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A CONSTITUIÇÃO E A REFORMA AGRÁRIA: INSTRUMENTOS LEGAIS PARA SUA REALIZAÇÃO

Reforma agrária: instrumentos, argumentos e controvérsias

A CONSTITUIÇÃO E A REFORMA AGRÁRIA: INSTRUMENTOS LEGAIS PARA SUA REALIZAÇÃO

Em termos legais, é no Capítulo III da Constituição Federal de 1988 que temos tratada a reforma agrária. O título desse capítulo cons- titucional é “Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária”, englobando os Artigos 184 a 191. Como o tema da reforma agrária é bastante polêmico, devemos entender como ele é tratado na Constituição para não cairmos no equívoco de aceitar ou rejeitar posições a favor ou contra apenas a partir do senso comum.

Já no seu artigo inicial, fica claro que compete à União a desapro- priação de imóveis rurais quando estes não cumprem sua função social, ou seja, os imóveis rurais devem cumprir função social. Continuando,

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a desapropriação se dará mediante prévia e justa indenização. Isto é importante, pois deixa claro que, mesmo que a terra não esteja cumprindo sua função social (que é produzir), o seu produtor será indenizado pela desapropriação feita pela União.

As terras são pagas em Títulos de Dívida Agrária (TDAs), mas as benfeitorias feitas são pagas em dinheiro. Os que recebem a terra desa- propriada estão impedidos de comercializar os lotes por um período de 10 anos, pois imóveis rurais que compõem a política de reforma agrária não podem ser negociados por este prazo.

Outra coisa importante: existem terras que não podem ser desti- nadas à reforma agrária, ou seja, nunca serão alvo de desapropriações; são elas: a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra propriedade produtiva. Em outras palavras, a pequena propriedade, fonte única de renda de seu possuidor, e a propriedade, independentemente de seu tamanho, que seja produtiva, não serão alvo de desapropriações.

Uma terra produtiva é uma terra que cumpre sua função social. O texto constitucional entende que, para cumprir sua função social, a propriedade rural deve atender aos seguintes requisitos:

1. aproveitamento racional e adequado;

2. utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

3. observância das disposições que regulam as relações de trabalho; 4. exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores.

Observados esses requisitos, podemos perceber que, para que um imóvel rural seja alvo de desapropriação para fins de reforma agrária, seu proprietário deixou a terra improdutiva ou não respeitou a legisla- ção ambiental ou, ainda, desrespeitou as leis trabalhistas. Entretanto, é comum que, mesmo incorrendo em alguns destes casos, o imóvel não seja destinado para fins de reforma agrária; entretanto, o mais difícil é provar que um imóvel rural é improdutivo.

Para efeitos legais, o Incra considera que uma propriedade é pro- dutiva se ela atinge 80% de Grau de Utilização da Terra (GTU) e 100% de Eficiência na Exploração (GEE).

Para se chegar ao GTU, é levada em consideração a porcentagem da área que é efetivamente utilizada sobre a área total aproveitável do

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imóvel. Ou seja, apenas 20% da propriedade pode, em tese, ser improdu- tiva, isto é, mesmo podendo ser utilizada, estar ociosa. O índice de 80% pode parecer alto à primeira vista; entretanto, cabe ressaltar que, além das culturas óbvias, como pastos e agricultura em geral, as matas nativas e plantadas são consideradas aproveitadas. Não obstante, são excluídas do cálculo do índice, por serem consideradas áreas não aproveitáveis, as áreas de proteção ambiental definidas por lei, instalações edificadas e áreas comprovadamente imprestáveis para atividades agropecuárias, florestais ou de extração.

Entretanto, o maior fator de polêmica é o GEE. Para se chegar à conclusão sobre o Grau de Eficiência na Exploração de determinado imóvel, a principal variável é o chamado Índice de Rendimento (IR). Este índice é calculado a partir da produtividade média das propriedades. Isto parece bastante lógico, não fosse o fato de que usamos até hoje os índices médios calculados com informações da década de 1970. Ou seja, para o Incra classificar um imóvel como produtivo ou improdutivo, ele leva em consi- deração o tamanho da produção e a tecnologia que o país tinha há mais de 35 anos, somado ao fato de que, segundo Ramos (2005), os dados colhidos nessa época foram declaratórios, isto é, foram informados pelos próprios proprietários. Um complicador adicional, segundo Ramos (2005, p. 24):

a classificação de um imóvel como improdutivo, com base nos dados cadastrais, não significa que ele será automática ou neces- sariamente desapropriado, já que o primeiro passo concreto para isso é a vistoria de fiscalização agronômica, que deve confirmar ou não aquela classificação. Por sua vez, essa vistoria só é feita depois de identificado e notificado o proprietário.

Visite a página do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e saiba mais sobre as políticas de reforma agrária e o ordenamento fundiário no país: http://www.incra.gov.br/.

Não obstante todas as dificuldades para desapropriar um imóvel rural, surgiram dificuldades adicionais em 1993. A lei que regulamen- tou os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária é a Lei n. 8.629/93, que teve adendos importantes no governo Fernando Hen-

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rique Cardoso, que editou, em 2001, a medida provisória MP 2.183- 56, determinando que “o imóvel rural objeto de invasão motivada por conflito agrário não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação”.

Ou seja, mesmo comprovadamente improdutiva, uma área, se ocupada por movimentos sociais, não será fiscalizada por dois anos. Além disso, ainda exclui os participantes da ocupação de áreas privadas ou prédios públicos do rol de possíveis beneficiados do programa de reforma agrária. Esta foi uma ação clara para criminalizar a luta pela terra e os líderes dos movimentos sociais, com o intuito retórico de diminuir os conflitos fundiários no Brasil.

Quais os obstáculos relacionados à desapropriação de imóveis para a realização da reforma agrária?

Resposta Comentada

O primeiro obstáculo é provar a improdutividade da área. O cálculo da produtivi- dade para verificar se um imóvel rural está ou não cumprindo sua função social é feito com base na produção da década de 1970, ou seja, um latifundiário que consiga mostrar que consegue produzir (com toda a tecnologia disponível que se tem hoje) o que se produzia em meados da década de 1970 não será desapro- priado, mesmo que esteja bem aquém da produtividade média atual. Outro fator que dificulta são os instrumentos introduzidos pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001, que impede vistoria por dois anos em áreas ocupadas por movimentos sociais, mesmo que estas sejam notoriamente improdutivas.

Atividade 2

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A REFORMA AGRÁRIA AINDA É VIÁVEL

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