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Tendo-se em conta os fundamentos da doutrina que apregoa a superioridade hierárquica apenas parcial entre a lei complementar e a lei ordinária, e tendo como foco as leis estaduais que disciplinam o ITCD-doação, far-se-á breve análise sobre eventual tensão existente entre as normas das leis complementares previstas no artigo 146 e 155, § 1º, III e a lei de normas gerais prevista no artigo 24, §§ 2º e 3º, considerando-se a autorização contida no artigo 34, § 3º dos Atos das Disposições

Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.

A Carta Magna prevê, basicamente, a edição de duas leis complementares para que Estados e Distrito Federal instituam e exijam o imposto sobre a doação incidente sobre bens e direitos no âmbito de seus respectivos territórios.

De fato, a primeira lei complementar, é aquela prevista no artigo 146, destinada a dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; e para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, nos casos especificados pelo Texto Maior.

A segunda, prevista no artigo 155, § 1º, III, objetiva regular a competência para a instituição do ITCD-doação, quando o doador tiver domicilio ou residência no exterior.

De outra banda, o Texto Constitucional previu três dispositivos legais emanados do princípio federativo, consistente na possibilidade dos Estados- membros legislarem sobre os próprios tributos, caso o legislador nacional não edite as leis complementares exigidas pela Constituição Federal.

É o que se depreende da redação do artigo 34, § 3º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, que estampa a possibilidade das Unidades Federativas aprovarem as leis necessárias para a aplicação do sistema tributário estabelecido pela Constituição de 1988. Confira-se:

Art. 34. (...)

§ 3º - Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.

Os outros dispositivos constitucionais que refletem preceitos do pacto federativo tratam-se do artigo 24, §§ 2º e 3º, o quais estabelecem a competência concorrente e suplementar de Estados e Distrito Federal, permitindo a estes Entes legislarem em virtude da omissão do legislador federal. Veja-se:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário (...); (...)

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

Ocorre que as leis complementares previstas no artigo 146 e 155, § 1º, III188

ainda não foram editadas pelo Congresso Nacional. Assim, os Estados-membros membros com amparo na autorização do artigo 34, § 3º das ADCT e no artigo 24, §§ 3º e 4º da Constituição aprovaram em seus territórios as leis ordinárias com vistas à cobrança do ITCD-doação quando o doador residir for domiciliado no exterior.

Assim, a título de ilustração, o fez Minas Gerais, com a edição da Lei nº 14.941, de 29.12.2003;189 o Rio de Janeiro, por meio da Lei n.º 1.427, de

13.02.1989190; o Rio Grande do Sul, por intermédio da Lei nº 8.821, de 27.02.1989;191

São Paulo, com a aprovação da Lei nº 10.705 de 28.12.2000;192 e Distrito Federal,

com a aprovação da Lei nº 10, de 29.12.1988, revogada e substituída pela Lei nº 3.804, de 08.02.2006.193

Portanto, não se pode negar a existência de uma aparente tensão, ou conflito, ocasionado pela exigência do ITCD-doação pelos Estados-membros, em face da inexistência de leis complementares exigidas pela Carta Federal, o que, em tese, poderia redundar em inconstitucionalidade das leis estaduais.

Em realidade tal tensão ou conflito é somente aparente, posto que a hierarquia entre as normas estatuídas no artigo 146 e artigo 155, § 1º, III com relação às normas gerais de que trata o artigo 24, §§ 3º e 4º do Texto Magno somente se verificaria acaso tais normas já fizessem parte do ordenamento jurídico doméstico.

188 Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...) Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...)

§ 1.º O imposto previsto no inciso I: (...)

III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar: a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

189 Disponível em

<http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/leis/l14941_2003.htm> Acesso em 08.03.2009.

190 Disponível em <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/PageLeisOrdinarias?OpenPage> Acesso em 08.03.2009.

191 Disponível em <http://www.legislacao.sefaz.rs.gov.br> Acesso em 08.03.2009. 192 Disponível em <http://info.fazenda.sp.gov.br> Acesso em 08.03.2009.

Mas não é o que se vê. Com efeito, conforme já frisado, inexistem as leis complementares ora comentadas, porquanto o legislador nacional se manteve inerte até hoje e não se animou a deliberar sobre a matéria no sentido de aprovar as espécies normativas preconizadas na Carta Maior.

Assim, as leis ordinárias estaduais do ITCD-doação foram editadas com supedâneo nos fundamentos materiais de validade extraídos diretamente da Constituição Federal, mormente na competência privativa estampada no artigo 155, I, assim como na competência concorrente disposta no artigo 24, §§ 3º e 4º e também na autorização contida no artigo 34, § 3º das ADCT.

Não obstante, não se pode deixar de assinalar que a superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário, conforme estabelece o § 4º do artigo 24 da Carta da República, o que, em última instância, corrobora o entendimento da superioridade hierárquica da lei de normas gerais.

Nesse ponto, concordamos com a percuciente lição de Paulo de Barros Carvalho, que amparado em José Souto Maior Borges, leciona quanto à impossibilidade de uma visão unitária sobre o tema da supremacia das leis complementares,194 doutrina que se aplica ao tema em comento, vez que as normas

introduzidas no sistema jurídico pátrio pelas leis ordinárias dos Estados, em virtude da inexistência de legislação complementar, buscaram âmbito de validade material de seu conteúdo diretamente da Constituição Federal.