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2.6 LEI COMPLEMENTAR TRIBUTÁRIA

2.6.3 Normas gerais de direito tributário

2.6.3.3 Posição do autor

Parte da doutrina232 considera confusa e de péssima técnica a redação do

artigo 18, § 1º da Constituição de 1967, dada pela EC nº 1/69, posto que num único dispositivo restaram inseridas as três funções da lei complementar, que possuía os seguintes dizeres:

Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário.

Muitos indicam que esta confusa e atécnica redação foi o principal motivo que redundou no surgimento da dupla interpretação desse dispositivo constitucional originando as duas correntes teóricas estudadas nos tópicos precedentes.

Consoante relatou acima Paulo de Barros Carvalho, os adeptos da corrente tricotômica exerceram forte lobby político durante o trabalho da Assembléia Nacional Constituinte de 1988. O Autor aponta tal fato como a principal causa das três funções da lei complementar de normas gerais ter sido inseridas separadamente e delineadas em três incisos autônomos no artigo 146 da Carta em vigor.

Dessa maneira, com a promulgação da Constituição de 1988 viu-se que houve inovação dessa Carta em relação ao ordenamento constitucional anterior no que tange à função da lei complementar de estabelecer normas gerais, porquanto no inciso III do artigo 146 ficaram expressamente fixados e direcionados os aspectos que deveriam ser regulados pelo ato normativo de normas gerais.

Assim, o artigo 146, primitivamente, possuía a seguinte redação, verbis: Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Posteriormente, com o advento da Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003, foi acrescentado o artigo 146-A, e ao leque do inciso III foi inserido a alínea “d”, dessa forma:

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:

I - será opcional para o contribuinte;

II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;

III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;

IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.

À vista das disposições contidas no artigo 146, não há como negar a clara intenção do Constituinte de 1988 de espancar as divergências em torno das funções da lei de normas gerais e, de vez, conceder a elas, na medida em que veicular as matérias relacionadas no inciso III, o status de normas estruturantes, de normas- quadro e, sobretudo, de superioridade hierárquica em relação às leis ordinárias.

Com isso, resta cristalino que foram sanadas, pelo menos em sua grande maioria, as dúvidas de que o Código Tributário Nacional possui o status de lei complementar, sobretudo por veicular normas que tratam da definição de tributos e de suas espécies, dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo, contribuintes, obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.

Portanto, nessa condição, por desígnios constitucionais, o CTN, por conter normas de índole estruturantes, deve ser observado por ocasião de seus labores legiferantes por União, Estados e Municípios, posto que, por superioridade

hierárquica, subordina seus ditames a essa pessoas políticas brasileiras.233

A Hierarquia do CTN foi reafirmada pelo Pleno do STF ao julgar o RE nº 560.626/RS,234 apreciado sob o regime da repercussão geral, onde ficou assentado

que a prescrição e a decadência tributárias são matérias reservadas à lei complementar e estão disciplinadas no Código Tributário Nacional.

Nesse julgamento, entendeu a Corte Constitucional que o prazo decadencial para o lançamento da contribuição para a seguridade social é de cinco anos, conforme prevê o art. 173 do CTN, e não o de dez anos constante dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/9.235 O STF ainda declarou a inconstitucionalidade do parágrafo

único do art. 5º do Decreto-lei nº 1.569/77, que dispunha sobre a suspensão de créditos tributários.236

Eis excerto do RE nº 560.626/RS:

As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, III, b, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários.

Na mesma Sessão Plenária foi proposta a edição da Súmula Vinculante sobre a matéria objeto do citado julgamento, que restou aprovada com a seguinte redação: “Súmula Vinculante 8: São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.”237

Em que pese o inciso III do artigo 146 da CF ser expresso na matéria que deve ser veiculado por lei complementar de normas gerais, ainda assim, continua a divergência sobre o tema, mormente por defensores da teoria dicotômica.

233 Nesse sentido, o Pretório Excelso ainda sob a égide da Carta pretérita, já se manifestara quando do julgamento do RE nº 106.217/SP, Min. Octavio Gallotti, Julg: 08.08.1986, 1ª Turma, DJ 12.09.1986, pp. 16425: “EXECUÇÃO FISCAL. A INTERPRETAÇÃO DADA, PELO ACÓRDÃO RECORRIDO, AO ART. 40 DA LEI Nº 6.830/80, RECUSANDO A SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO POR TEMPO INDEFINIDO, E A ÚNICA SUSCEPTIVEL DE TORNA-LO COMPATIVEL COM A NORMA DO ART. 174, PARAGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, A CUJAS DISPOSIÇÕES GERAIS E RECONHECIDA A HIERARQUIA DE LEI COMPLEMENTAR.”

234 RE nº 560.626/RS. Min. Gilmar Mendes, Julg: 12.06.2008, Tribunal Pleno, Dje 232, Divulg: 04.12.2008, Publ: 05.12.2008.

235 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8212cons.htm.> Acesso em 08.03.2010. 236 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del1569.htm> Acesso em

08.03.2010. 237 Disponível em

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=8.NUME.%20E%20S.FLSV.&b ase=baseSumulasVinculantes> Acesso em 08.03.2010.

De fato, adeptos da referida corrente entendem que o ato normativo que estabelecer fato gerador, base de cálculo, etc., o fará em consonância com os demais delineamentos constitucionais e, mesmo assim, visando evitar o conflito de competências entre as entidades tributantes, como é o caso do preclaro Jurista Paulo de Barros Carvalho:

Pode o legislador complementar, invocando a disposição do art. 146, III, a, definir um tributo e suas espécies? Sim, desde que seja para dispor sobre conflitos de competência. Ser-lhe-á possível mexer no fato gerador, na base de cálculo e nos contribuintes de determinado imposto? Novamente sim, no pressuposto de que o faça para dispor sobre conflitos. E quanto à obrigação, lançamento, crédito prescrição, e decadência tributários? Igualmente, na condição de satisfazer aquela finalidade primordial.238

Deve-se reconhecer, em consonância com a mensagem da doutrina dicotômica, que a lei complementar de normas gerais não pode indiscriminadamente gerar regras jurídicas sem levar em consideração o contexto constitucional.

De fato, para exemplificar tal aspecto, invoco o Decreto-lei nº 406, de 31.12.1968, que estabelecia normas gerais de direito financeiro, aplicáveis aos impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre serviços de qualquer natureza.

Pelo item XVIII da lista anexa a tal ato normativo, estava previsto como serviço a locação de bens móveis, dispositivo renumerado para o “Item 52” por força do Decreto-lei nº 834, de 8.9.1969, e posteriormente para o “Item 79” pela Lei Complementar nº 56, de 15.12.1987.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 116.121/SP declarou inconstitucional o item 79 da lista anexa à LC nº 56/87, entendendo a Corte Suprema que a incidência do ISS sobre a locação de bens móveis conflita com a Constituição, uma vez que “a terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. 239

O voto vencido do relator, Ministro Octávio Gallotti, foi no sentido de emprestar uma interpretação econômica ao item 79 da LC, dando-lhe um sentido amplo. Assim, a lei complementar estaria consentânea com a vontade constitucional, posto que, em verdade, estaria ela preenchendo um espaço constitucionalmente permitido ao incluir a locação de bens móveis como serviço de “qualquer natureza”,

238 Op. cit., p. 263.

locução expletiva constante do artigo 24, II, da EC nº 1/69. Registramos trecho do voto do ilustre Ministro-relator, consoante os dizeres abaixo:

A definição desses serviços foi confiada a lei complementar. Não deve ela fugir daquilo que se possa ter, conceitualmente, como serviço, e sua função primordial é extremar o limite da competência tributária municipal. Mas não há de ser interpretada, unilateralmente, só na exploração da possibilidade de reduzir a área de imposição do imposto municipal, mas livremente atuar no justo espaço desta, traçado pela Constituição na abrangência dos serviços de “qualquer natureza”.

Não obstante, a tese que prevaleceu no RE nº 116.121 foi a que conferiu interpretação jurídica ao dispositivo controvertido, entendendo o Pretório Excelso, por maioria, que “em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável (...)”240

No voto divergente, capitaneado pelo Ministro Marco Aurélio de Mello, entendeu-se que “há de prevalecer a definição de cada instituto, e somente a prestação de serviços, envolvido na via direta o esforço humano, é fato gerador do tributo em comento”.

Discussão atual é a travada em torno da cobrança do serviço de franquia previsto no item 17.08 da lista anexa à lei complementar nº 116, de 31.07.2003, que dispõe sobre o ISSQN - Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza-, de competência dos Municípios e do Distrito Federal.

De um lado entende-se que a incidência do ISS sobre a franquia é constitucional, uma vez que a incidência está prevista na LC 116 que, em atendimento aos artigos 146, III e 156, III, da Constituição atual, regulou os serviços de “qualquer natureza”.

D’outro lado, em consonância com a decisão tomada no julgamento do RE nº 116.121, acima exemplificado, tem-se o entendimento de que a operação de franquia não constitui prestação de serviço, e, assim, nesse ponto, a Lei Complementar infringiu a norma constitucional, posto que ampliou o termo “serviço” adotado pela Carta da República.241

240 Dicção constante da ementa do Acórdão do RE nº 116.121/SP.

241 Entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no RESP nº 953.840/RJ, Min. Luiz Fux, 1ª Turma, Julgado em 20.08.2009, DJe 14.09.2009.

Portanto, vê-se que é possível convergir e harmonizar os fundamentos das correntes dicotômica e tricotômica, porquanto, como se demonstrou dos exemplos acima, a melhor exegese que se deve emprestar hodiernamente ao artigo 146 da Constituição, é aquela em que se tem sempre em foco a Lei Maior, porquanto os princípios constitucionais é que devem nortear toda a interpretação da legislação infraconstitucional.

3 A DOAÇÃO