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CELSO FURTADO E A INELASTICIDADE DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA BRASILEIRA

a questão agrária nacional

CELSO FURTADO E A INELASTICIDADE DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA BRASILEIRA

Celso Furtado (1920-2004), com certeza, é o mais célebre de todos os economistas brasileiros. Nascido em Pombal, Paraíba, foi mais que um economista, foi um pensador sobre o Brasil. Seu pensamento, além de original, ainda contribuiu para a consolidação do arcabouço teórico da CO M I S S Ã O EC O N Ô M I C A PA R A AM E R I C A LAT I N A E CA R I B E ( CE PA L).

Celso Furtado partiu do diagnóstico de que a oferta de alimentos tinha caráter inelástico às pressões de demanda urbana e industrial, ou seja, a quantidade produzida de alimentos, dada a estrutura fundiária e o nível tecnológico da época, não aumentava na mesma velocidade que o aumento da demanda urbana por alimentos e a demanda industrial por matérias-primas. Deste modo, para evitar gargalos futuros do setor agrícola nacional, eram necessárias mudanças na estrutura fundiária e nas relações de trabalho no campo.

CE PA L

Organismo vinculado à ONU, foi criado em 1948 com o objetivo de elaborar estudos e alternativas para o desenvolvimento dos países latino- americanos. Foi graças ao diagnóstico da Cepal que o subdesenvolvimento latino-americano em geral – e brasileiro em específico – foi enfrentado, com políticas que estimularam estes países a se industrializar num processo que visava a substituição de importações pela produção interna de produtos industrializados.

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Figura 5.6: Para Furtado, a pro-

dução do campo não aumenta- va na mesma velocidade que o aumento da demanda urbana por alimentos e a industrial por matérias-primas.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/ wiki/Ficheiro:Celso_Furtado.jpg

Portanto, a reforma agrária, para Celso Furtado, era indispensável. Mais do que a simples distribuição de terras, eram necessários também, segundo Cano (2002, p. 143),

assistência técnica, financiamento e progresso técnico adequados, que pudessem aumentar a produtividade rural e garantir melhor apropriação de seus frutos pelos trabalhadores rurais, o que resul- taria em maior demanda de seus produtos no próprio setor rural. Contudo, chama a atenção que isto exige também uma expansão da economia urbana, acompanhada de redistribuição progressiva da renda, que resulte em aumento do emprego e do salário urbanos, estimulando também maior consumo de produtos agrícolas.

Em caso de permanência da estrutura vigente, o setor agrícola poderia não só comprometer o processo de industrialização e abas- tecimento do setor urbano como também ser uma fonte de pressão inflacionária sobre a economia em geral (DELGADO, 2005). Em outras palavras, quanto maior a concentração populacional urbana, maiores seriam os preços dos alimentos e, por consequência, maiores tenderiam a ser os salários.

Para Furtado (1989, p. 6): “Sem um estudo aprofundado da estrutura agrária, não é possível explicar a tendência à concentração de renda, nem tampouco a rigidez de oferta de alimentos geradora de pressões

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inflacionárias.” Em síntese, as conclusões de Furtado foram no sentido de mostrar que a estrutura agrária brasileira, extremamente concentrada, limitava o processo de industrialização do país. Isso por sua vez represen- tava dois pontos importantes: o primeiro era o estrangulamento na oferta de alimentos aos setores urbanos, dada a inelasticidade do setor agrícola. Em segundo, a arcaica forma de produção agrícola nacional tendia a uma forma de autossuficiência, limitando por consequência a ampliação do mercado interno.

Apresente sucintamente como Celso Furtado acreditava que a inelasticidade da produção agrícola poderia atrapalhar o processo de industrialização nacional.

Reposta Comentada

Furtado acreditava que a produção agrícola, como ela se encontrava em meados do século XX, não aumentava na mesma proporção da demanda urbana, isto é, ela era inelástica. Sendo assim, o aumento da demanda das matérias-primas industriais e de alimentos por parte dos trabalhadores não encontrariam satisfação imediata, surgindo problemas no nível geral de preços dos produtos e dos salários. Por outro lado, o baixo grau tecnológico no campo também era um agravante, pois impedia maior consumo das populações rurais.

Isto era considerado um gargalo para o processo de industrialização nacional, segundo Furtado.

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Você já ouviu falar do site: http://www.interpretesdobrasil.org/ ? Nesta página, além de encontrar mais informações sobre os autores citados nesta aula, poderá conhecer outros grandes pensadores que, como eles, nos ajudaram a entender a realidade social em que cada um de nós está inserido.

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Os autores apresentados nesta aula, mesmo com suas diferenças, defendiam alterações na estrutura fundiária para que a agricultura pudesse cumprir suas funções econômicas e sociais. Entretanto, um grupo de economistas, alinhado ao regime ditatorial que se instalou no país a partir de 1964, apresentava uma visão bastante conservadora para os problemas agrícolas brasileiros. José Juliano de Carvalho Filho (2008) sintetizou bem o período:

Nos anos 50 e início dos 60, o “debate clássico” sobre a questão agrária brasileira foi marcado por muita controvérsia, em tempos das Reformas de Base. Discutia-se a sociedade brasileira, suas origens e características, bem como o seu futuro e soluções para a crise. As posições em conflito eram muitas e cobriam todo o espectro político, variando desde interpretações marxistas ortodo- xas e estruturalistas até a posição conservadora e liberal, baseada na teoria econômica neoclássica. Com o golpe militar em 1964, prevaleceu a última posição e o país passou por um longo tempo de ditadura. O debate foi sufocado e as organizações de trabalha- dores foram reprimidas. A política agrícola implantada resultou na chamada “modernização conservadora”, com mudanças na base técnica e integração aos mercados internacionais.

A partir da segunda metade do século XX, especialmente nos anos 1960, ocorreu um importante debate sobre os problemas decorrentes da nossa

estrutura agrária e o papel que cumpriria uma reforma agrária nessa estrutura. Identifique, em linhas gerais, as principais divergências entre os autores apresentados.

Atividade Final

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Resposta Comentada

Foram quatro os autores apresentados nesta aula. Para Alberto Passos Guimarães havia no Brasil, derivado de nossa colonização, resquícios feudais, ou seja, uma estrutura

social não capitalista em que os donos da terra valiam-se do poder extraeconômico para impor sua força e nesse contexto o país deveria passar por uma profunda reforma agrária de modo a romper com os laços pré-capitalistas no campo e rumar para um modelo mais desenvolvido.

Caio Prado discordou categoricamente dessa visão. Para este autor, a reforma agrária era importante, mas não essencial, pois o país passou por uma colonização capita- lista e por isso era necessário estender ao campo instrumentos de proteção legal ao trabalhador rural de modo a formalizar as relações de trabalho presentes no mundo rural e melhorar o padrão de vida dos trabalhadores.

Para Ignácio Rangel, a reforma agrária ganhou uma dimensão nova ao se mostrar ser também uma forma de contribuir para questões urbanas como o desemprego e a informalidade nas cidades, ou seja, contribuiria para evitar o êxodo rural e o aden- samento populacional e os baixos salários urbanos.

Por fim, Furtado identificou na estrutura agrária nacional um componente de limita- ção ao desenvolvimento da indústria nacional, uma vez que, para ele, a produção agropecuária era inelástica à demanda urbana por alimentos e matérias-primas, e por isso a reforma agrária era também necessária.

Os quatro conjuntos de argumentações apresentados nesta aula podem assim ser resumidos: primeiro os defensores de uma reforma agrária antifeudal, defendida pelos intelectuais do PCB, dentre eles Alberto Passos Guimarães, baseada na ideia de que persistiam no Brasil restos feudais e por isso a reforma agrária deveria destruir o latifúndio, pois este era a expressão do feudalismo nacional. Outra corrente tinha como centro da análise uma reforma agrária anticapitalista, defendida por dissidentes do PCB, dentre eles Caio Prado Júnior, que, discordando do viés feudal da agricultura brasileira, propuseram alterações nas estruturas de poder no campo para beneficiar a classe trabalhadora em detrimento da burguesia agrária. Por outro lado,

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também tínhamos os defensores de uma reforma agrária como alavanca para o mercado interno nacional, advogada por economistas ligados à Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), entre os quais se destacava Celso Furtado. Segundo esta vertente de pensamento, umas das amarras do subdesenvolvimento nacional era a ausência de um mercado interno amplo, e, neste sentido, a reforma agrária poderia transformar camponeses pobres em pequenos proprietários com poder de consumo (STÉDILE, 1997, p. 15). O debate contou também com uma importante contribuição de Ignácio Rangel, autor que buscou mostrar as relações entre a questão agrária e a questão urbana e associar a concentração da estrutura agrária brasileira com o subemprego ou trabalho precário nos centros urbanos.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

A próxima aula terá como contexto o Brasil no período posterior à implan- tação da ditadura militar, ou seja, pós-1964. Foi nesse período que o modelo baseado no aumento da produção e produtividade sem alterações na estru- tura fundiária passou a ser a opção e o foco das políticas públicas nacionais.

objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

reconhecer o processo de modernização agrícola e as consequências derivadas desse modelo;

identificar as inovações institucionais ocorridas no período;

compreender o processo que deu origem à formação dos complexos agroindustriais no Brasil.

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