEIDA FILHO, 1993) e crenças dos aprendizes de línguas (WENDEN, 1986; 1987).

Os resultados da pesquisa de Barcelos (1995) mostraram a existência de grandes crenças dos alunos a respeito da aprendizagem de inglês como aquisição de conhecimentos sobre as estruturas gramaticais da língua, a responsabilidade do professor e a pressão que ele exerce sobre a aprendizagem dos seus alunos. A autora observou também a presença da crença nos países do exterior que possuem a língua-alvo como o melhor lugar para se aprender a referida língua.

A pesquisa levou em conta, não apenas o dizer, mais também a ação dos alunos e o que a autora pôde verificar foi a discrepância existente entre essas questões, a partir da constatação de que os alunos repetem hábitos adquiridos em escolas e institutos de língua, com pouca dedicação aos estudos. Estão focados, principalmente, na tradução, realizando exercícios gramaticais escritos e mantêm a rotina comum do papel de aprendizes, como ir à escola, prestar atenção e obedecer ao(à) professor(a). Porém, em sua fala, afirmaram realizar determinadas ações para aprender que não foram concretizadas.

Barcelos (1995) constatou que a cultura de aprender dos alunos acaba por influenciar a cultura de ensinar do(s) professor(es) e vice-versa, modificando até mesmo a sua visão como pesquisadora, sobre sua atuação profissional em sala de aula, a partir das crenças observadas entre os alunos. Seu trabalho foi relevante no panorama de estudo de crenças por vários motivos, dentre os quais, pelo fato de ter situado o conceito de cultura de aprender e de crença no contexto da literatura em Linguística Aplicada.

Em estudos posteriores, Barcelos (2007a) elencou as principais características que marcaram a segunda fase de pesquisa das crenças, denominadas pela pesquisadora de fase de consolidação, descritas a seguir:

• Foco nas culturas de aprender (Garcia, 1999), ensinar (Félix, 1998; Reynaldi, 1998) e avaliar (Rolim, 1998);

• Utilização do BALLI – Inventário de crenças sobre aprendizagem de línguas – (Carvalho, 2000), comparar crenças de alunos de instituições diferentes (Silva, 2001) investigar a relação entre crenças, autonomia e motivação (Moreira, 2000);

• Crenças de alunos em contexto de ensino médio (Cunha, 1998); • Crenças específicas. Ex. crença a respeito do bom professor de línguas

(Silva, 2000);

• Primeiro estudo de crenças a respeito de outras línguas estrangeiras: espanhol (Marques, 2001) e francês (Saquetti, 1997) (BARCELOS, 2007a, p. 36).

Destacamos também, nessa fase, os trabalhos de Félix (1998), Reynaldi (1998) e o de Rolim (1998) pelos temas diversificados e por, de alguma forma, estabelecerem uma correlação com o trabalho que desenvolvemos.

Reynaldi (1998) realizou uma pesquisa com 13 professores de escolas públicas de língua materna e estrangeira (inglês), no contexto brasileiro, comparando as crenças de ensinar dos profissionais dessas duas línguas. Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram questionário, entrevistas, observação e gravações de aulas de LM e LE. Posteriormente, foi realizada uma discussão dos dados coletados com alguns professores participantes do trabalho. Para a autora, o conceito de cultura de ensinar é abrangente e inclui o conhecimento intuitivo, a influência da nossa formação escolar e a incorporação das teorias de ensino, pois se constitui como

[...] crenças, pressuposições, mitos e conhecimentos intuitivos sobre como ensinar, reflexo do que fomos ensinados e de nossa visão deste ensino, incluindo as crenças sobre o que é o aluno, o que se pode esperar dele, sobre o que é linguagem humana, sobre as teorias de ensino e o que incorporamos delas (REYNALDI, 1998, p. 8).

Através da pesquisa, Reynaldi (1998) observou que a cultura de ensinar independe da especificidade da disciplina ensinada, mas sim, da tradição de ensinar, fruto das crenças sobre a aprendizagem e sobre o aluno. A autora aponta os exemplos de ex-professores como influenciadores da cultura de ensinar dos professores em serviço, e chega à conclusão sobre a existência de apenas uma cultura de ensinar para LM e LE.

Já o trabalho de Rolim (1998), uma pesquisa de natureza etnográfica, segundo Barcelos (2006, p. 37), estendeu o conceito de cultura de aprender, acrescentando a ‘cultura de avaliar’ por meio do qual avaliou as crenças de três professores do contexto da escola pública. Os instrumentos utilizados para a sua realização foram dois questionários abertos sobre crenças, observação e gravação de aulas em áudio, entrevistas, vídeos e anotações de campo. Seus resultados envolveram a percepção de que não se aprende inglês em escola pública, e o professor é visto como responsável pelo ensino. Outro dado importante é a crença na avaliação como processo, e na prática, como produto (BARCELOS, 2007a).

A pesquisa desenvolvida por Félix (1998) tratou de crenças dos professores sobre o melhor aprender de uma língua estrangeira na escola. Ela foi realizada em uma escola pública estadual de São Paulo, na região de Campinas, cujos dados foram coletados com aplicação de dois questionários, observação de aulas e entrevistas individuais com os três professores participantes.

Os estudos da autora a levaram às seguintes conclusões:

• Acreditam que os alunos são desinteressados e possuem poucos conhecimentos na língua;

• Usam a L1, por ser a preferência dos alunos, uma vez que dizem não entender a língua alvo;

• O lugar de aprender inglês é o curso de línguas (e o professor sugere isso ao aluno);

• Utilizam exercícios estruturais, repetitivos e de tradução (BARCELOS, 2006,

p. 39).

Algo que despertou a nossa atenção em relação ao trabalho de Félix (1998) é a constatação do círculo vicioso que se forma entre o aluno desinteressado e o professor desmotivado pelo pouco interesse do aluno, ou seja, o professor não requisita dele o suficiente, o que acaba gerando um quadro de baixo desempenho de aprendizagem desse aluno.

Ainda com referência ao período de expansão, desenvolvimento e consolidação das pesquisas sobre crenças, Barcelos (2007a) retrata o trabalho de Málater (1998) sobre crenças de professores de inglês no Brasil e os de Gimenez (1994), Barcelos (1995), Belam (2004) e Pereira (2005) que abordaram a existência de conflitos entre crenças e ações, também discutidos no exterior, nesse período, por Woods (1996) e Borg (2003).

Através da apresentação dos trabalhos de Silva (2000) e de Custódio (2001), Barcelos (2007, p. 40) levantou a discussão sobre a existência de pesquisas voltadas para crenças específicas8, ambas voltadas para as crenças dos alunos “sobre o bom professor de alunos de

Letras do último período e as mudanças em suas crenças após o curso de metodologia e prática de ensino de línguas” e sobre “o ensino e aprendizagem de inglês numa escola pública” (BARCELOS, 2007a, p. 41). Por fim, constatou nesse período, os estudos que utilizaram o Balli e os trabalhos de crenças a respeito de outras línguas estrangeiras.

No período de expansão, de 2002 até a conclusão de seu artigo, Barcelos (2007a, p. 45) verificou as defesas de várias dissertações e uma tese, o acrescimento do número de trabalhos voltados para crenças mais específicas, agrupando os estudos da seguinte forma:

1. Estudos de crenças dentro da cultura de aprender e avaliar 2. Estudos de crenças sobre outras línguas estrangeiras; 3. Estudo de crenças como parte de outros conceitos 4. Estudos de crenças específicas.

8 Sob a ótica de Barcelos (2007a) os trabalhos sobre crenças específicas são aqueles que trazem estudos sobre

Esse agrupamento nos permite verificar a amplitude do tema suscitando um olhar multifacetado sobre diferentes problemas relacionados ao ensino de línguas. Em síntese, segundo Barcelos (2007a), houve retomada da cultura de aprender, especialmente, nos trabalhos de Silva (2003) e Belam (2004).

Outro destaque é o trabalho de Nonemacher (2002) que se dedicou à investigação das crenças, suas origens e relação com a prática de professoras em formação, porém já atuantes como professoras de espanhol do 1º e 2º ano do Ensino Médio. A autora detectou algumas crenças semelhantes aos estudos de inglês como língua estrangeira e crenças específicas do espanhol a exemplo da crença na proximidade do português e do espanhol e na facilidade de aprender essa língua em relação às outras.

Se nos fixarmos no estudo voltado para crenças específicas, os trabalhos poderão se espraiar em várias direções, de acordo com Barcelos (2007a), como estudo de crenças sobre gramática, relação de crenças com a ansiedade, crenças sobre o uso do computador, crenças, mudança e identidade, crenças sobre o ensino de inglês na escola pública, crenças sobre o bom aprendiz, crenças sobre correção de erros, crenças sobre vocabulário, crenças sobre inclusão de inglês nas escolas públicas, crenças e motivação na escola pública, crenças sobre inclusão de inglês nas séries iniciais, crenças e fatores contextuais, crenças sobre leitura e escrita entre tantas outras possibilidades, o que exige um olhar a amplitude do tema, assim como o contexto específico dos temas eleitos para investigação.

2.3 DIVERSIDADE CONCEITUAL, NATUREZA DAS CRENÇAS E SUA RELAÇÃO