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1.3 O FEDERALISMO

1.3.3 Federação e confederação – distinções

José Afonso da Silva61 ensina que na federação há que se distinguirem os

conceitos de soberania e autonomia e seus respectivos titulares. Diz o Autor que já houve muita discussão sobre a natureza jurídica do Estado federal, mas que atualmente já está definido que é pessoa reconhecida pelo Direito Internacional, único titular da soberania, considerada como o poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação.

59 SCHWART. Bernard. Direito Constitucional Americano. Tradução de Carlos Nayfeld. Rio de Janeiro: Forense, 1966. p. 49.

60 HORTA. Raul Machado. Direito Constitucional. 2ª ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey. 1999. p. 305.

Os Estados-membros federados são titulares tão somente de autonomia, assim compreendida como governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal.

Celso Ribeiro Bastos leciona que a soberania é a qualidade conferida ao poder do Estado que lhe atribui capacidade jurídica que o permite se situar num patamar de igualdade perante outros Estados na esfera internacional e de superioridade no âmbito interno. A seu turno, a autonomia se refere a uma margem discricionária de direitos que as entidades internas possuem para impulsionar suas competências e que são circunscritas e delimitadas pelo direito interno.62

Quanto ao conceito de soberania, acrescenta Celso Ribeiro Bastos:

Um Estado não deve obediência jurídica a nenhum outro Estado. Isto o coloca, pois, numa posição de coordenação com os demais integrantes da cena internacional e de superioridade dentro de seu próprio território, daí ser possível dizer da soberania que é um poder que não encontra nenhum outro acima dela na arena internacional e nenhum outro que lhe esteja nem mesmo em igual nível na ordem interna.63

No que respeita ao conceito de autonomia, preleciona o Autor:

(...) é a margem de discrição de que uma pessoa goza para decidir sobre os seu próprios negócios mas sempre delimitada essa margem pelo próprio Direito. (...) não é uma amplitude incondicionada ou ilimitada de atuação na ordem jurídica, mas, tão-somente, a disponibilidade sobre certas matérias, respeitados, sempre, princípios fixados na Constituição.

Nessa esteira é a visão de Sahid Maluf para quem a “soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder” e que “não pode sofrer restrições de qualquer tipo, salvo, naturalmente, as que decorrem dos imperativos de convivência pacífica das nações soberanas no plano do direito internacional”.64

No que tange à autonomia, aponta Sahid Maluf que é “o poder de autodeterminação dos Estados-Membros”, possuídos eles somente personalidade juridica de direito público interno. Para o Autor, os Estados membros de uma Federação não possuem soberania, posto que o próprio qualificativo “membro” afasta tal idéia.65

62 A Federação..., op. cit., p. 8. 63 Idem.

64 Op. cit., p. 29/30. 65 Idem, pp. 29 e 171.

Portanto, quem detém a soberania é a Ordem Jurídica Total, o Estado Total, o Estado Federal, que a expressa na ordem internacional ou interna através dos órgãos do Poder Central (União); a autonomia, por sua vez, corresponde a um poder jurídico interno deferido às ordens central e periféricas (no caso do Brasil: a própria União, Estados, Distrito Federal e Municípios), cuja margem de atuação é delimitada e expressa na Constituição Federal.

Na confederação, ao revés, segundo ensinamento de Jellinek,66 tem-se uma

reunião permanente e contratual de Estados independentes que se ligam para fins de defesa externa e paz interna. Nessa situação, os Estados não sofrem qualquer restrição à sua soberania, nem perde a personalidade jurídica de direito público internacional. Preservam, assim, a soberania e a autonomia.

Além dos Estados Unidos, o sistema confederativo experimentou associações políticas em outras partes do mundo, a exemplo da Confederação Germânica, Confederação Suíça.

Celso Bastos67 registra que a confederação já era conhecida na antiguidade

clássica, relatando que na Grécia frequentemente se formavam ligas, onde várias cidades se uniam por vínculos de colaboração recíproca, sob a supremacia de determinada cidade.

Muitos consideram que a confederação se apresenta apenas como uma referência histórica, porquanto sua trajetória no domínio da organização de Estados já foi encerrada.68

Tema importante e atual inerente à forma de Estado diz respeito à União Européia. De fato, muito se tem debatido no seio da doutrina sobre a verdadeira natureza jurídica dessa Comunidade, buscando os estudiosos definir se a sua configuração política-jurídica-social se comporta como uma federação, confederação ou outra forma de estado.

Vale referir que o sonho de integração e de unidade européia é antigo,69 mas

somente após o término da segunda guerra mundial, com a celebração de uma série

66 Apud Sahid MALUF, op. cit., p. 160. 67 A Federação..., op. cit., p. 11.

68 Cf. Raul Machado HORTA, op. cit., p. 303.

69 João Mota de Campos aponta que foi por obra de Roma que “a comunidade de cultura e civilização e a unidade espiritual em que a Europa viria a exprimir-se, superando a sua falta de unidade

geográfica e a diversidade dos povos que ao longo do tempo nela se instalaram (...). Cf. CAMPOS. João Mota de. CAMPOS. João Luiz Mota de. Manual de Direito Comunitário. 5ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 20.

de “tratados comunitários”70 é que a União Européia adquiriu os contornos políticos,

jurídicos, sociais e econômicos hodiernamente conhecidos.71

Ives Gandra da Silva Martins afirma que a União Européia é “uma Federação de nações, em que o Parlamento Europeu, o Tribunal de Luxemburgo e o Banco Central da Europa impõem políticas comunitárias a todos os países signatários, podendo, tais diretivas e diretrizes, superar a força do direito local.”72

Por sua vez Sérgio Ferrari sustenta que a União Européia é exemplo de integração regional, assim como o MERCOSUL, que evoluiu a uma nova forma de associação entre Estados, que não se assimila ao conceito dogmático de confederação e nem representa uma forma federativa de Estado.73

A seu turno, preleciona João Mota de Campos que as características distintivas da União Européia não permitem incluí-las em nenhuma das categorias preestabelecidas, estando ela situada a meio caminho entre as organizações de simples cooperação e os sistemas federais.74 Conclui o Autor:

(...) as Comunidades Européias não devem ser consideradas como

entidades soberanas – antes como meras organizações interestaduais em

proveito das quais os Estados operaram não a transferência (irreversível) de uma parcela da soberania nacional mas, mais singelamente, uma simples

delegação do exercício de competências estaduais, limitada a certos domínios específicos; delegação esta que a todo o tempo poderá ser

retirada, embora com o alto custo que representaria, para um Estado- membro, a sua inevitável separação da Comunidade Européia.75 (grifos do autor)

José Souto Maior Borges afirma que a União Européia não reveste integralmente o modelo estrutural das confederações nem o das federações, explicando que o ordenamento jurídico europeu se caracteriza pela sua originalidade, especificidade e novidade, e que não se configura como uma

70 “O direito comunitário, também denominado direito da integração, está contido no ordenamento jurídico-comunitário, que não se estrutura e desenvolve no território de determinado país, porém no espaço de integração, o âmbito territorial de validade das normas comunitárias, que é regionalizado (...). Cf. BORGES. José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário: Instituições de Direito Comunitário Comparado: União Européia e MERCOSUL. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 55.

71 Tem-se no Tratado de Paris, acordo de integração econômica que criou a CECA - Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, assinado em 18 de Abril de 1951 por Alemanha, a Bélgica, a França, a Itália, o Luxemburgo e os Países Baixos, o embrião que alavancou a Europa rumo à almejada integração. O Tratado da União Europeia (TUE), conhecido também como Tratado de Maastricht, assinado em 07.02.1992 na cidade Holandesa de mesmo nome, substituiu o nome “Comunidade Europeia” para “União Europeia”. Atualmente a União Européia possui vinte e sete Estados-membros. 72 AMARAL. Antonio Carlos Rodrigues do [et. al.] O Direito Tributário no MERCOSUL. Ives Gandra da Silva Martins (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 239.

73 FERRARI. Sérgio. Constituição Estadual e Federação. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2003. p. 57. 74 Op.cit., p. 249.

sociedade internacional, mas como uma comunidade regulada pelo direito de integração.76 Acrescenta o autor:

A União Européia não se confunde com uma confederação de Estados, entre outros motivos, porque ela sobrepuja largamente o estágio de confederação na medida em que, alem de ter instituído moeda única (o euro), mantém relações diretas com os cidadãos dos Estados-membros, simultaneamente cidadãos comunitários (= cidadãos europeus). Difere também das confederações de Estados pelas suas instituições, decisões majoritárias, eletividade do Parlamento etc. (...) a Comunidade é análoga, porém não idêntica, a um Estado federal. O Estado Federal é sujeito de direito internacional. À Comunidade não é necessariamente atribuída personificação de direito das gentes. Nem têm, (...), a competência-das- competências, atributo da soberania, isto é, a competência para repartir as atribuições intra-estatais entre os Estados-membros.77

Certo é que ainda hoje permanece indefinida a natureza jurídica da União Européia, posto que ela não se coaduna com os pressupostos dos modelos clássicos de forma de Estado tradicionalmente ensinados pela doutrina. Não obstante, na trilha do pensamento de José Souto Maior Borges, o direito comunitário europeu adquiriu status de ordem normativa autônoma, apresentando-se como uma ordem jurídica própria, coexistindo com a validade das normas do direito nacional e internacional.78

Na esteira da experiência da União Européia assistiu-se a um crescente processo de blocos de integração regional a exemplo do MERCOSUL – Mercado Comum do Sul, criado pelo Tratado de Assunção,79 assinado em 26.03.1991, por

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

O Protocolo de Ouro Preto,80 de 16.12.1994, atribuiu personalidade jurídica de

direito internacional ao MERCOSUL, como também disciplinou a estrutura institucional dos seus órgãos de administração, regulou as atribuições específicas de cada um deles e seu sistema de tomada de decisões.

76 Curso de Direito Comunitário..., op. cit., p. 100. 77 Idem, p. 101. 78 Idem, p. 104. 79 Disponível em <http://www.mercosur.org.uy/innovaportal/file/655/1/CMC_1991_TRATADO_ES_Asuncion.pdf> Acesso em 08.03.2010. 80 Disponível em <http://www.mercosur.org.uy/innovaportal/file/655/1/CMC_1994_PROTOCOLO%20OURO%20PRET O_ES.pdf> Acesso em 08.03.2010.

Em que pese ser dotado de personalidade jurídica de direito internacional, o MERCOSUL não possui natureza jurídica de Estado, posto que o bloco regional é ainda classificado como União Aduaneira imperfeita.

União Aduaneira é uma forma de integração regional em que o tratamento alfandegário dos Países-Membros é o mesmo em relação aos negócios praticados com outros Estados. Nela, “além de não haver barreiras alfandegárias nas trocas intra-bloco, os Países-Membros adotam uma política de comércio exterior comum.”81

O MERCOSUL ainda não adotou uma tarifa externa comum a ser aplicada sobre todos os produtos, todas as mercadorias e todos os serviços dos componentes do Bloco. Ao revés, o Pacto previu listas de exceções ou listas de adequação, e, por tal razão, é considerada uma União Aduaneira imperfeita.82