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2. A Economia Social

2.7. Economia social e inovação social

Como pudemos apresentar nas subseções anteriores, as crises e mudanças mundiais que ocorreram no final do século passado tiveram efeitos políticos, sociais e econômicos. Por um lado, o fim do welfare state nos países industrializados deu origem a novos papéis tanto para o Estado como para empresas e sociedade civil. Veremos na seção seguinte que há um movimento significativo de inovação na administração pública, impulsionado pelas mudanças no papel do Estado que ocorreram a partir das crises e movimentos de privatização.

O setor sem fins lucrativos que cresceu durante as crises das últimas duas décadas do século XX é distinto em relação aquele que conviveu com o Estado Providência. Observa-se que as organizações sem fins lucrativos não têm mais uma função de apoio, cobrindo a ausência do Estado ou aumentando o alcance dos benefícios do fordismo a populações excluídas do mercado de trabalho. Autores como Lévesque (2002) usam o termo "novo" para referir-se ao trabalho dessas organizações frente às crises e aos problemas sociais. O termo se aplica para contrapor um

setor sem fins lucrativos assistencialista e dependente do Estado, para um outro, empreendedor e autônomo.

Ao explicar o conceito de inovação social, Lévesque (2002) refere-se à nova economia social em específico, considerando as novas formas de intervenção que ela proporciona, em relação às anteriores, relacionadas ao Estado Providência. Inovação social designa esse conjunto de iniciativas socioeconômicas que promovem maior bem estar de indivíduos face aos problemas sociais e que partem da idéia de um novo encastramento entre social e econômico. Para o autor, as organizações da economia social inovam porque reúnem fatores produtivos diversos, têm foco em iniciativas associativistas e cooperativas locais, incluem os próprios usuários dos serviços nos processos de trabalho e estabelecem relações sociais voltadas para maior qualidade de vida no trabalho. Considerando o modelo organizacional de duplo caráter proposto por Vienney (1994) e apresentado anteriormente, Lévesque (2002) assume que as organizações da nova economia social inovam a medida que promovem formas econômicas que favorecem o desenvolvimento da esfera social. A figura 6, oferece um esquema ilustrativo da relação entre a nova economia social e a geração de inovação social.

A inovação social como proposta pelos autores da economia social acontece, principalmente, em três frentes:

Inovação social, trabalho e emprego: são ações inovadoras que atuam nas transformações no

trabalho, no emprego e nas novas competências requeridas por estas duas dimensões essenciais na vida do homem;

Inovação social e desenvolvimento local: são iniciativas de mobilização ou de revitalização de

localidades em declínio ou exclusão social. Esse tipo de trabalho acompanha a dinâmica de experiências que favorecem o desenvolvimento local ao invés da globalização. Envolve, também, o desenvolvimento de novas formas de governança, como políticas de descentralização que se apóiam em experiências da sociedade civil;

Inovação social e condições de vida: são iniciativas para inovações nos serviços sociais e de

saúde destinados ao combate à pobreza e à exclusão social. Envolvem, também, trabalhos orientados para mudanças no Estado e novas formas de regulação. Inovações sociais nesta perspectiva estão relacionadas a questões como moradias populares e comunitárias, centros para

guarda e cuidados a crianças e pessoas portadoras de deficiência, entre outros serviços de promoção do bem-estar social.

Na seção 3 teremos a oportunidade de expor com mais detalhes o conceito de inovação social que, evidentemente, não se restringe à economia social.

7. Figura: esquema ilustrativo da relação entre a nova economia

social e a geração de inovação social.

Fatores geradores das Mudanças a partir de 1980 (Laville, 2000) Grupamento de Pessoas (igualdade) Empresa (propriedade coletiva) Aporte de capital Excedentes proporcional a atividade Fornecimento de serviços • Sócio-econômicos • Sócio-políticos • Sócio-demográficos História Crise Polanyi (1983) • Novo encastramento entre social e econômico • Economia plural

Nova Economia Social (Vienney, 1994)

Inovação social (D’Amours, 2000;

Levésque, 2002)

• Rearranjo de papéis sociais • Novas formas de divisão e coordenação do trabalho • Novas configurações organizacionais

• Novas formas de governança • Universalização de direitos

Fatores geradores das Mudanças a partir de 1980 (Laville, 2000) Grupamento de Pessoas (igualdade) Empresa (propriedade coletiva) Aporte de capital Excedentes proporcional a atividade Fornecimento de serviços Grupamento de Pessoas (igualdade) Empresa (propriedade coletiva) Aporte de capital Excedentes proporcional a atividade Fornecimento de serviços • Sócio-econômicos • Sócio-políticos • Sócio-demográficos História Crise Polanyi (1983) • Novo encastramento entre social e econômico • Economia plural

Nova Economia Social (Vienney, 1994)

Inovação social (D’Amours, 2000;

Levésque, 2002)

• Rearranjo de papéis sociais • Novas formas de divisão e coordenação do trabalho • Novas configurações organizacionais

• Novas formas de governança • Universalização de direitos

2.8. Conclusão

Nessa seção apresentamos uma das linhas teóricas principais sobre terceiro setor: a linha que trata o terceiro setor como economia social. O quadro teórico é inspirado na obra de Polanyi (1983) e na idéia de promover um novo encastramento entre econômico e social. O termo "novo" refere-se aqui à idéia de que o advento do capitalismo concedeu um lugar central à esfera econômica na vida humana, donde se tem a necessidade de uma nova relação entre as esferas econômica e social, dado o esgotamento do modelo econômico capitalista.

Um histórico com quatro fases do desenvolvimento da economia social foi elaborado com vistas a proporcionar melhor entendimento sobre suas características no tempo.

A primeira fase vai até o advento do capitalismo industrial, em meados do século XIX. Nela toda economia é social, a medida que a vida social se pauta pela conjunção entre o princípio do mercado, da redistribuição e da reciprocidade.

Na virada do século, a economia social apresenta características de reação e de adaptação em relação à economia de mercado. Onde a influência socialista é mais forte, a economia social se caracteriza por organizações e movimentos sociais contrários ao capitalismo. Onde os liberais e a escola solidária tem maior penetração, observa-se que as organizações têm estrutura interna orientada para associativismo, porém externamente insere-se, cada vez mais, na lógica da produção capitalista.

No pós-Guerra, a emergência de um novo tipo de regulação, marcado pela presença do welfare-state confere às organizações da economia social um papel de apoio e extensão ao Estado. Laville (1994) afirma que em tal período ocorre a banalização da economia social e que se pode passar a diferencia-la da economia solidária, esta sim oposta ao capitalismo.

Com as crises do welfare state, os movimentos de privatização das empresas estatais e as crises econômicas, a economia social assumiu outras características. O perfil não é nem o de contestação, nem de cooptação. Organizações da economia social que emergem em meados da década de 1980 propõem modelos de gestão com um duplo caráter: uma atividade empresarial levada a cabo por uma associação de pessoas que tem interesses comuns e se organizam de forma solidária.

A nova economia social configura uma sensível mudança de proposta em relação às fases anteriores. O modelo ideal baseado na idéia do duplo caráter confere-lhe um perfil empreendedor e solidário ao mesmo tempo. Não obstante, a atividade empresarial e o crescimento geram a profissionalização e a adoção de práticas gerenciais mais próximas àquelas adotadas por organizações de negócios. Ocorre o que Powell e DiMaggio (1991) definiram por isomorfismo organizacional. Tal processo pode enfraquecer a proposta de novo encastramento entre social e econômico, tal qual a idéia original, de inspiração polinyiana. A institucionalização da economia social como um setor econômico que conta com legislação própria gera tensões em sua identidade.

Organizações da economia social têm semelhanças com as do nonprofit sector e enfrentam problemas comuns ocasionados pelo crescimento e institucionalização. Nos dois referenciais, observa-se que o setor sem fins lucrativos assume o papel de mediação social, ou seja, um canal de promoção de mudança social e rearranjo de papéis sociais. Há, no entanto, pressões por isomorfismo organizacional em relação às organizações de negócios, o que gera tensões entre os membros e desvio da missão da organização. A questão da gestão da complexidade e da ambigüidade aparece nos dois referenciais.

Observamos, também, diferenças entre os dois referenciais. O modelo de gestão de organizações da economia social tal qual proposto por Vienney (1994) tem aspectos normativos que enfatizam a estrutura organizacional e a governança orientadas para associativismo e cooperação. O modelo de gestão do nonprofit sector não apresenta a mesma ênfase, ainda que, tal qual as organizações da economia social, essas sejam organizações com multistakeholders, o que configura a governança como um dos problemas comuns (HARRIS; BILLIS, 1996).

Quanto ao status jurídico, as leis da economia social são restritivas quanto ao tipo de organização, limitando o escopo de organizações a cooperativas, mutuelles e associações. Na literatura sobre o nonprofit sector não apenas não se encontra uma limitação assim, como também se considera que uma das características do setor é a dificuldade em definir quais organizações estão inseridas nele e quais são os limites de suas atividades ( MARSHALL, 1996). O nonprofit sector contém tipos organizacionais variados, donde a colocação de Defourny (2001) que o único critério comum a todas elas é a possibilidade de ser elegível a isenções fiscais.

Autores da economia social propõem o termo "inovação social" para designar as ações da economia social que propõem novas relações entre as esferas econômica e social na vida humana, em comparação com àquelas da economia de mercado. O termo faz referência a práticas de ação e intervenção com o fim de trazer novo tratamento aos problemas sociais, de um modo que favoreça autonomia, emancipação e desenvolvimento local e comunitário.

Na próxima seção apresentamos a inovação organizacional, contextualizando a inovação social como uma de suas expressões. Demonstramos que a literatura sobre inovações organizacionais concentra-se bem mais nos aspectos do desenvolvimento tecnológico em produtos, processos produtivos e administrativos. A inovação social é bem menos tratada, talvez por estar associada à economia social. Nossa intenção é mostrar as relações entre geração de inovação social e modelos de gestão de organizações do terceiros setor. No entanto, será possível perceber que o conceito é aplicável a qualquer setor.