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DA NEGAÇÃO DO TRABALHO À ECONOMIA E AGRICULTURA DE SUBSISTÊNCIA

e a agricultura no Brasil primário exportador

DA NEGAÇÃO DO TRABALHO À ECONOMIA E AGRICULTURA DE SUBSISTÊNCIA

O período agrário-exportador (1500-1930) é marcado por um conjunto de transformações políticas e econômicas de muita importância para o conjunto da nação. Os movimentos nativistas, os movimentos de libertação nacional, as rebeliões, o processo de independência e a emergência da República são alguns dos exemplos das transformações citadas. Para o que nos interessa neste apanhado vamos ressaltar a Lei de Terras de setembro de 1850 e a Lei Áurea, que aboliu a escravidão em maio de 1888.

A Lei de Terras, de 1850, constituiu o impedimento legal e econô- mico de acesso a terra por parte da população pobre, negra e indígena. Segundo sua própria apresentação, veio para disciplinar o uso das terras devolutas no Império. Em seus dois primeiros artigos, com a grafia da época, se lê:

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Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra.

Art. 2º Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nellas derribarem mattos ou lhes puzerem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de bemfeitorias, e de mais soffrerão a pena de dous a seis mezes do prisão e multa de 100$, além da satisfação do damno causado. Esta pena, porém, não terá logar nos actos possessorios entre heréos confinantes.

Esta população, que com a lei ficou sem posse e sem recursos financeiros para comprar terra, acabou se dirigindo aos centros urbanos, concretizando o primeiro êxodo rural com significância na história do Brasil. Este êxodo foi agravado quando, em 1888, aboliu-se a escravidão no país sem nenhuma resposta à questão do trabalho dos negros na nova realidade. Aliás, o papel das migrações de europeus, incentivada pelo governo, foi uma resposta de que a nova sociedade que se organizava não tinha pretensões de inserir os afrodescendentes na nova organização do trabalho, notadamente nas atividades rurais. Isto mostra que o êxodo rural é um fenômeno antigo no Brasil.

Este êxodo não foi caracterizado pela busca de melhores condições sociais e econômicas, mas sim porque era uma das poucas alternativas. Ou se buscava a sobrevivência em subocupações urbanas ou se buscava a sobrevivência praticando uma agricultura de subsistência.

Em outras palavras, a perda de oportunidades no campo não ocorreu concomitantemente ao aumento de oportunidades na cidade, causando, inclusive, com o aumento da oferta de trabalho e contingente populacional, uma redução nos rendimentos recebidos e encarecimento dos espaços urbanos, obrigando aos excluídos do campo também uma segregação socioespacial nas cidades.

A crescente generalização da propriedade privada da terra, a partir de 1850, com a confirmação do poder político dos grandes proprietários nas décadas seguintes e a emergência do trabalho livre a partir de 1888 se deram antes da urbanização da sociedade, de modo que pode-se afirmar que, para Maricato:

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AULA

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A tragédia urbana brasileira não é produto das décadas perdidas, portanto, tem suas raízes muito firmes em cinco séculos de forma- ção da sociedade brasileira, em especial a partir da privatização da terra (1850) e da emergência do trabalho livre (1888) (2001, p. 18)

Com o fim do trabalho escravo e a introdução da Lei de Terras no Brasil passamos a uma situação marcada pelos homens livres do trabalho

compulsório e terra escrava compulsoriamente do capital. Assim, criava-se

um mercado consumidor amplo, consolidando efetivamente um capitalis- mo interno, mesmo que dependente e associado aos interesses externos e marcado por graves problemas estruturais que jamais seriam enfrentados.

Segundo Benjamim et al.,

Assim como a solução das elites para a questão da escravatura se desdobrou em questão agrária a partir da segunda metade do século XIX, a questão agrária jamais solucionada se desdobrou em questão urbana na segunda metade do século XX (1998, p. 87).

O êxodo rural brasileiro, portanto, foi precoce. Com a limita- ção financeira ao acesso às terras, houve um fortalecimento, de modo legal e estrutural, ao latifúndio no campo brasileiro. O contingente de ex-escravos passou a ter nos núcleos urbanos algumas poucas oportu- nidades de trabalho.

Obviamente, não foi o espaço urbano o depositário de todo o contingente populacional que saiu dos latifúndios, muito menos as atividades urbanas foram as únicas alternativas para uma massa de despossuídos. Neste sentido, Delgado (2004) faz uma importante refle- xão sobre o setor agrícola de subsistência. Para demonstrar a relevância desse setor, o autor recuperou três dos principais pensadores nacionais que trataram do tema em suas diferentes interpretações, a saber: Caio Prado Júnior, Faoro e Furtado.

O setor de subsistência, para Delgado (2004), é um conjunto de atividades econômicas e relações de trabalho que propiciam meios de subsistência e/ou ocupação a parte expressiva da população. Entretanto, tais relações não são reguladas pelo contrato monetário de trabalho e não são, a priori, pensadas para fins lucrativos. O autor ainda adverte que tal conceito – economia de subsistência – foi tratado de modo residual por grande parte dos autores, sendo, muitas vezes, considerado apenas um apêndice dos setores dinâmicos e modernos do capitalismo.

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Para Caio Prado Júnior, a economia de subsistência estava à parte do tripé que sustentava a economia colonial, isto é, latifúndio,

monocultura e trabalho escravo. Sendo assim, o setor de subsistência,

na obra de Caio Prado, é tão somente atividade subsidiária, transitória historicamente e sem dinâmica própria. Faoro enxerga no latifúndio, quando da contração econômica deste, um eixo gravitacional no qual gira um conjunto de sem-terra. Nesse sentido, o setor de subsistência ganha dimensões extraeconômicas; contudo, o latifúndio, capturando a renda da terra, ganha dimensões econômicas novas, mesmo em períodos de contração econômica (DELGADO, 2004, p. 11).

Em Furtado, o setor de subsistência ganha maior relevância, pois é associado ao setor produtor de pequeno excedente monetário que, mesmo precário e de baixo nível técnico, é considerado como parte constitutiva da economia, primeiro colonial e depois nacional. A con- tribuição de Furtado é fundamental para o entendimento mais completo de uma importante associação histórica: a economia de subsistência e a agricultura itinerante (CANO, 2002).

O processo de formação e consolidação da empresa agrícola de exportação, para Furtado, conviveu bem com outras formas de agricul- tura que, segundo ele, moldaram a formação da maior parte de nossas estruturas sociais. A abundância de terras, associada à concentração da propriedade e à rarefação da população livre, permitiu que o avanço da fronteira agrícola fosse o meio utilizado para a maior acumulação desse capital mercantil com pouca introjeção de progresso técnico, fortalecendo as relações sociais alicerçadas no patrimonialismo, na submissão e na marginalidade social (CANO, 2002).

O setor de subsistência, alicerçado nas relações com o latifúndio monocultor, passou quase incólume às crises de exportação e às diversas mudanças de rota da política econômica nacional, como por exemplo o processo de industrialização levado a cabo pelo Estado a partir de 1930.

A clara manutenção da concentração da terra e da perpetuação de relações sociais calcadas no patriarcalismo e patrimonialismo, em meio a mudanças políticas significativas, confluiu para que, no início dos anos de 1930, surgissem os primeiros debates sobre a necessidade de reformar a estrutura agrária do país.

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A partir das interpretações apresentadas na aula, explique o que se pode entender por setor de subsistência.

Resposta Comentada

O setor ou agricultura de subsistência pode ser entendido como a agricultura praticada por aqueles que são alijados dos processos formais de trabalho ou não estão inseridos na economia capitalista propriamente dita como produtores de alguma mercadoria e acabam tendo sua força de trabalho superexplorada numa relação que muitas vezes é extraeconômica.

Esse conceito é tratado de modo diferenciado entre os principais autores que se preocuparam com a formação econômica do Brasil, mas em linhas gerais pode- mos dizer que, para Caio Prado Júnior, o setor de subsistência é uma atividade transitória historicamente e sem dinâmica própria. Já Faoro a enxerga como a atividade praticada por um conjunto de despossuídos sem-terra. É Furtado que dá mais ênfase na agricultura de subsistência, considerando-a parte da economia, mas que é praticada por produtores de baixo nível técnico e gerador de pequeno excedente econômico.

A partir do que foi apresentado podemos dizer que é a agricultura praticada por aqueles que foram penalizados pela elevada concentração da terra e pelas relações sociais calcadas na força do poder político ou econômico, tendo de trabalhar (ou produzir) quase que exclusivamente para manter condições mínimas de sua sobrevivência.

Atividade 4

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ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-1930: DA ARTICULAÇÃO

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