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3.7 REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO

3.7.1 Revogação da doação por ingratidão do donatário

Gratidão, conforme lição de Washington de Barros Monteiro,279 é a situação

em que o donatário gratificado assume uma obrigação de não fazer, cujo conteúdo é abster-se de alguns atos cuja prática constitui prova de desapreço para com o doador. Se assim descumpre a obrigação, resta caracterizado a ingratidão.

O artigo 557 dos Lei civil enumera as causas que podem ensejar a revogação das doações por motivo de ingratidão, são elas:

I - se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele;

II - se cometeu contra ele ofensa física; III - se o injuriou gravemente ou o caluniou;

IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.

Os efeitos dessas causas revogativas estendem-se ao ofendido que seja cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador (art. 558, CC). Deve-se entender que a norma é aplicável ao companheiro que vive em união estável, por ser entidade familiar protegida pelo direito.

A revogação por ingratidão alcança somente as doações puras, conclusão que se alcança por interpretação, a contrario sensu, do artigo 564 do Código Civil. De fato, prevê o dispositivo que não se revogam por ingratidão as doações puramente remuneratórias; as oneradas com encargo já cumprido; as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural; e as feitas para determinado casamento.

A revogação da doação possui um nítido caráter de punir o ato de ingratidão que, conforme pontifica Pablo Gagliano, “é um dos piores defeitos que o homem pode cultivar”.280 Assim, é voltada mais para a proteção da sociedade, do que do

indivíduo, tanto que não se permite ao doador renunciar antecipadamente o direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário (art. 556, CC).

279 MONTEIRO. Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações: 2ª parte. 34ª ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003. 5v. p. 148. .

A ação revogação, com espeque em qualquer dos motivos acima elencados, deverá ser pleiteada dentro de um ano, a contar do momento em que o fato chegar ao conhecimento do doador (art. 559, CC).

Todavia, em que pese a revogação da doação se configurar como de ordem pública, ela possui caráter personalíssimo, significando dizer que o doador pode deixar escoar o prazo sem ajuizar a ação revocatória.

Nem mesmo os herdeiros do doador têm o direito de revogar a doação, que somente podem prosseguir na ação já iniciada pelo doador, e continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide (art. 560, CC)

3.7.1.1 Atentado contra a vida do doador ou cometimento crime de homicídio doloso Tipo de revogação originada do homicídio doloso tentado ou consumado. Vale evidenciar que só será causa da revogação por ingratidão quando o Autor agiu com dolo, qual seja, quando de forma livre e consciente quis praticar o crime ou assumiu o risco de produzi-lo.

Logo, estão excluídos da revogação o crime culposo e os fatos praticados amparados por alguma causa de excludentes da ilicitude prevista no artigo 23 do Código Penal: legítima defesa, estado de necessidade, etc. Também não é revogada a doação se o donatário for considerado irresponsável pelo ato penal em virtude de demência.281

Há divergência doutrinária sobre se a ação revocatória pode ser proposta a partir do fato criminoso perpetrado pelo donatário ou somente após o término do processo criminal.

Maria Helena Diniz282 preleciona que basta a simples ocorrência do fato para

que se legitime a revogação, argumentando ser prescindível a condenação do donatário, ao passo que Sílvio Rodrigues283 defende a tese de que é necessária que

a causa da revogação seja provada em juízo ordinário onde o ingrato terá a oportunidade de exercer ampla defesa.

No caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros,

281 Maria Helena DINIZ, Curso de Direito Civil..., op. cit., p. 227. 282 Idem. No mesmo sentido Arnaldo RIZZARDO, op. cit., p. 472. 283 Dos Contratos..., op. cit., p. 203.

exceto se aquele houver perdoado (art. 561, CC)

3.7.1.2 Ofensa física

A doação pode ser revogada se o donatário cometer ofensa física dolosa contra o doador, ou seja, quando aquele perpetrar em relação a este “qualquer crime que viole a sua integridade corporal ou a sua saúde física, especialmente a lesão corporal”.284

Nessa espécie de revogação, não se inclui a ofensa física culposa, os atos de legítima defesa, de estado de necessidade, assim como as ameaças, a tentativa de agredir e as injúrias.

Em suma, a prática intencional de qualquer ato do donatário que provoque mal-estar físico ou dor no corpo mostra-se suficiente para desconstituir a doação a exemplo das vias de fatos consistentes em empurrões ou bofeteadas.

3.7.1.3 Injuria grave ou calunia

A injúria grave e a calúnia são causas de revogação da doação, haja vista que ofendem a honra pessoal do doador.

A honra traduz-se num conjunto de predicados ou condições da pessoa que lhe conferem estima própria e consideração junto à sociedade.285

Essas figuras constituem-se delitos previstos como crime nos artigos 138 e 140 do Código Penal, e tem por fito a proteção da honra objetiva e subjetiva da pessoa.

A honra objetiva se refere à opinião de terceiros atinentes aos atributos físicos, intelectuais, morais da pessoa, com reflexo da reputação da pessoa no meio social. 286

A Seu turno, a honra subjetiva também diz respeito aos atributos de ordem física, intelectual e moral da pessoa, porém se referindo à opinião do sujeito

284 Pablo GAGLIANO, op. cit., p. 166.

285 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal: dos crimes contra a pessoa: dos crimes contra o patrimônio. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 2v. p. 118.

286 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 4ª ed. São Paulo: São Paulo, 2004. 2v. p. 228.

referente a si mesmo, ao seu amor-próprio. Nesse caso, não importa a opinião de terceiros, bastando que a pessoa se sinta ultrajado.287

Caluniar é imputar a alguém falsamente fato definido como crime de sorte a atingir a honra objetiva do indivíduo com repercussão no convívio social. A conduta do donatário deve estar imbuída da vontade livre e consciente de atribuir responsabilidade ao doador por crime que não existiu ou que não foi por ele cometido.

Injuriar significa ofender a dignidade ou o decoro de alguém de tal sorte que o fato atinja o sentimento próprio de cada pessoa no que se refere aos seus atributos morais (dignidade) ou intelectuais e físicos (decoro). É o caso do donatário atribuir qualidades negativas à pessoa do doador chamando-o, por exemplo, de ladrão, caloteiro, incompetente.

Embora também seja crime contra a honra, a difamação, que é a imputação de fato ofensivo, pelo donatário, à pessoa do doador (art. 139, CP), não está elencada como hipótese de revogação da doação. Portanto, a teor do entendimento de Sílvio Venosa,288 ela não pode ser alegada, considerando a impossibilidade de

interpretação ampliativa quando se está a restringir direitos.

Não há necessidade de condenação do donatário no juízo criminal, bastando que a injúria e calúnia sejam provadas no juízo cível.

Contudo, a sentença criminal pode ter reflexos na área cível, sobretudo se ficar reconhecido as excludentes da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, etc.), bem como de que o fato não existiu ou o donatário não foi o seu autor. Em tais casos não é admissível a revogação da doação.

3.7.1.4 Recusa em prestar alimentos

Pode ser revogada a doação por ingratidão, quando o donatário, podendo ministrá-los ao doador, recusou-lhe alimentos de que este necessitava, não sendo necessário que haja parentesco entre eles.

287 Cf. Fernando CAPEZ, op.cit., p. 229.

288 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. 3v. p. 11.

É imprescindível a ocorrência das condições abaixo para que fique efetivamente caracterizada essa causa de revogação:289

I) Que o doador se encontre em estado de necessidade e que haja uma negativa por parte do donatário na prestação alimentícia reclamada.

I) Inexistência de parentes próximos, obrigados a prestar os alimentos ao doador na forma do artigo 1.694, do Código Civil, ficando o encargo como prestação subsidiária.

III) Condições do donatário em prestar os alimentos sem colocar em risco a própria subsistência e a dos seus dependentes.

A prova da recusa injustificada em prestar alimentos pode provada por qualquer meio, verbal, escrita, testemunhal, no bojo da ação revocatória.

3.7.1.5 Revogação e o direito de terceiros

A revogação por ingratidão, seja qual for a sua causa, não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, posto que aquele que tiver adquirido a coisa doada por título anterior à revogação, será considerado proprietário perfeito, restando ao doador ação contra o donatário para reaver o valor do bem doado (art. 1.360, CC).

Portanto, não é permitido ao doador reivindicar a coisa ou direito validamente transferidos pelo donatário à esfera patrimonial de terceiro.

O donatário não é obrigado a restituir os frutos percebidos antes da citação válida, haja vista a presunção de sua boa-fé anterior à propositura da ação revocatória. No entanto, fica sujeito a pagar os frutos percebidos posteriormente.

Na hipótese de não poder restituir em espécie as coisas doadas, é obrigado a indenizá-la pelo meio termo do seu valor, vale dizer, a “média do preço entre o valor ao tempo da doação e o valor ao tempo da restituição”.290