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1.8 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

1.8.1 Os tributos de competência das Unidades federativas

1.8.1.1 Imposto

Segundo definição do artigo 16 do Código Tributário Nacional, imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

Amílcar Falcão leciona que o imposto “caracteriza-se por ter como fato gerador um fato da vida comum tomado como índice da capacidade econômica, de modo que (...) se destina ao custeio de serviços gerais da administração (...).130

O Professor Ricardo Lobo Torres nos oferta uma definição mais robusta e elaborada de imposto com as seguintes palavras:

É o dever fundamental consistente em prestação pecuniária, que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva do princípio constitucional da capacidade contributiva e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades publicas gerais, é exigido de quem tenha realizado, independentemente de qualquer atividade estatal em seu benefício, o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência especificamente outorgada pela Constituição.131

Fato é que o Estado, por meio da cobrança do imposto, pode exigir dos contribuintes determinada quantia em moeda independentemente de contraprestação de algum serviço público, bastando, para isto, que tenha ocorrido no mundo fático, a hipótese prevista em lei da obrigação de pagar.

O Texto Constitucional, artigo 153, preceitua que cabe à União a competência para instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer natureza;

IV - produtos industrializados;

130 FALCÃO. Amílcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 77.

131 TORRES. Ricardo Lobo. Curso de Direito Tributário e Financeiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 336.

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

VI - propriedade territorial rural;

VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

Importa ressalvar que a Carta Suprema flexibiliza a rigidez da discriminação tributária, porquanto defere em favor da União a competência para instituir impostos

residuais e extraordinários, a teor do artigo 154, conforme situações abaixo:

a) competência residual: instituição de impostos não previstos no Texto Maior, mediante lei complementar, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição;

b) competência extraordinária: instituição, em virtude de guerra externa ou sua iminência, de impostos compreendidos ou não na competência tributária da União, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

Por sua vez, consoante artigo 155, redação dada pela Emenda Constitucional nº 3/93, os Estados-membros e o Distrito Federal possuem competência para instituírem os seguintes impostos:

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

III - propriedade de veículos automotores.

A seu turno, à luz do artigo 156, compete aos Municípios a instituição dos impostos abaixo relacionados:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

1.8.1.2 Taxas

A taxa se caracteriza como um tributo vinculado ao usufruto por parte do contribuinte de uma contraprestação efetiva ou colocado á sua disposição pelo Ente estatal.

A taxa somente pode ser exigida do contribuinte pelo exercício do poder de polícia administrativa ou pela efetiva prestação efetiva ou potencial de um serviço público específico e divisível, cuja base de cálculo seja necessariamente diferente de qualquer imposto.

As taxas podem ser impostas por qualquer das Unidades federativas, desde que qualquer delas satisfaçam o requisito constitucional de exercer o poder de polícia ou de prestar o serviço público ou pô-lo à disposição do contribuinte.132

1.8.1.3 Contribuição de melhoria

A contribuição de melhoria é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária. Possui como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado (art. 81, CTN).

Amílcar Falcão ensina que “a contribuição de melhoria caracteriza-se por ter como fato gerador um aumento ou incremento de valor venal de propriedade imobiliária – uma valorização imobiliária, como se costuma dizer – decorrente de obra pública.”133

A contribuição de melhoria, a exemplo da taxa, pode ser exigida por qualquer Ente federativo, se qualquer deles realizar obra pública da qual resulte um valorização de imóvel de contribuinte.

1.8.1.4 Outras contribuições

A teor do que já foi assinalado, no âmbito da distribuição de competência tributária a Carta Suprema prevê outros tipos de contribuições além da mencionada

132 Op. cit., p. 199. 133 Op. cit., p. 77.

“contribuição de melhoria”, a maioria inserta na competência privativa da União. De fato, no julgamento do RE nº 138.284/CE,134 o Supremo Tribunal Federal

deixou assentado que as contribuições se classificam em contribuição de melhoria, contribuições parafiscais e contribuições especiais, além de confirmar o entendimento doutrinário que elencava os empréstimos compulsórios como espécie de tributo.

Desse modo, a Suprema Corte pátria superou a tradicional classificação doutrinária tripartite, segundo a qual tributos seriam tão-somente os impostos, taxas e contribuição de melhoria.

No voto do Relator do RE nº 138.284/CE, Ministro Carlos Velloso, a classificação dos tributos ficou assim estampada, ipsis litteris:135

As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são as seguintes:

a) os impostos (CF, arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (CF, art. 145, II);

c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1 de melhoria (CF, art. 145, III)

c.2 parafiscais (CF, art. 149), que são: c.2.1 sociais

c.2.1.1 de seguridade social (art. 195, I, II e III),

c.2.1.2 outras de seguridade social (CF, art. 195, § 4º),

c.2.1.3 sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, CF, art. 212, § 5º, contribuições para o Sesi, Senac, CF, art. 240);

c.3 especiais:

c.3.1 de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e

c.3.2 corporativas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 146)

A contribuição de seguridade social e a contribuição de melhoria apresentam- se como as únicas contribuições contidas na competência concorrente dos Estados e Municípios.136 De fato, além da contribuição de melhoria (art. 81, CTN), essas

Unidades federativas estão autorizadas a instituir contribuição previdenciária, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes (artigo 149, § 1º, CF).

Além disso, existe a novel “contribuição de iluminação pública” de competência privativa dos Municípios e Distrito Federal prevista no artigo 149-A do Texto Magno, inserido pela Emenda Constitucional nº 39/2002.

134 RE nº 138.284/CE. Min. Carlos Velloso. Julg: 01.07.1992. Tribunal Pleno. DJ 28.08.1992. 135 Cf. CASSONE. Vittorio. Direito Tributário: fundamentos constitucionais da tributação,

definição de tributos e suas espécies, conceito e classificação dos impostos, doutrina, prática e jurisprudência. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 50.

O Processo Legislativo brasileiro, disciplinado no artigo 59 da Carta Suprema, prevê a elaboração de diversos atos normativos entre os quais se encontra a lei complementar, que necessita ser aprovada pela maioria absoluta das duas Casas do Congresso Nacional (art. 69, CF).

A lei complementar figura no plexo jurídico brasileiro com característica de integração normativa que se impôs necessária frente à complexidade inerente à estrutura do federalismo, modelo de Estado adotado desde a primeira Constituição republicana.

Na origem, a lei complementar nasceu da necessidade de criação de um ato normativo para integrar normas constitucionais, mas com características diferenciadas das leis ordinárias.

A lei complementar específica prevista no artigo 155, § 1º, inciso III, e a genérica contida no artigo 146 da Constituição, constituem-se em um dos principais pontos de estudo com vistas à investigação e solução do problema formulado na presente dissertação.

2.1 HISTÓRICO

Geraldo Ataliba informa que foi Ruy Barbosa137quem primeiro desenvolveu no

Brasil o estudo constitucional das leis complementares, e que por sua influência esta espécie normativa foi chamada de “leis orgânicas”, denominação que ficou assim conhecida por todo o período da primeira república.138

Ruy Barbosa foi o relator da Constituição de 1891, em cujo texto foi inserido a espécie normativa “lei orgânica” (art. 34, 34º), cuja edição pelo legislador

137 Em conformidade com as normas ortográficas para a Língua Portuguesa vigentes no Brasil até 31 de dezembro de 2008, o prenome "Rui" foi muitas vezes grafado com a letra "i" e não com "y".

Todavia, muitos preferiram preservar o nome com a grafia original, como se observa em Casa de Ruy Barbosa, em comparação à Fundação Casa de Rui Barbosa e ao Instituto Rui Barbosa. A regra era válida mesmo levando-se em consideração que a assinatura do biografado era com "y" -- o que é óbvio, pois respeitava a ortografia da época. A grafia com "y" também foi utilizada no sobrenome dado por Ruy a seus filhos, cujos descendentes assim o preservaram até hoje. Com o Acordo Ortográfico de 1990 a grafia original volta a estar de acordo com as regras da Língua Portuguesa. Cf. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Barbosa> Acesso em 16.11.2009.

138 ATALIBA. Geraldo. Lei Complementar na Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971. p. 7.

infraconstitucional objetivava a “completa execução da Constituição”. O teor da norma foi repetido na Constituição de 1934 (art. 39, 1).

À época, Ruy Barbosa protagonizou no Brasil a expressão “auto-executável” para designar a disposição constitucional que não necessitasse de complemento, quando também enfatizou o caráter da norma “não-executável” que tivesse o mister de completar a Constituição. Eis excerto de sua lição:

Mas nem todas as disposições constitucionais são auto-aplicáveis. As mais delas, pelo contrário, não o são. A Constituição não se executa em si mesma: antes requer a ação legislativa, para lhe tornar efetivos os preceitos.139

Salienta Geraldo Ataliba que o termo “lei complementar” já era conhecido da teoria geral do Direito citando conceito exposto em dicionário do Frei Domingos Vieira com o seguinte verbete: “Leis orgânicas – são as que têm por objeto regular o modo e a ação das instituições ou estabelecimentos, cujo princípio foi consagrado por uma lei precedente.”140

As Constituições de 1937 e 1946 não fizeram qualquer referência em seus textos sobre leis orgânicas ou lei complementares. Porém, renomados doutrinadores, a exemplo de Victor Nunes Leal, já entendiam que tal fato não possuía qualquer significação no sentido de se entender pela inexistência de norma complementar às referidas Constituições, sustentando que era da essência de texto constitucional ser sucinto e não esgotar em si próprio toda a matéria da legislação.141

Embora às leis complementares ou orgânicas tenham sido reservadas a tarefa de integração normativa material da Constituição, não havia diferenciação formal com relação às leis denominadas não complementares, estando todas situadas no mesmo plano hierárquico, o que se depreende da lição de Victor Leal Nunes:

A designação de leis complementares não envolve, porém, como é intuitivo, nenhuma hierarquia do ponto-de-vista da eficácia em relação às outras leis declaradas não complementares. Todas as leis, complementares ou não, tem a mesma eficácia jurídica, e umas e outras se interpretam segundo as mesma regras destinadas a resolver os conflitos de leis no tempo.142

139 Geraldo ATALIBA, Lei Complementar..., op. cit., p. 11. 140 Idem.

141 Apud Geraldo ATALIBA, idem, p. 14. 142 Idem.

José Afonso da Silva143 registra que a lei complementar da forma como é hoje

conhecida, com superioridade formal em relação às leis ordinárias, foi introduzida no ordenamento constitucional brasileiro pela Emenda Constitucional nº 4, de 2.9.1961, denominada de Ato Adicional, também intitulada de “Emenda parlamentarista”, posto que instituiu o sistema parlamentar de governo no Brasil.

De fato, reza o artigo 22 da citada Emenda que a organização do sistema parlamentar de governo poderia ser complementada mediante a aprovação de leis votadas pela maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional.

Miguel Realesustentou que o caráter integrativo das normas complementares advinha não das disposições do Ato Adicional de 1961, mas da força da própria Constituição de 1946 que ainda vigorava na oportunidade. Eis suas palavras:

O art. 22 estabelece apenas o quorum necessário para a votação da lei complementar. A faculdade de complementar a Constituição não resulta do Ato Adicional, mas da própria Constituição de 1946, cujos preceitos continuam em pleno vigor nesta matéria. Não era necessário o art. 22 para conferir competência ao Congresso na elaboração de leis complementares. Porém, notem bem esse ponto – como se tratava e se trata de lei complementar pertinente à estrutura mesma do governo, não se permite que ela seja aprovada na forma do Regimento Interno do Congresso por maioria dos presentes, mas exige a aprovação da maioria absoluta de todas as duas Casas do Congresso Nacional.144 (grifos do autor)

Vê-se que já naquela época Miguel Reale dava à lei complementar prevista no Ato Adicional de 1961, por ele intitulada de “lei ordinária para-constitucional”, a qualificação material e formal de norma integrativa constitucional, com os contornos conceituais jurídicos consentâneos com os adotados pela doutrina atual. Nesse sentido, assim pontificou:

Penso que poderíamos considerá-la uma lei ordinária para-constitucional, insuscetível a ser revogada por uma lei ordinária aprovada sem a exigência de igual quorum. (...) A Dogmática Jurídica tradicional costuma distinguir dois tipos de leis quanto à obrigatoriedade ou índole de vigência, as

constitucionais e as ordinárias, estas subordinadas àquelas e capazes de

obrigar na medida e enquanto com as primeiras se conformem (...) aos poucos se vem notando a insuficiência daquela dicotomia rígida perfilando- se a necessidade de intercalar um tertium genus de leis, que não ostentasse a rigidez dos preceitos constitucionais, nem tampouco devessem comportar a revogação (perda da vigência) por força de qualquer lei

143 SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 234.

ordinária superveniente: é a categoria das leis de complementação do texto constitucional, ou de estruturação do Estado, as chamadas leis orgânicas, para cuja aprovação ou reforma se crê preferível exigir-se um quorum especial. (...) Trata-se, como se depreende do ora aduzido, de leis

ordinárias para–constitucionais, achegadas limítrofes da Constituição, para

cuja aprovação se exige um quórum especial, (...).145 (grifos do autor)

Com supedâneo no Ato Adicional aprovado pela Emenda Constitucional nº 4/61, foram editadas duas leis complementares: a lei complementar nº 1, de 17.07.1962, que complementou a organização do sistema parlamentar de governo, e a lei complementar nº 2, de 15.09.1962, que dispôs sobre a vacância ministerial.

A Emenda Constitucional nº 4/61, foi submetida a referendum popular no dia 6.01.1963, quando o povo brasileiro optou pela volta do sistema presidencialista de governo. Com a posterior promulgação da Emenda Constitucional nº 6, de 23.01.1963, revogou-se a EC nº 4/61, foi restabelecido o sistema presidencial de governo e desapareceu do cenário jurídico a figura da lei complementar.

No entanto, poucos anos depois ela reapareceu no direito brasileiro pelo artigo 6º da Emenda Constitucional nº 17, de 26.11.1965, que alterou o artigo 67 da Constituição de 1946. O parágrafo 8º do citado artigo rezava que “os projetos de leis complementares da Constituição e os de Código ou de reforma de Código receberão emendas perante as comissões, e sua tramitação obedecerá aos prazos que forem estabelecidos nos regimentos internos ou em resoluções especiais.” O ressurgimento da lei complementar no cenário jurídico pátrio se deu por sugestão de Miguel Reale, citado por Cretella Júnior, que preconizava aquela medida a fim de que “desse maior estabilidade a regras que, sem dever gozar de

rigidez dos textos constitucionais, nem por isso deveriam ser deixadas expostas a

decisões ocasionais ou fortuitas que às vezes surpreendem o próprio Parlamento e a opinião pública.”146

Todavia, Cretella Júnior147 enfatiza que a disciplina do instituto da lei

complementar estatuída na parte final do § 8º, do artigo 6º da referida Emenda deixou de ser regulamentada, o que só efetivamente ocorreu com advento da Constituição de 1967.

145 Op. cit., p. 26-111.

146 CRETELLA JÚNIOR. José. Curso de Direito Tributário Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 16.

Importante lembrar que a Emenda Constitucional nº 18, de 1.12.1965, que reformou o Sistema Tributário Nacional, também previu em seu texto as leis complementares, sem, no entanto, fazer qualquer distinção entre elas e as demais espécies normativas.

E, de fato, somente com a promulgação da Constituição de 1967 que à lei complementar foi conferido status diferenciado das leis ordinárias, quando então ficou estatuído que elas “serão votadas por maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional, observados os demais termos da votação das leis ordinárias” (art. 53).

Essa redação foi mantida pela Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969 (art. 50), e pela Constituição em vigor (art. 69), o que proporcionou aos aplicadores e estudiosos das leis complementares a evolução conceitual, material e formal, que hodiernamente é emprestado a essa espécie normativa.

2.2 CONCEITO

Do breve histórico da evolução das leis complementares acima exposto, é possível firmar a premissa de que o termo “lei complementar” assumiu, primitivamente, no ordenamento jurídico brasileiro, um caráter jurídico de ordem material, qual seja, a feição de completar o vácuo de uma norma sinteticamente estampada em seus elementos embrionários no texto da Constituição.

Em realidade, considerando-se a “lei complementar” no sentido amplo, não é exagero afirmar que toda lei situada no plano infraconstitucional reveste-se de característica material e pode, dessa maneira, ser considerada “complementar”, porquanto, direta ou indiretamente, retira seu fundamento de uma constituição.

Nessa esteira é o pensamento de José Souto Maior Borges148segundo o qual

lei complementar em sentido amplo, também chamado “ontológico” ou “doutrinário”, “é toda aquela que complementa a Constituição, independentemente de qualquer consideração formal ou de caráter procedimental, como é o quórum especial ou qualificado para a aprovação (..).”

148 BORGES. José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1975. p. 30.

Inclusive, na perspectiva da lição de José Afonso da Silva, a própria Constituição Federal utiliza a palavra “lei” de forma abundante, sem rigor técnico e uniformidade terminológica, aparecendo cerca de 373 vezes na Constituição Federal e nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.149

Relata ainda o doutrinador constitucionalista que a doutrina tomava a expressão “lei complementar” no sentido amplo, e mesmo adotando a classificação em “orgânicas” e “comuns”, não tinha qualquer características especial de diferenciação no direito brasileiro.150

Com efeito, já ficou consignado que a lei complementar somente assumiu características de diferenciação de caráter formal, embora de forma efêmera, sob os auspícios da EC 4/61, e, definitivamente, a partir da ordem constitucional de 1967.

Consoante José Souto Maior Borges, a doutrina estabelece um discrimen entre os requisitos do conceito de lei complementar em sentido amplo ou material e em sentido restrito ou formal.151 Enfatiza que o regime jurídico que a edição de leis

complementares está subordinada caracteriza-se se estiver presente a matéria que por força da Constituição deva ser objeto de tal disciplina, assim como que o ato legislativo seja aprovado pela maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional.Acrescenta Borges:

Diversamente do primeiro, que é um requisito de fundo ou de ordem material, o segundo é um requisito de forma ou procedimental. Requisito de ordem formal porque diz respeito ao procedimento de votação da lei complementar, nada adiantando quanto ao seu conteúdo e eficácia. Quanto ao critério material, já vimos que está submetido às limitações postas pela Constituição à competência da União para expedir leis complementares que versem apenas sobre certas e determinada matérias.152

Já o conceito emprestado por José Afonso da Silva à lei complementar está correlacionado à doutrina por ele formulada sobre a eficácia das normas constitucionais integrativas, classificadas em normas constitucionais de eficácia plena, normas constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada.153

As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que “incidem diretamente sobre os indivíduos a que o constituinte quis dar expressão normativa.

149 Aplicabilidade..., op. cit., p. 233. 150 Idem, p. 234.

151 Lei Complementar..., op. cit., p. 33-34. 152 Idem.

São de aplicabilidade imediata, porque dotadas de todos os meios e elementos à sua executoriedade. (...) São auto-aplicáveis.”154

Nessa linha, J.H. Meirelles Teixeira assim define as normas constitucionais de eficácia plena:

Aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular.155

Por sua vez, as normas constitucionais de eficácia contida se referem à