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1. O setor sem fins lucrativos: marcos teóricos e causas do crescimento recente

1.3. Causas do crescimento recente

No final da década de 1990, dois estudos internacionais demonstravam a importância das organizações sem fins lucrativos em termos de quantidade de empregos gerados. O estudo do

Centre International de Recherches et d'Information sur l´Économie Publique, Sociale e Coopérative, (CIRIEC, 1999) mostrava que, dentro da União Européia, 7,7% dos empregos

assalariados pertenciam a organizações cooperativas, associativas ou aos mutuelles. O John

Hopkins Comparative Nonprofit Sector Project, realizado em 13 países industrializados revelava

que em média 3,4% dos empregos em tempo integral nestes países provinham do terceiro setor3

Como explicar esse fenômeno? Quais as razões para o aumento da notoriedade e o crescimento do número de organizações sem fins lucrativos? Porque elas passaram a ser entes importantes na formulação de políticas públicas? Quais funções sociais passaram a desempenhar? Há respostas variadas. Pode-se identificar diferentes explicações e até algumas linhas teóricas que, entre outros, oferecem a descrição de fatores que levaram ao crescimento recente do terceiro setor. Para os fins deste trabalho, torna-se relevante conhecê-las em seus pontos principais. Como teremos oportunidade de mostrar, o conceito de inovação social emerge de uma dessas linhas, a economia social. Há, no entanto, em todas elas, a noção de que o terceiro setor cresceu em função de transformações sociais, econômicas e políticas, que geraram mudanças em indivíduos, organizações e instituições a partir de 1980.

3 No estudo da Jonh Hopkins apenas associações foram incluídas. Nem cooperativas, nem organizações de

ajuda mútua são consideradas como pertencentes ao nonprofit sector. Como veremos adiante, na próxima seção, elas são consideradas como componentes da economia social.

Como se pôde perceber na subseção anterior, as explicações para a origem do terceiro setor com base nas teorias econômicas neoclássicas encaram-no como uma falha do mercado ou do Estado em prover todos os bens necessários ao bem-estar de uma sociedade. Nesse sentido, o terceiro setor existe para fazer as vezes do mercado ou do Estado. Essa é notoriamente uma visão neoliberal e que resulta em entender o terceiro setor como eminentemente assistencialista e reparador dos malogros do sistema econômico. Porém, não nos parece que ela seja suficiente para entender o crescimento do setor nas duas últimas décadas.

Outras teorias oferecem explicações com maior conteúdo político do que as baseadas na teoria econômica neoclássica. Nelas trata-se a origem do terceiro setor como o resultado do desmantelamento do Estado Providência, ou welfare state. Relacionar o crescimento do terceiro setor com a crise do Estado Providência e as mudanças socioeconômicas que surgiram a partir de 1980 é uma idéia presente nos trabalhos de Cooperrider e Pasmore (1991), Laville (2000) Salamon (1987, 1995) e Salamon e Anheimer (1998).

Laville (2000), por exemplo, compartilha a idéia de que as mudanças nas relações entre Estado e mercado, a partir da década de 1980, é um dos fatores que explicam o crescimento em número e importância das organizações do terceiro setor nos países industrializados. Segundo o autor, as décadas de 1960 e 1970 foram períodos em que estas duas instituições melhor se harmonizaram, compondo um quadro de emprego com bem-estar social. Com a crise econômica da década de 1980, houve a desestabilização e o fim de um modelo de crescimento econômico mundial adotado no pós-guerra. O Estado passou, então, por um processo de diminuição de atividades e, em paralelo, começou a receber críticas quanto ao modo de prestação dos serviços públicos, sendo considerado autoritário, centralizador e assistencialista. Para reduzir o Estado, começaram os processos de privatização. Para mudar a forma de prestação dos serviços públicos, surgiram parcerias com organizações da sociedade civil4. Movimentos para descentralização de

4 "Organizações da sociedade civil" também é outro termo comumente utilizado como sinônimo de

"organização do terceiro setor". Há evidentes imperfeições nesse uso, como nos explica Aquino Alves (2002, p.18-19):

[...] as agências internacionais de financiamento passaram, a partir dos anos 1990, a atribuir uma ênfase muito grande ao papel da Sociedade Civil na construção da democracia [...] aproximar-se do trabalho das

governos resultaram na criação de parcerias com organizações da sociedade civil, que se tornaram responsáveis pelo suprimento dos serviços antes de responsabilidade exclusiva do Estado. Alguns autores como Plummer (1994) cunharam o termo quangos (quasi-government

organizations) para designar as organizações independentes, mas relacionadas ao Estado e

responsáveis pela operação e entrega de serviços públicos. As mudanças na economia ocorreram juntamente às mudanças na realidade social. O modo de prestação de serviços públicos ligados a bem-estar social perdeu as características de clientelismo, inércia e assistencialismo. Surgiram novas propostas para a relação dos usuários com os prestadores de serviços públicos. Passando para as mãos das organizações da sociedade civil, a prestação dos serviços tem de incluir os próprios usuários em sua produção, o que modifica sensivelmente as formas de atendimento de até então.

Pode-se concluir que, entender o crescimento do terceiro setor como resultado de mudanças sociopolíticas, as organizações sem fins lucrativos não aparecem como conseqüência de falhas do sistema econômico, nem como adendo ao Estado. Ao contrário, elas surgem porque o Estado está sendo transformado e a sociedade civil organizada assume papéis de parceria ou conflito com ele, numa dinâmica de atores sociais revendo seus papéis. A origem do terceiro setor, segundo essa visão, não tem relação com suprir a parte não atendida pelo mercado nem pelo governo; tem relação com o surgimento de novas relações entre Estado e sociedade, que geram impactos diretos na administração pública. Entendendo a origem por essa ótica, entende- se, também, porque houve crescimento a partir de 1980, ou seja, relaciona-se o crescimento do setor com as crises mundiais que ocorreram em tal momento histórico. Além da crise no welfare

financiamento, nos últimos dez anos. A conjugação dos dois movimentos supra citados fez com que muitos passassem a tratar “Sociedade Civil” e “Terceiro Setor” como termos sinônimos [...] Tanto é assim que o próprio Johns Hopkins Comparative Nonprofit Sector passa a ser divulgado como a pesquisa da “Sociedade Civil Global”. No Brasil, a Lei das OSCIPs incorpora no próprio nome o termo (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público).

Como nosso objetivo não é discutir a questão da nomenclatura e como o próprio Laville (2000) usa os termos "organizações do terceiro setor" e "organizações da sociedade civil" como intercambiáveis, mantemos tal uso, sem desconsiderar que essa é uma forma imperfeita de utilização dos termos dentro desse campo de estudos.

state, quatro crises e duas mudanças revolucionárias ocorreram simultaneamente, levando à

diminuição do papel do Estado e ao crescimento das organizações sem fins lucrativos (SALAMON, 1994). São elas:

1. a crise do desenvolvimento nos países do terceiro mundo, que se seguiu à crise da dívida externa na década de 1980 e que praticamente impossibilitou que o Estado continuasse a financiar as atividades de desenvolvimento;

2. a crise do meio ambiente global, nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, que levou à degradação crescente do meio ambiente e evidenciou a ausência de políticas públicas adequadas para enfrentar aqueles novos problemas; além disso, ao mesmo tempo, cresceu o sentimento de que esse tipo de crise requeria ação mundial, ou seja, que não se centrasse em países;

3. a crise do socialismo e dos partidos socialistas, principalmente depois da queda do Muro de Berlim e o fim dos regimes comunistas de orientação soviética, que mostraram o esgotamento daquele modelo de planejamento estatal para a gestão da economia;

4. a revolução das comunicações a partir dos anos 1970 e 1980, que favoreceu a disseminação do uso dos computadores, satélites, fax; que expandiu as possibilidades de comunicação entre as pessoas e que culminou com o surgimento da Internet;

5. o crescimento mundial, que fez aumentarem as populações urbanas e criou no mundo grupamentos sociais mais exigentes e mais organizados, mais capazes para fazer valer suas demandas (uma “revolução burguesa”).

No caso brasileiro, também há os que explicam o crescimento do terceiro setor por fatores sócio políticos, orientados pelos movimentos de democratização do país ao longo das décadas de 1970 e 1980. Extensas redes sociais, criadas em torno de instituições como a Igreja Católica, o ecumenismo secular, partidos clandestinos e oficiais, grupos de intelectuais e uma grande quantidade de organizações não-governamentais foram a base para o surgimento de inúmeras organizações sem fins lucrativos empenhadas em restabelecer a democracia e em induzir indivíduos a se sentirem sujeitos de suas próprias ações, duvidando dos formatos convencionais de representação política (TEIXEIRA, 2003, p. 39). O terceiro setor cresceu devido à ocorrência de muitos eventos que marcaram o surgimento de organizações voltadas ao

fortalecimento da cidadania ou à diminuição do contingente de cidadãos excluídos de qualquer possibilidade de bem-estar social e representação. Vale citar o Movimento da Ética na Política, a ECO 92 e a Campanha Contra a Fome do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.

Voltando a Laville (2000), encontramos mais fatores relacionados ao crescimento do terceiro setor nos países industrializados, além das mudanças sociopolíticas. O segundo fator é de ordem socioeconômica e refere-se às mudanças nas estruturas de emprego nos países desenvolvidos. A introdução de novas tecnologias diminuiu a quantidade de postos de trabalho, inicialmente na indústria e depois nos serviços, além de aumentar a exigência quanto ao nível de formação de cada trabalhador. As conseqüências dessas mudanças apareceram na forma de contingentes de pessoas desempregadas e desqualificadas para ingressar ou re-ingressar no mercado de trabalho, pondo-se em situação de permanente exclusão. Sem apoio para adquirir as novas competências, não há possibilidade de emprego e a pobreza e o risco social aumentam. Essa é a origem de organizações do terceiro setor voltadas para a inserção de pessoas em situação de desemprego. Aqui se encaixam as empresas sociais que estão crescendo nos países da União Européia (DEFOURNY, 2001; DEPUYDT; MALICE; MARECHAL, 1994) ou as empresas de inserção social no Canadá. São organizações cuja missão é dar condições de capacitação profissional e geração de renda temporária para indivíduos em desemprego prolongado ou excluídos do mercado de trabalho por razões diversas (alcoolismo, delinqüência juvenil, penas judiciais ou prisionais, entre outros fatores).

Por fim, Laville (2000) oferece-nos ainda um terceiro fator para o aumento da importância de organizações do terceiro setor, considerando fatores de ordem sociodemográfica. Refere-se às mudanças na vida cotidiana e na estrutura familiar, que exigem serviços ligados a duas grandes questões: as relacionadas à vida familiar – creches e serviços para manutenção ou cuidados com domicílios – ou relacionados com pessoas em situação de dependência – cuidado de idosos, doentes, pessoas privadas de autonomia. Todos eles eram serviços antes reservados à esfera doméstica, quando a mulher se incumbia dessas e de outras atividades que passaram à responsabilidade de terceiros, à medida que mais mulheres chegaram ao mercado de trabalho e o número de lares com famílias monoparentais passou a ser crescente. Por resultado, cresceu a pressão por outra forma de lidar com questões que antes eram resolvidas no lar. Um exemplo ilustrativo de como cresceu o número de organizações sem fins lucrativos em função de mudanças em fatores sociodemográficos pode ser encontrado no Québec. A partir de 1980, pais,

profissionais de educação infantil e governos municipais se uniram para criar cooperativas ou associações de serviços de guarda para crianças (garderies), ao custo de apenas cinco dólares canadenses por dia. A gestão destas organizações contempla pessoas das três partes envolvidas, sendo que os pais atuam voluntariamente. As garderies são consideradas organizações da economia social.

Temos, portanto, uma gama de teorias e fatores que oferecem explicações para o surgimento e o crescimento do setor sem fins lucrativos. Fatores econômicos, sociais, políticos e demográficos concorreram para o significativo aumento no número de tais organizações em quase todos os países do mundo, nas últimas décadas do século XX.