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4.4 TRIBUTAÇÃO DA DOAÇÃO POR ESTADOS E DISTRITO FEDERAL

4.4.1 Aspectos da hipótese de incidência do ITCD-doação

4.4.1.3. O domicílio fiscal

Antes de continuar a abordagem dos demais aspectos da hipótese de incidência do ITCD-doação, convém tecer breves considerações a respeito do instituto denominado “domicílio”, porquanto é da análise de seus elementos essenciais, prescritos na Constituição e na legislação infraconstitucional, que proporcionará a adequada exegese para determinar, principalmente, os aspectos pessoal e espacial da hipótese de incidência do ITCD-doação, que à frente se verá.

No que pertine à transmissão de bens móveis, títulos e créditos, o Estatuto Supremo, art. 155, § 1º, II e III, estabelece que é competente para exigir o ITCD- doação o Estado–membro onde estiver domiciliado o doador. Se o doador tiver domicilio ou residência no exterior, a competência para a instituição do tributo será regulada por lei complementar.

Vê-se que para os bens móveis, títulos e créditos, o legislador constitucional elegeu o critério do domicílio do doador para determinar o Estado-membro competente para instituir o ITCD-doação, ao contrário dos bens imóveis, onde o critério fixado foi o da situação do bem (locus rei sitae).

Na teoria geral do direito, o domicílio é o lugar estabelecido onde a pessoa

física ou jurídica deva responder por suas obrigações.

Preleciona Washington Monteiro que o domicílio é o lugar, o ponto de referência, de antemão conhecido e fixado, onde a pessoa exerce normalmente suas relações jurídicas e onde responde por seus deveres jurídicos.327 Acrescenta o

Autor que o estabelecimento do domicílio advém de uma necessidade social de fixar por lei um local para que seja a sede jurídica, ou sede legal da pessoa, onde se presume ela se encontrar para efeitos de direito.328

Nessa esteira, o conceito de domicílio não se confunde com o de residência. Aquele é um conceito que decorre de criação da lei, de modo a presumir a presença da pessoa determinado lugar, para efeitos jurídicos; a residência trata-se de uma situação de fato correspondendo ao lugar onde a pessoa mora com habitualidade.

O Código Civil adotou o critério da residência para definir o domicílio da pessoa natural dispondo no artigo 70 que “é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.” Maria Helena Diniz esclarece que existem dois elementos importantes que sobressaem da conceituação do Código Civil: o objetivo, que é a fixação da pessoa em dado lugar, e o subjetivo, que é a intenção de ali permanecer com ânimo definitivo.329

O Código Civil (art. 75) estabelece o domicílio das pessoas jurídicas consoante as seguintes hipóteses:

I - da União, o Distrito Federal;

II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;

III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;

IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.

Acaso a pessoa jurídica possua diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados. Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, o domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, será o lugar do estabelecimento, situado no Brasil, a que ela corresponder.

327 Parte Geral…, op. cit., p. 125. 328 Idem.

Quando a matéria for de índole tributária, as regras do domicílio a serem seguidas estão delineadas no artigo 127 do CTN, verbis:

Art. 127. Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal:

I - quanto às pessoas naturais, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade;

II - quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento;

III - quanto às pessoas jurídicas de direito público, qualquer de suas repartições no território da entidade tributante.

§ 1º Quando não couber a aplicação das regras fixadas em qualquer dos incisos deste artigo, considerar-se-á como domicílio tributário do contribuinte ou responsável o lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos atos ou fatos que deram origem à obrigação.

§ 2º A autoridade administrativa pode recusar o domicílio eleito, quando impossibilite ou dificulte a arrecadação ou a fiscalização do tributo, aplicando-se então a regra do parágrafo anterior.

As regras do domicílio fiscal são, em grande parte, coincidentes com as do domicílio civil, sendo que estas possuem o caráter de normas gerais, e, desse modo, são consideradas complementares ao domicílio fiscal, a teor do artigo 1º do CTN.

Consoante a cabeça do art. 127, vige a regra geral da eleição do domícilio tributário, ao contrário do que se verifica com as normas impositivas do domicílio civil. Porém, cabe à legislação aplicável definir os contornos do domicílio fiscal levando em consideração as peculiaridades inerentes a cada tributo.

Para exemplificar, tome-se em consideração a legislação do imposto de renda onde ficou definido o domicílio fiscal da pessoa física como o lugar em que ela tiver uma habitação em condições que permitam presumir a intenção de a manter. A eleição do livre domicílio é permitida quando se verificar pluralidade de residência no país. A eleição é presumida quando se verificar a apresentação continuada de declarações de rendimentos num mesmo lugar.330

Contudo, em se tratando de tributos estaduais, como é o caso do ITCD- doação, deve-se aplicar o inciso I do art. 127 do CTN para se definir o domicílio fiscal da pessoa natural, que é a residência habitual do contribuinte.

Desse modo, a livre eleição do domicílio que eventualmente estiver prevista em legislação aplicável estadual possui aplicabilidade limitada, de sorte a surtir

330 Art. 171 do Decreto-Lei nº 5.844/43. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto- lei/Del5844.htm> Acesso em 16.02.2010.

efeitos tão-só no âmbito do território do Estado-membro legiferante. Afirmar o contrário é entender que pode haver o deslocamento, ao alvedrio do contribuinte, da competência tributária do ITCD-doação, o que fere a disposição do art. 155, § 1º, II, da CF, que elegeu o Estado do domicílio do doador como competente para exigir o imposto.

A livre eleição do domicílio tributário pode estar prevista em lei complementar nacional do ITCD-doação nos casos permitidos pela Constituição Federal (art. 155, § 1º, III).

No que tange às pessoas jurídicas de direito privado o domicílio será o lugar das respectivas sedes.

Faz-se aqui importante referência à parte final da redação do inciso II do art. 127 do CTN, que reza ser o domicílio da pessoa jurídica o lugar de cada estabelecimento em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o que pode levar ao entendimento de que o Estado onde estiver situado o estabelecimento-filial é o Ente competente para cobrar o ITCD-doação que incide sobre bens móveis e quaisquer direitos.

Penso que não seja assim e explico.

Primeiro, os atos ou fatos suscetíveis de darem origem às obrigações inerentes a estabelecimentos só podem se referir aos impostos previstos no próprio CTN, na sua primitiva redação, tais como o IPI (art. 46), o ICMS, sucedâneo do antigo ICM (art. 52),331 e o ITCD-doação de bens imóveis (art. 35), cuja competência

tributária se fixa pela situação do bem, que possui base constitucional (art. 155, § 1º, I).

Já no que pertine à doação de bens móveis e quaisquer direitos, cujas normas gerais não estão previstas no CTN, assim como em nenhum outro ato normativo, de modo a definir com clareza e segurança a Unidade federativa competente para cobrar o ITCD-doação, a conclusão converge para o entendimento de que o Estado-membro onde se situa a sede da pessoa jurídica de direito privado é o competente para a exigência do tributo, independentemente da localização dos bens móveis ou direitos.

331 As normas gerais do ICM deixaram de ser veiculadas pelo CTN com a edição do Decreto-lei nº 406, de 31.12.1968. Com a previsão do ICMS pela Constituição de 1988, esse tributo foi regulado provisoriamente pelo Convênio 66, de 14.12.1988 até o advento da Lei nº 87, de 13.09.1986, denominada de Lei Kandir, em vigor.

Se não for assim, isto é, se algum Ente estatal positivar na lei do ITCD- doação a sua própria competência para tributar a transmissão de bens móveis e quaisquer direitos por causa da existência de filial de pessoa jurídica de direito privado em seu território, tal fato é suscetível de causar conflito de competência com o Estado de localização da matriz, o que se permite concluir pela inconstitucionalidade da norma.

As mesmas razões acima delineadas se aplicam às pessoas jurídicas de direito público e suas repartições.

Portanto, considerando a inexistência da lei complementar prevista no art. 146 e a que alude o art. 155, § 1º, da Carta da República, as regras do art. 127, como norma geral, devem ser usadas para determinar o domicílio fiscal com vistas a determinar o Estado-membro competente para exigir o ITCD-doação, quando o doador for residente ou domiciliado internamente ou no exterior.