• Nenhum resultado encontrado

Todo Estado soberano possui capacidade para contratar, adquirir direitos e contrair obrigações por meio de tratados, disposição constante do artigo 6º da CVDT.425

A teor do magistério de Antonio Medeiros, a técnica de celebração de contratos passou por profundas transformações no interregno entre as monarquias absolutas e o tempo hodierno, e que as principais mudanças ocorreram relativamente às pessoas que possuem capacidade para celebrar contratos, ao número das partes, à quantidade e conteúdo dos tratados, aos seus efeitos e aos procedimentos ou formalidades para a sua conclusão.426

Consoante o Autor, com a declaração da independência dos Estados Unidos em 1787 e, posteriormente, a revolução francesa em 1789, consolidou-se a transferência da soberania, que antes se encontrava relacionada à pessoa do monarca, para a esfera do povo organizado e constituído sob a forma de Estado.427

A capacidade para celebrar contratos é também reconhecida às coletividades ou organizações internacionais428 e a outros entes internacionais como a Santa Sé,

Estados dependentes em certos casos especiais, e Estados vassalos e protegidos, quando autorizados pelos suseranos ou protetores.429

424 Cf. Emerson MALHEIRO, op.cit., p. 71.

425 Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm> Acesso em 31.03.2010.

426 MEDEIROS. Antônio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995. p. 188.

427 Idem, p. 189.

428 Cf. Hidelbrando ACCIOLY, apud Antonio MEDEIROS. Op. cit. p. 136. 429 Cf. Celso D. de A. MELLO, op. cit., p. 202.

A Convenção de Montevidéu sobre Direitos e Deveres dos Estados - CMDDE,430 de 26.12.1933 (artigo 1º, I a IV), estabelece os seguintes requisitos para

que o Estado seja reconhecido como pessoa no âmbito do direito internacional: população permanente, território determinado, Governo e capacidade de entrar em relações com os demais Estados.

No que respeita ao Estado federal, este constitui uma só pessoa perante o Direito internacional,431 embora em condições específicas sobressaia a capacidade

contratual internacional de seus membros - Entidades parciais -, que deve estar autorizada pelo direito interno, como ocorre na Suíça, Alemanha.432

No Brasil, a Entidade central – União – e as Entidades periféricas – Estados e Municípios – são pessoas jurídicas de Direito Público interno (art. 40, CC)433 que não

possuem poder soberano, mas tão-somente autonomia nos termos do artigo 18 Constituição Federal.434 Assim, não detêm capacidade contratual nas relações

externas, porquanto essa prerrogativa cabe à República Federativa do Brasil, Estado soberano, representado no âmbito internacional pelos órgãos da União. Sob esse prisma, preleciona G. E. Silva e Hidelbrando Accioly:

A União é a entidade federal formada pela reunião das partes componentes, constituindo pessoa jurídica de Direito Público interno, autônoma em relação às unidades federadas (ela é unidade federativa, mas não é unidade federada) e a quem cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro. Estado federal, com o nome de República Federativa do

Brasil, é o todo, ou seja, o complexo constituído pela União, Estados,

Distrito Federal e Municípios, dotado de personalidade jurídica de Direito Público internacional.435

No que pertine à legitimidade e competência para negociar e assinar tratados em nome do Estado e das Organizações Internacionais Intergovernamentais, assim dispõe o art. 7º, § 2º, da CVDT, verbis:

2. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos poderes, são considerados representantes do seu Estado:

430 Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dirdevestados.htm> Acesso em 31.03.2010. 431 Art. 2º da CMDDE. Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dirdevestados.htm> Acesso em 31.03.2010.

432 Celso D. de A. MELLO, op. cit., p. 202.

433 Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I - a União; II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III - os Municípios; (...)

434 Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;

b) os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados; c) os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão.436

Importante chamar atenção para o fato de que a CVDT não faz distinção entre Chefe de Estado e Chefe de Governo na celebração de tratados, embora seja costume no direito das gentes o Chefe de Estado ser o encarregado pelas relações externas.

Em Repúblicas Presidencialistas, a exemplo do Brasil, em regra o Presidente da República acumula as funções de Chefes de Governo e Estado, esta última prevista principalmente no art. 84, VII, VIII e XIX da Constituição Federal, consistente em manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos, celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal já fixou entendimento que o Presidente da República subscreve tratados na condição de Chefe de Estado e não como Chefe de Governo.437 Em verdade, o direito interno de Cada Estado é quem

designa as atribuições do representante perante as relações internacionais.

Importante referir a um representante Estatal que sobressai como de importância impar no âmbito do direito das gentes, que é a figura do plenipotenciário: trata-se de um mandatário que recebem “plenos poderes” para negociar, concluir e subscrever um tratado internacional em nome do Estado representado.

O artigo 1º, “c” da CVDT nos traz a conceituação de “plenos poderes”. Confira-se:

1. Para os fins da presente Convenção: (...)

c) "plenos poderes" significa um documento expedido pela autoridade competente de um Estado e pelo qual são designadas uma ou várias pessoas para representar o Estado na negociação, adoção ou autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em

436 CVDT - disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm> Acesso em 31.03.2010. 437 RE nº 229.096/RS. Relator originário: Min. Ilmar Galvão. Relator para Acórdão: Min. Carmen Lúcia. DJ: 14.04.2008.

obrigar-se por um tratado ou para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado;438

Os “plenos poderes” surgiram nas relações externas impulsionados por uma série de motivos, entre as quais se destacam:439

a) intensificação das relações internacionais;

b) impossibilidade de os Chefes de Estados assinarem todos os tratados; c) conferir “maior liberdade de ação” aos Chefe de Estados;

d) evitar que os tratados obriguem imediatamente os Estados, como ocorreria se o tratado fosse assinado diretamente pelo Chefe de Estado, uma vez que estaria dispensada a ratificação.

Francisco Rezek leciona que é inadequado denominar de plenipotenciários os Chefes de Estados ou Chefes de Governos, posto que esse “rótulo” é próprio de pessoas “mandatárias” a quem se outorgam os “plenos poderes”, e não daqueles que por natureza e prerrogativa do cargo detém tais poderes e podem outorgá-los a outrem.440

Consoante Marcos Valadão,441 a fase inicial de um tratado passa por três

etapas: negociação, redação e assinatura.

É pela negociação que se inicia e efetivamente se concretiza a fixação dos termos do tratado, obtidos por meios de consensos oriundos das vontades das partes contratantes. Em regra, a iniciativa é do Estado que primeiro demonstrar interesse. A negociação apresenta peculiaridades, conforme se trate de tratados bilaterais ou multilaterais.442

De fato, a negociação de tratados bilaterais normalmente se desenvolve entre o Ministro das Relações Exteriores ou o seu representante e os agentes diplomáticos estrangeiros, que são assessorados por técnicos nos assuntos em negociação,443 podendo ocorrer “por troca de notas, por debates orais, ou ainda por

delegações conjuntas que têm a autorização dos dois governos para redigirem os termos do tratado”.444

438 CVDT - disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm> Acesso em 31.03.2010. 439 Cf. Celso D. de A. MELLO, op. cit., p. 204.

440 Op. cit., p. 37. 441 Op. cit., p. 156. 442 Idem.

443 Cf. Celso D. de A. MELLO, op. cit., p. 213. 444 Cf. Marcos VALADÃO, op. cit., p. 156.

Hodiernamente é firme o entendimento de que, como medida de prudência política, o Chefe de Estado deve evitar a intervenção direta nas negociações de tratados internacionais com vista a não dar uma aparência de definitividade às avenças iniciais, sobretudo considerando que, via de regra, somente depois da aprovação do tratado pelo Parlamento é que o acordo pode ser ratificado e tornado obrigatório à partes signatárias.

Vale lembrar o célebre exemplo do constrangimento internacional pelo qual passou Woodrow Wilson, Presidente dos Estados Unidos da América (1913-1921), que se envolveu pessoalmente e colocou todo seu prestígio e do seu País para ver aprovada as negociações de paz do Tratado de Versalhes de 1919 e que, ao final, o acordo restou rejeitado pelo Congresso Estadunidense.

A negociação de um tratado se realiza normalmente na Capital de um dos Estados pactuantes, consoante informa Francisco Rezek nas seguintes palavras:

Em regra, a negociação bilateral se desenvolve no território de uma das partes contratantes, sendo lógico e econômico que tenham curso na capital nacional, entre a chancelaria – assim chamado o ministério, secretaria de Estado ou repartição governamental que responde pelas relações exteriores – e a embaixada do Estado co-pactuante ou a delegação especialmente enviada por este para discutir o tratado.445

Sem embargo, existe o entendimento de ser o local do proponente que avocou a iniciativa da celebração do instrumento.446 Nada impede, porém, que a

negociação aconteça num território neutro, opção recomendável quando se verificam indícios de animosidades entre as partes contratantes, como a que ocorreu na época da guerra fria entre a União Soviética e os Estados Unidos.

No que pertine aos tratados multilaterais, eles normalmente se desenvolvem nas grandes conferências e congressos, em virtude da existência do elevado número de Estados pactuantes, o que naturalmente faz com que as negociações sejam difíceis e complexas.

A redação é a fase que se segue após o consenso dos Estados contratantes, culminando com a elaboração de um texto escrito que é o tratado. O tratado bilateral é redigido nas duas línguas dos pactuantes, ou numa terceira, se assim for acordado. No tratado multilateral, a redação final é redigida numa língua

445 Op. cit., p. 37.

previamente acertada pelas partes, ou em mais de uma, o que recorrentemente acontece quando os contratantes falam idiomas diferentes.447

Na lição de Marcos Valadão,448 a assinatura do tratado significa o fim das

negociações e tem a finalidade de autenticar a redação do texto final, o que não quer dizer que a adoção do tratado por parte do Estado. Com efeito, a assinatura pressupõe o exaurimento de todas as fases de constituição do tratado, assim como a finalização de todos os seus termos, indicando o encerramento das negociações. No entanto, enfatiza o Autor que a assinatura pode se configurar em manifestação de consentimento e, dessa forma, obrigar o Estado, se de tal modo foi previamente pactuado, a teor do disposto no art. 12, “b”, da CVDT/1969.449