• Nenhum resultado encontrado

3 ANÁLISE DA COBERTURA DO MODERNO TEATRO BAIANO (1956-1961)

3.1 Tentativas de Espaço Fixo na Cobertura: Colunas, Suplementos e Críticas.

3.1.2 O Colunismo Social no Diário de Notícias: Krista e Hi-So

É importante caracterizar a contribuição das colunas sociais no período. Enquanto Sandra, no

A Tarde, divulga membros do comércio, da política e das famílias tradicionais e, dentro deste

recorte, aquilo que pudesse ser relacionar ao fazer teatral, Krista, no Diário de Notícias, promove os bastidores do mundo intelectual e artístico baiano, se baseando, sobretudo, nos eventos promovidos pela Universidade da Bahia. Analisar a sua atuação já seria um saboroso objeto de pesquisa, contudo, aqui nos concentraremos apenas nos comentários sobre o meio

203

Esta coluna repercute na coluna Revista Crítica, do Diário de Notícias, em 17 e 18 de dezembro de 1961. “Ainda sobre teatro, merece comentário amargo de RC a entrevista que a bem lançada colunista Tereza Sá fez com o acadêmico Afonso Ruy. O teatrólogo tradicional da Bahia falou, como sempre, acusando Deus e o mundo da falta de teatro nesta terra. Por fim, faltando à ética profissional, desrespeitou um profissional (polêmico, mas digno de respeito) como o sr. Martim Gonçalves. RC não tem partidos culturais: malha e elogia quem merece. Na segunda edição de sua crônica, Teresa Sá errou”.

do teatro. A coluna Hi-So, de Sylvio Lamenha, substituirá Krista, anos depois, tentando articular as duas propostas.

A partir do dia 05 de agosto de 1958, a então coluna Sociedade:Krista divulga e analisa a cena sócio-cultural com um estilo bastante peculiar. Sobre um curso de folclore realizado por Edson Carneiro na Escola de Teatro, por exemplo, assim o indica: “Desta forma, muitos baianos que botam cátedra sobre candomblé terão oportunidade de aprender alguma coisa sobre o assunto que bastante comentam e nada entendem...”204. Sem perder o bom humor,

Krista é espectadora privilegiada dos principais eventos, relacionamentos e brigas do ‘Avant-

garde’ baiano. Reclama das risadas nos espetáculos205, lista os inúmeros visitantes ilustres da Escola de Teatro e traça um raro perfil do universo que ali era vivido naqueles anos.

Segundo ela, o ano de 1959 será “o ano das bolsas”. É o que informa em nota do dia 05 de março de 1959, já que doze alunos de teatro devem fazer intercâmbio nos EUA. “Será esta a primeira turma formada pela Escola e eles deverão estar por lá logo depois da sua formatura. As outras duas bolsas já dadas: são as de Margarida Sá e Griselda Fraga, que em breve estarão na Inglaterra. Ficarão hospedadas num convento e a ida será em abril”. Porém, não temos informações se todas estas bolsas foram realmente efetivadas. De forma brejeira, comenta, em 03 de abril de 1959, que a Escola estava recheada de ‘lindas alunas’: Maria Simões, Eneida Cavalcante, Marta Overbeck, Lisette Fernandes (bolsista do Rio), Regina Nesser e Inessa Alfano. “Pena é que algumas delas (que talvez estejam lá por snobismo) não suportem a disciplina séria desta escola, e no meio do ano já tenham deixado o curso”. Sabemos, com isso, que outros alunos já haviam desistido da Escola, antes mesmo do célebre racha que gerou os Novos, em agosto deste mesmo ano. Resta lembrar que a citada aluna Marta Overbeck de fato abandona o curso em agosto.

Sobre a estréia de o Auto da Compadecida, comenta em 26 de maio 1959, que “foi também um sucesso social. O outro sucesso, o da encenação e interpretação da peça, eu não posso falar; sou aluna da Escola de Teatro (...) elogiar meu grupo é falta de modéstia”. Segundo ela, os intelectuais “habituées” estavam presentes: Vivaldo da Costa Lima, Jair Gramacho,

204

Nota publicada em 07 de agosto de 1958. Aos poucos, a coluna passa a ser chamada apenas de Krista. 205

Em 19 de agosto de 1959, assim comenta sobre a platéia de Um Bonde Chamado Desejo: “As risadinhas durante o espetáculo são irritantes e as pessoas que se dizem inteligentes deviam notar que Blanche é tragédia e não comicidade”.

Calazans Neto, Sante Scaldaferri, Godofredo Filho, Zezé Catharino, Genaro de Carvalho, Carlos Eduardo Rocha, entre outros. Em 01 de agosto de 1959 percebe que o “professor Martim está muito ocupado com a exposição da Bahia que levará para São Paulo. Essa será de fato uma exposição da Bahia, da vida e do que se faz na cidade, originalmente em todos os sentidos, diferentes dos habituais e cansativas folclóricas que se costumam fazer”. No dia 15 do mês seguinte, colhendo os fluidos da saída dos meninos que comporiam o Teatro dos Novos, comenta o aniversário de Martim. No sábado passado, “os alunos da ET reuniram-se todos, cantaram parabéns e deram ao professor Martim um bolo verde e enorme que era um trevo de quatro folhas. Eram vinte velas que ele apagou de dois sopros”. O professor fazia 40 anos.

Num balanço sobre o ano que passou, Krista destaca, em 1º de janeiro de 1960, os nomes que mais movimentaram a cultura local, entre eles: Maria Fernanda “famosa e temperamental atriz, esteve largando pluma em diferentes áreas”. Já o professor Martim “outra notícia constante durante o ano inteiro, devido aos sucessos e conflitos havidos na ET. Principalmente no período final, quando se formaram os primeiros alunos da Escola. Martim esteve em evidência, ocupando notícias em todos os jornais. E mais sendo grande motivo a exposição que realizou em São Paulo, junto com a Sra. Lina Bardi”.

Em 27 de fevereiro de 1960, ela se despede do público, afirmando que foi ‘extremamente cansativo’ criar, por dois anos, uma crônica diária. E descreve:

“No princípio, era preciso alguma coragem para arriscar o nome de alguém, muitas pessoas sérias e sóbrias se irritavam profundamente com a citação. Depois fomos vencendo e a rotina começou a ser invertida: Não íamos mais em busca da notícias, elas vinham ao nosso encontro. Motivo; a vaidade humana não tem limites. Jamais resiste a um elogio, embora fácil, como é o da crônica social”.

Avalia que, a rigor, não escreveu crônica social, “mas da cidade”. Já que a coluna “nasceu para falar de uma classe e aos poucos libertou-se”. Para finalizar, tece uma enorme lista de intelectuais e assuntos, com suas respectivas características. Entre eles:

“O mais bang-bang (Adroaldo Ribeiro Costa), (...) o ponto onde mais se fala da vida alheia é a porta da livraria Civilização Brasileira, (...) maiores tabus: Petrobrás e nacionalismo; bossa-nova e o concretismo (...) o campo onde mais se brigou foi o teatro (...) o órgão que mais luta é a ABES (...) a caldeira do nacionalismo é a Faculdade de Direito (...) a maior tristeza é ver edifícios modernos (horríveis) quebrando o invariável barroco da cidade”.

O papel que esta coluna desempenhou nos efervescentes anos de implantação do ideário moderno na Bahia realmente merece um estudo à parte. Contudo, adiantamos a percepção de que o colunismo antecipa inúmeros assuntos mais tarde tratados em matérias mais aprofundadas. Além do que, pela agilidade, o espaço funciona como um catalisador de informações que, como ela mesma destaca, já iam à sua procura.

Sylvio Lamenha inicia a Hi-So na edição de 03 e 04 de abril de 1960. Continua dialogando com o público intelectual, mas flerta abertamente com o colunismo social habitual. E, seja por conta de pressões editoriais ou pela percepção de que há teatro profissional nos Novos, também abre os olhos para as atividades que acontecem fora dos muros da Escola. Em 17 e 18 de abril, comenta sobre os Novos: “grupo teatral que, ano passado, apresentou a criação medieval, Auto da Natividade (com boa acolhida) volta a cena com o Casaco Encantado, trata-se de jovens que buscam teatro sério para o que empregam um notável senso de equipe”. Apesar disso, não arrefece no apoio em relação a Escola:

“E fale quem quiser falar: mas as promoções da Reitoria estão aí mesmo para quem quiser constatar. Es ta ET é um celeiro de autênticos artistas, que ali aliarão às naturais tendências, o traquejo técnico sem o qual não se faz arte, hoje em dia: os cursos de impostação, dicção, história do teatro e similares, coisa impossível na Salvador de uns dez ou 15 anos atrás, são hoje uma realidade palpável, que está dando (já) seus frutos. Formando jovens que querem realizar-se na arte, pela arte”. (Diário de Notícias, 21 de maio de 1960).

Curiosa é a lista que publica em 30 de setembro de 1960, com as regras mínimas para evitar gafes no teatro e no cinema. Vejamos algumas delas: se tiver que dormir que seja com discrição ou é melhor sair do espetáculo, não falar alto, não usar chapéu, não cumprimentar a todos, não mover muito os pés e braços quando estiver sentado, tomar cuidado com risos e aplausos, mascar chicles e pipocas com descrição. E o mais impressionante: “Não critique (em excesso) o filme (ou a peça) apresentada: lembre-se que há jornalistas por perto, que podem conhecer você e mais tarde transcrever suas declarações, o que as vezes não é muito oportuno”. Pela advertência, acreditamos que os jornalistas da época eram capazes de transformar em fontes, pessoas que fizessem qualquer comentário off-record.

Seus comentários revelam um tipo afetado e grandiloqüente. Sobre Paulo Gil Soares, autor da peça Evangelho de Couro, o seu primeiro texto, na época sendo ensaiado na Escola: “Lança- se assim, em alto estilo, na dimensão que consagrou Ibsen, Shaw e Wilde. E estamos evangelizados. Stop”. Num gênero entre o blasé e o irônico, afirma que, durante as apresentações, em francês, do grupo Les Comediens d’Orangerie, a “ETUB distribuirá um

roteiro mimeografado e quem não gostar da palavra no teatro, vê os atores e o mise-en-scène, fabulosos por sinal”.

Todavia é esse mesmo jeito jocoso que ajudará a envolver a montagem de A Ópera dos Três

Tostões num primeiro de muitos conflitos. Em nota de 09 de novembro de 1960, Lamenha

avisa que os ingressos para o espetáculo no “Castro Alves Theatre” já estão sendo vendidos. Observa, porém, que os comprados na Escola, custando 20 cruzeiros cada, são para os espetáculos que ocorrerão depois. “Agora, para primeira noite, as Voluntárias Sociais estão vendendo ingressos a 500 (meia abóbora, pois), para reverter em suas meritórias obras”. Acrescenta ainda que não será exigido black-tie, mas os trajes devem ser escuros. Quatro dias depois, procura destrinchar o imbróglio que sua informação causara:

“Analisem os fatos, e vejam de quem é a culpa (exclusiva): para a Avant-

premiere da Ópera, de B(astold) B(recht), na terça próxima, a Escola de Teatro

da Universidade da Bahia havia entregue às Voluntárias Sociais ingressos para serem vendidos a 500 (meia abóbora), tudo revertendo para as filantrópicas campanhas das Voluntárias, com a primeira-dama do estado, Lady Lavínia Magalhães, à frente. Pois bem: certos personagens do Hi-So local acharam alto o preço (????) e tanto deitaram a lamentar que as Voluntárias Sociais concordaram em deixar os ingressos por 200. Com a informação hi-soniana, porém, de que, após a noite de estréia, os ingressos custariam 20, que fizeram essas criaturas? Devolveram os bilhetes, alegando que ‘prefeririam ir depois na base das vinte pratas’. É o caso da celebre inquirição: ora por quem sois avarentos? Não vistes o alcance de uma promoção filantrópica? Estais inclusos em meu Canhenho (sic) Negro – pois, pois, Hi-So quedou irremediavelmente triste com vosso gesto. Um

mauvais, um três mauvais geste. Bad, bad, bad.”.

Por conta dos altos preços cobrados à elite baiana para assistir uma peça de Brecht, a recepção à encenação já começa num clima de animosidade. Mais tarde, a crítica ainda comentará o ‘abuso’ de o evento ser apresentado num teatro semi-destruído e com os espectadores sentados em ‘desconfortáveis’ arquibancadas de madeira206. O espetáculo, já o dissemos, foi o primeiro da Escola a cobrar pelos ingressos. A questão é que a coluna Hi-So (que insinuara que o preço negociado pelas Voluntárias estava alto) antecipa uma informação que termina

atrapalhando as vendas para a estréia. No episódio mesmo que procura instituir o teatro profissional pago em Salvador, vemos a falta de sensibilidade da imprensa (e de outros

206

“Uma arquibancada de madeira está servindo para que o público assista a uma peça que se recomenda à Delegacia do Serviço de Censura e Diversões Públicas”, no A Tarde, em 25 de novembro de 1960.

setores, claro) para lidar com a tentativa de ‘mercantilização’ da cultura. Este será apenas o primeiro capítulo da histórica recepção de A Ópera dos Três Tostões na cidade.