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6. Estudo de caso no Québec: a Cooperativa de Solidariedade La Maison Verte

6.1. Visão geral

A Cooperativa de Solidariedade La Maison Verte − LMV − foi fundada em Montreal, Québec, em 9 de junho de 1999. Trata-se de uma cooperativa de membros proprietários que oferece produtos e serviços ecológicos. Está localizada no bairro de Notre Dame de Grace − NDG −, onde a maioria dos residentes é de origem anglo-saxã, ou seja, há mais domicílios em que o idioma utilizado é o inglês do que domicílios que utilizam francês ou outros idiomas.

A missão da LMV ressalta o comprometimento com a promoção de educação e ação social para fortalecer e inspirar práticas saudáveis e sustentáveis para o meio-ambiente. Em parceria com outras entidades de orientação ecológica e com a comunidade de NDG, o Conselho de Administração e os membros-fundadores da LMV estão engajados e comprometidos na promoção de educação e ação social para promover práticas voltadas para a saúde do meio ambiente. As atividades principais da LMV são:

1) manter uma loja de varejo para venda de produtos ecologicamente corretos para o público. Oferecer produtos orientados para a preservação do meio ambiente, como artigos não poluentes para construção civil, limpeza e jardinagem de domicílios, dispositivos para economizar água e energia, produtos de beleza e higiene pessoal, papelaria reciclada e alimentos, como o café orgânico. A loja conta com um espaço com balcão para servir café orgânico proveniente de produtores engajados em comércio justo;

2) disponibilizar espaço comercial para produtos provenientes de microempresas, que são, em geral, negócios criados e gerenciados por famílias de produtores locais. A loja da cooperativa tornou-se um ponto de distribuição para produtores biológicos e de alimentos orgânicos, produzidos em programas de agricultura familiar;

3) ser um ponto de encontro para formação de uma rede entre pessoas interessadas por consumo consciente e produtores socialmente responsáveis. Na loja da cooperativa, consumidores interessados em dar suporte a agricultores têm acesso a programas de financiamento à agricultura familiar e orgânica. Trata-se do Programa Agricultura Suportada pela Comunidade, pelo qual os clientes podem financiar a produção agrícola, comprando cotas diretamente ao produtor; e

4) oferecer conferências, palestras e encontros para informação sobre meio ambiente, vida saudável, consumo responsável e temas afins. A LMV tornou-se um espaço educativo e de ação política. Anualmente, promove eventos como "o dia sem compras", famoso entre ambientalistas. Nesse dia, a loja não vende nada e oferece gratuitamente aos clientes café orgânico e doces feitos por voluntários.

A criação da LMV ocorreu em meio à elevação acentuada do consumo de produtos ecológicos e à filiação a entidades de promoção de desenvolvimento sustentável em todo Canadá. No Québec, em específico, a cooperativa está inserida no contexto de desenvolvimento da economia social como proposta de modo de produção que promove a geração de riqueza, sem detrimento do meio ambiente e da qualidade de vida geral no planeta. Nesse sentido, a LMV também estabelece uma crítica ao modo capitalista de produção e, em conseqüência, oferece espaço a produtores com características distintas das grandes empresas de produtos agrícolas. A escolha dos fornecedores da loja se dá em função da idéia de promover negócios familiares, de pequenos portes, dirigidos por famílias ou comunidades locais que produzem de acordo com os critérios de sustentabilidade do meio ambiente.

Em 2003, a LMV atingiu o ponto de equilíbrio em termos de receitas auferidas pelos negócios realizados na loja da cooperativa. As filiações também cresceram muito, além das previsões realizadas por ocasião do Plano de Negócios realizado em 2000, quando a loja foi inaugurada. O crescimento trouxe discussões sobre o futuro da cooperativa e acirrou as divergências entre os membros quanto às orientações estratégicas do empreendimento. De modo

geral, há dilemas entre dedicar mais recursos para crescimento do negócio ou para o desenvolvimento do trabalho com a comunidade. Em meio às discussões sobre o futuro da cooperativa desenvolvemos este estudo de caso.

6.2. A estrutura organizacional

De acordo com a lei canadense sobre economia social, uma cooperativa de solidariedade possui membros de três categorias:

1. Os membros-trabalhadores: pessoas físicas que têm vínculo profissional regular com a cooperativa. São assalariados em bases mensais;

2. Os membros-usuários ou consumidores: pessoas físicas ou jurídicas que consomem os produtos e serviços oferecidos pela empresa. Eles formam sua clientela regular; e 3. Os membros-de-suporte: pessoas físicas ou jurídicas que possuem um interesse

social ou econômico quanto à razão de ser da cooperativa.

Há necessidade de no mínimo cinco membros-fundadores, entre trabalhadores e consumidores, para a constituição legal de uma cooperativa de solidariedade. Os membros-de- suporte não podem assinar documentos para a constituição da cooperativa, mas podem ser considerados fundadores se estiverem presentes à assembléia geral de fundação. A constituição formal só acontece após aprovação da Direção de Cooperativas do Ministério do Desenvolvimento Econômico e Social do Québec. Na assembléia de fundação, os membros- fundadores definem um regimento interno para a cooperativa que estabelece o modo e o funcionamento da organização.

Cada membro paga um montante em dinheiro à cooperativa para se qualificar como membro, o que se denomina por "cotas de qualificação". Esse montante pode variar de acordo com a categoria do membro e com a quantidade de cotas que lhe interessa adquirir. Independentemente do número de cotas adquiridas, cada membro tem um, e apenas um, voto nas assembléias gerais da cooperativa. Todos os tipos de membros − consumidores, trabalhadores e de suporte – têm igual representação no Conselho de Administração e possuem, do mesmo modo, direito a um, e apenas um, voto.

Os lucros da empresa podem ser convertidos para uma reserva, reinvestidos na própria empresa ou distribuídos entre os membros, de acordo com o regimento interno. Os membros-trabalhadores podem receber o retorno de acordo com a quantidade de horas trabalhadas. Os membros-consumidores recebem o retorno de acordo com a quantidade de transações feitas com a cooperativa. Os membros-de-suporte não podem receber retorno, mas o regimento interno pode prever formas de privilégios a eles, no caso da distribuição de excedentes. Todos os membros devem ser convidados a uma assembléia geral anual da cooperativa. Nela, os temas mais importantes devem ser: eleição dos administradores, modificação do regimento interno, se necessário, decisão sobre forma de utilização do excedente da empresa, nomeação de um auditor contábil e explanação do relatório anual de atividades, contendo os resultados financeiros.

Em fevereiro de 2000, a cooperativa contava com 52 membros-consumidores, passando a 500 no final do mesmo ano, 1000 ao final de 2001, 1.600 ao final de 2002 e 2.700 em agosto de 2003. A relação entre membros, Conselho de Administração e gestores da cooperativa acontece de acordo com o modelo de governança proposto por Malo (2001) que expusemos na seção 2. Há uma assembléia geral composta por todos os membros, que elege o Conselho de Administração e que, por sua vez, escolhe os gestores e líderes. Desta forma, todos os membros têm possibilidade formal de se envolverem com as estruturas de governança e de gestão.

Na LMV, os membros-consumidores contribuem com o equivalente a CAN$ 10 por uma cota social de participação, o que permite filiação perpétua à cooperativa. Os membros de suporte contribuem com um mínimo de CAN$ 100, o que permite adquirir dez cotas sociais e filiação perpétua à cooperativa. Existem oito membros-trabalhadores, atualmente, na LMV.

O Conselho de Administração é formado por nove membros, havendo três representantes de cada tipo de afiliação. Nele, há um comitê executivo formado por presidente, vice-presidente, secretário e tesoureiro. Além do comitê executivo, existem quatro outros comitês que são responsáveis pelas principais áreas de atividade da cooperativa. São eles: comitê de filiação (membership), de publicidade e marketing, de pesquisa de produtos e de gestão geral. A definição da estrutura organizacional pela formação de comitês baseia-se na idéia de criar grupos em torno de membros que possuam conhecimento em uma área específica e, dessa maneira, possam alavancar benefícios para a gestão da cooperativa.

De acordo com o estatuto da LMV, a cooperativa está orientada para uma visão democrática baseada na participação direta de seus membros. Trata-se de uma prática de democracia que não está baseada apenas em eleições ou delegação, mas na maximização da participação dos membros nas atividades da cooperativa em si.

A questão que se nos apresenta é como estender este processo democrático para outras esferas da sociedade. A visão democrática da cooperativa tem implicações na maneira como as pessoas participam da sociedade como um todo? Estender as práticas da cooperativa para o nível local implica facilitar a participação dos membros fora da cooperativa para fóruns locais, na comunidade. Controle social para o cidadão é a conseqüência deste tipo de democracia que praticamos na cooperativa. Quanto ela pode ser estendida?25 (Informação verbal).