• Nenhum resultado encontrado

1. O setor sem fins lucrativos: marcos teóricos e causas do crescimento recente

1.4. O nonprofit sector

O conceito de nonprofit sector está intrinsecamente relacionado com a história dos EUA, de acordo com Salamon (1997; p. 282). A idéia de um setor distinto da economia formado por NPO tomou vulto a partir do final do século XIX, quando então tais organizações estavam envolvidas não apenas com a suplementação da ação do Estado, mas também com veículos para encaminhamento de questões relacionadas ao bem público e demandas sociais em geral.

Nas últimas décadas do século XX a expansão do nonprofit sector está associada a parcerias com o governo; porém, a história do setor nos Estados Unidos revela uma orientação mais acentudada para agir com independência em relação ao Estado, donde a disseminação do uso do termo "setor independente".

Tal qual apresentamos anteriormente, o trabalho da JHU oferece algumas características dessas organizações que facilitam a sua identificação e classificação. Salamon (1995) ressalta que a realidade social subjacente a elas é bastante similar, não obstante a diferença existente em termos de propósitos perseguidos e terminologias utilizadas. O autor propõe agrupa-las em quatro categorias mais ou menos distintas, segundo três dimensões que podem ser acrescentadas à definição estrutural/operacional elaborada pela JHU para caracterizar o nonprofit sector: o foco de atuação; a provisão de serviços/bens ou fundos e o tipo de serviço, se secular ou religioso. Tem-se, portanto, a seguinte classificação:

Agências financiadoras, ou intermediárias na captação de recursos, que existem para

canalizar recursos para as agências que prestam serviços. Usualmente, utiliza-se a denominação em inglês – grantmakers. Exemplos: a Fundação Kellog e a WCF;

Organizações de benefício público, as quais existem, fundamentalmente, para prover bens ou serviços ao público externo. Exemplos dessa categoria são as instituições de ensino e pesquisa, instituições culturais, asilos e creches comunitárias, centros de recuperação e inclusão para portadores de necessidades especiais.

Organizações de serviço aos membros, que existem principalmente para prover bens ou serviços a seus associados ou membros, dirigindo o desenvolvimento de suas competências para benefícios diretos a este grupo. Na América, são exemplos desta classificação todas as associações profissionais, sindicatos e cooperativas.

Congregações e instituições religiosas, as quais buscam propósitos espirituais

A maioria das organizações do nonprofit sector, nos dias atuais, é composta por organizações de benefício público. Isto significa que são elegíveis a isenções fiscais e podem receber ações dedutíveis de impostos de indivíduos e corporações. Além disso, nenhum excedente, caso haja, pode ser destinado a seus diretores, líderes ou membros, regra que deve estar clara e explícita em seus estatutos. A isenção de impostos e a restrição à distribuição de excedentes configuram, segundo Defourny (2001), as principais características do nonprofit

sector na América. Elas representam uma imensa gama de atividades, incluindo escolas, colégios,

universidades, hospitais, museus, bibliotecas e agências de serviço social em geral.

A classificação anterior proposta por Salamon (1995) não contempla um tipo de organização também relevante dentre as organizações do nonprofit sector. Trata-se das organizações não governamentais (ONG), que ficaram bastante conhecidas a partir de 1980 por seu papel destacado em movimentos por direitos humanos, combate à pobreza, desenvolvimento econômico do terceiro mundo, entre outras ações relacionadas a organizações não governamentais. Entre outros motivos, tais organizações alcançaram popularidade por serem consideradas como reduto de voluntários ou pessoas movidas por razões humanitárias, com grande proximidade e conhecimento sobre os problemas mundiais. Além disso, passou-se a considera-las como organizações mais flexíveis do que as burocracias estatais, com competências para atuar em campos de trabalho tão complexos, distintos e, por vezes, longínquos. Cooperrider

e Pasmore (1991), por exemplo, definem-nas como organizações para mudança social global (p. 1042). Os autores referem-se a organizações de ações coletivas que se tornaram conhecidas por variados nomes: organizações não governamentais, parcerias intersetoriais, organizações de desenvolvimento transnacional, grupos de pressão, movimentos sociais ou organizações baseadas em comunidades. Colocam como suas características (1) ter como tarefa mais importante servir como agente de mudança na criação de um mundo mais saudável e sustentável (2) ter descoberto e mobilizado arranjos sociorganizacionais inovadores, o que torna possível a cooperação entre atores sociais mundiais (3) sustentar valores como empowerment, no sentido de promover formas de ação social igualitárias e centradas em pessoas, e (4) ter presença em dois ou mais países, com identidade nacional e local.

A idéia de que organizações do nonprofit sector têm estrutura mais flexível e mais propícia a aprendizado e empowerment está presente em outros autores, que também salientam os desafios e dificuldades peculiares as NPO. Uma das dificuldades, como já foi ilustrado, reside em definir quais organizações podem ser consideradas como pertencentes ao nonprofit sector. Taylor (1996) propôs classificá-las por seus "componentes relevantes."5

definindo-as por aspectos relacionados a sua identidade. A autora coloca que existem três componentes relevantes para caracterizar uma organização do nonprofit sector: os usuários ou beneficiários da organização, os fundadores e a rede de relações que se estabelece entre elas.

Quanto aos usuários, Taylor (1996) chama a atenção para o fato de que o nonprofit

sector, depois dos movimentos da contracultura da década de 1960, está orientado para promover

empowerment aos cidadãos usuários dos serviços das NPO, conferindo-lhes voz na esfera política e participação em políticas públicas. Dessa maneira, o nonprofit sector contemporâneo estabelece uma crítica às organizações baseadas em caridade e assistencialismo.

Quanto aos fundadores, Taylor (1996) coloca que as mudanças no ambiente levaram as NPO a movimentos de profissionalização dos quadros de colaboradores. No entanto, parece ser marcante, ainda, a presença de estruturas voltadas para um líder ou fundador, o que segundo a autora têm relação com a história de organizações sindicais, religiosas e movimentos sociais nos

5

quais um líder se destacava por coragem e empreendedorismo, tornando-se o pilar de construção da identidade da organização.

Finalmente, quanto às redes de relações, Taylor (1996) demonstra que as NPO se relacionam entre si para fortalecer sua capacidade de captação de recursos e representação política. Estas redes de relações são construídas, por exemplo, quando uma organização tem um acento no Conselho de Admnistração da outra. A formação de redes pode ser considerada como uma estratégia fundamental para maximizar os recursos restritos que as NPO dispõem em geral.

Assim como Taylor, Billis (1993) tratou dos problemas que acometem as organizações no voluntary sector a partir da década de 1980, dado que passaram a enfrentar problemas diversos em face ao crescimento intenso e mudança de perfil no modo de agir. Segundo o autor, o crescimento em número e em receita fez com que as NPO encarassem problemas de duas naturezas: estrutura organizacional e governança.

Quanto à estrutura organizacional, Billis enfatiza que muitas organizações do

nonprofit sector começaram como pequenos grupos, funcionando com informalidade, criados

para auto-ajuda e promoção de consciência entre pessoas que enfrentavam um problema social ou desafio comum. Com as crises no welfare state, as organizações do nonprofit sector começaram a crescer em volume de membros e de atendimentos de pessoas. As parcerias com o poder público na consecução de políticas públicas, as mudanças na forma de prestação de serviços sociais que passaram a favorecer autonomia e participação do cidadão beneficiário e o aumento da presença de profissionais trouxe uma nova complexidade a estas organizações, em um movimento que as faz mais próximas das organizações de negócios ou mesmo estatais. Onde havia informalidade e auto-organização, aparecem formas institucionalizadas, com modos formais de gestão.

Neste sentido, há uma mudança também nos objetivos das NPO, pois passam de uma proposta de grupos autônomos voltados para mobilização, consciência e auto-ajuda para estruturas formais, com quantidade crescente de profissionais remunerados e orientados para prestação de serviços. Surgem as tensões entre profissionais e voluntários, a necessidade de estabelecer limites entre as funções e as tensões entre autonomia e controle. A complexidade fica ainda maior a medida que organizações do nonprofit sector têm múltiplos parceiros envolvidos na gestão, na provisão de fundos e como usuários ou beneficiários dos serviços (multistakeholders). Por isso, Billis (1993) considera a estrutura organizacional e a governança

como sendo os pontos de maior transformação a medida que ocorrem as crises, cresce a quantidade de serviços prestados e a importância de sua atuação na prestação de serviços que antes cabiam ao Estado.

O processo de institucionalização das NPO leva-as a buscarem ferramentas de gestão oriundas das organizações privadas, orientadas para maximização dos lucros. Para Paton (1996) é necessário cuidado especial nesta busca, pois a forma de pensar carcaterística de gestores de empresas pode não proporcionar respostas pertinentes aos problemas das NPO relacionados a conflitos de valores que emergem em função de uma orientação para atuar em um modelo de gestão mais próximo de um "business-like".

3. Figura – Processo de Institucionalização do Nonprofit sector