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3. Inovação em organizações

3.8. Inovações sociais centradas em indivíduos

O primeiro nível de análise, atores sociais, refere-se a inovações sociais centradas ou que impactam a vida de indivíduos ou atores coletivos10 no mundo do trabalho, das relações

sociais e com o meio ambiente. Nesta ótica, agrupamos autores que se referiram a inovações sociais como uma mudança de comportamento, que leva indivíduos a experiências de dois tipos: mudança de comportamento para autonomia e emancipação, ou processos de aprendizagem coletiva e criação de conhecimento gerada pela cooperação entre atores diversos, que antes da inovação não se relacionavam.

Quanto a mudanças de comportamento, Cloutier considera que inovação social é um conjunto de ações destinadas a provocar mudanças no comportamento social, de modo a estabelecer condições para que indivíduos retomem o poder sobre a condução de sua própria vida (CLOUTIER, 2003, p. 2). Taylor (1970) teria sido um dos primeiros pesquisadores a utilizar o conceito de inovação social também com esse sentido, ao estudar a cooperação entre indivíduos especialistas em diversas disciplinas que têm de trabalhar em equipes. O autor escreveu um artigo relatando o processo pelo qual pessoas que participam de projetos interdisciplinares podem superar os problemas usuais que ocorrem em função dos antagonismos entre as disciplinas. O trabalho baseia-se em um projeto para o desenvolvimento de novos procedimentos para reabilitação psicológica em populações de baixa renda. Uma equipe multidisciplinar deveria trabalhar cooperativamente, durante um período de cinco anos. O autor considerou como inovações sociais as soluções para superação de diferenças individuais dentro do grupo de trabalho. Com base nos relatos sobre o curso do projeto, Taylor propõe um modelo de inovação social a partir de cinco "princípios".11

1. O princípio do máximo comprometimento: Desde o início do trabalho, o grupo deve se mostrar engajado e comprometido, como se o trabalho clínico fosse a coisa

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O termo "atores coletivos" é empregado por Lévesque referindo-se a sindicatos de trabalhadores e de patrões, grupos comunitários, feministas, coletividades locais, grupos comunitários e outros atores engajados em desenvolvimento local (Lévesque, 2002, p. 3). Aqui, empregaremos em sentido análogo, mas sem nos restringirmos a atores envolvidos com desenvolvimento local. Estudaremos inovações sociais centradas em indivíduos ou em grupos, agindo local ou globalmente.

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mais importante do mundo. Essa forte dedicação do grupo lhe confere ímpeto e proporciona aprendizado a todo o grupo.

2. O princípio da cooptação: No curso do projeto, membros da comunidade e de órgãos governamentais participavam, periodicamente, dos desdobramentos dos trabalhos, o que gerava relações informais com públicos relevantes para o projeto. 3. O princípio da responsabilidade partilhada: O grupo desenvolveu-se em

solidariedade e comprometimento. Cada membro do grupo possuía igual possibilidade em formular e, posteriormente, reformular os tópicos relevantes para o trabalho, fugindo à noção de função rotineira.

4. O princípio do trabalho criativo: Entre a equipe, construiu-se um clima propício às novas idéias e ao questionamento de condutas institucionalizadas e habituais. A organização do projeto assumiu uma forma coesa, com grande potencial para inovação.

5. O princípio da liderança12: Os líderes não forneceram, durante o projeto, apenas as

direções e os limites; indo além disso, promoveram o desenvolvimento teórico e suportaram a administração de conflitos e impasses entre o grupo.

Taylor conclui argumentando que este é apenas um dos modelos possíveis para inovações sociais, sendo que até o momento em que o artigo havia sido escrito, o projeto ainda não terminara e não havia resultados científicos sobre a população atendida pela equipe multidisciplinar. O autor contra-argumenta, colocando que inovação é um fenômeno social e psicológico, sendo importante analisar o caminho pelo qual inovações sociais são adotadas, independentemente de seus méritos científicos. Inovações relevantes acontecem em meio a movimentos sociais em que pequenos grupos coesos, com novas perspectivas, influenciam o cenário social. Orgulhoso da própria experiência, Taylor termina afirmando que foi assim, por exemplo, com os primeiros psicanalistas, em Viena, nos anos de 1940 e considera que, em escala menor, o que ocorreu neste projeto poderia ser considerado como um exemplo similar (TAYLOR, 1970, p. 77).

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O conceito de inovação social como apresentado por Taylor (1970), identifica-se com uma resposta a uma demanda ou necessidade social. Para que o trabalho de uma equipe multidisciplinar ocorresse, foi necessário inovar na forma de estabelecer relações e agir em grupo. Outros autores definem a inovação social de forma diferente, considerando outros objetivos que não responder a demandas sociais.

Lallemand (2001), por exemplo, usa o conceito de inovação social para tratar de práticas que favorecem a participação de indivíduos ou grupos oriundos de populações excluídas nos sistemas sociais. Essas práticas se baseiam no incentivo à autonomia, no encorajamento à apropriação do poder por indivíduos ou grupos que adquirem a capacidade de realizar as transformações sociais necessárias (LALLEMAND, 2001). A inovação social repousa no potencial dos indivíduos e consiste em um processo de aprendizagem que inclui aquisição de conhecimento, modificação de representações e aprendizado da cooperação. Por esta ótica, a inovação social está mais próxima da idéia de emancipação e só se viabiliza graças ao desenvolvimento de uma rede de parcerias entre atores sociais.

Auclair e Lampron (1987) também salientaram a emancipação como a base das inovações na prestação de serviços sociais. As autoras descrevem as mudanças no atendimento de cidadãos em agências de serviços sociais (por exemplo, seguro social, saúde e previdência). Houve a mudança de uma abordagem tradicional para uma abordagem integrada. A abordagem tradicional nos serviços sociais, segundo as autoras, é curativa, sem nenhuma participação dos cidadãos usuários, sem autonomia, nem responsabilidades na prestação do serviço. Na abordagem integrada, os usuários, por sua vez, devem tomar consciência das causas dos problemas que enfrentam, sendo parte integrante das iniciativas para solucioná-los.

Esta abordagem reconhece a autonomia das pessoas e seu potencial em resolver problemas, e refuta a abordagem tradicional, que favorece a dependência crescente dos indivíduos em relação aos prestadores de serviços sociais. Para implantá-la, cidadãos usuários devem iniciar um processo de conscientização e aprendizagem, que se concretiza quando eles próprios fazem parte do processo de prestação de serviços sociais. Auclair e Lampron (1987) afirmam que a abordagem integrada aos serviços sociais implica uma dupla inovação social: para os usuários, que devem desenvolver autonomia e co-responsabilidade pela prestação dos serviços

sociais, e para os profissionais em serviços sociais, que necessitam reorganizar o trabalho para favorecer aprendizagem, autonomia, valorização pessoal e motivação na prestação do serviço.