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3 ANÁLISE DA COBERTURA DO MODERNO TEATRO BAIANO (1956-1961)

3.4 A Passagem do Teatro de Arena

A visita do Teatro de Arena a Salvador chama atenção pela ampla cobertura. Entre agosto e outubro de 1957, movimentou nada menos que cinco grandes reportagens no Diário de

Notícias e uma no A Tarde, além de diversas notas e fotos-legenda. Em 18 de agosto de 1957,

vemos no Diário de Notícias o diretor e idealizador do grupo José Renato fazendo contatos com o governo e Universidade para trazer à Bahia a excursão. Explica a procura do apoio público porque “a despeito do Teatro de Arena ser um grupo profissional as suas possibilidades financeiras são reduzidas”. Nesta matéria, Renato fala sobre a criação do grupo, idealizado para que fossem vencidos os obstáculos financeiros, já que não trabalha com palco nem cenários, apenas com iluminação e trajes. Ressaltando que monta tanto textos clássicos quanto modernos, antecipa seu repertório para a cidade.235

Em 25 de setembro de 1957, com a equipe já em Salvador, retoma estes pontos e os amplia. Destaca que a idéia da arena é originária dos EUA e Europa, e que foi selecionado um repertório:

“(...) que refletisse verdadeira e profunda experiência humana - contrapondo-o às deliciosas comédias que faziam rir muito, procurando um limite, sempre dentro das dificuldades financeiras que o nosso teatro impõe para o preço dos ingressos, tirando de sua organização toda a possibilidade de aparecimento do

235 A temporada baiana do Teatro de Arena aconteceu entre 10 e 25 de outubro de 1957, na boate do Hotel da Bahia e o ingresso custou cem cruzeiros. Foram, ao todo, cinco peças, doze atores, três diretores, um espetáculo de poesia e mímica. No programa: Ratos e Homens, de John Steinbeck, direção de Augusto Boal, tradução de Brutus Pedreira; Uma Mulher e Três

Palhaços, de Marcel Achard, direção de José Renato; À Margem da Vida, de Thorthon Wilder, também dirigida por José

Renato; Marido Magro, Mulher Chata, escrita e dirigida por Boal; Só o Faraó tem Alma, de Silveira Sampaio, por José Renato; Um espetáculo de poesia e outro de mímica, dirigidos por Sadi Cabral. No elenco: Riva Nimitz, Suzy Arruda, Vera Gertel, Flávio Migliaccio, Geraldo Ferraz, Gianfrancesco Guarnieri, José Renato, José Gerber, Milton Gonçalves, Oduvaldo Viana Filho, Romeu Brisco e Sérgio Rosa.

individualismo – baseando-se numa equipe – uma família voltada para os problemas do nosso teatro, da nossa dramaturgia”.

Revela ainda que o Arena conseguiu aportar na cidade, graças ao patrocínio “exclusivo” da Reitoria da Universidade da Bahia.236 Citando os prêmios do grupo, o texto informa que realizaram um curso prático de teatro de caráter coletivo com mais de 80 alunos e fala sobre as viagens para o interior de São Paulo:

“O Teatro de Arena de SP é uma reunião de jovens – jovens mesmo – entusiasmados, apaixonados pelo teatro, entregando toda sua vida para a construção do teatro brasileiro, que tenha suas raízes – só assim poderá ser teatro – dentro das aspirações, da maneira de ser, do povo brasileiro”.

Lembremos apenas que esta temporada acontece antes da montagem de Black-tie. No dia seguinte, 26 de setembro de 1957, uma reportagem de mais de meia página é publicada no

Diário de Notícias sob o título ‘O mais jovem elenco de SP’. O texto retoma o histórico da

formação do grupo, suas iniciativas nestes três anos e a experiência de José Renato na Escola de Arte Dramática, de Alfredo Mesquita. Tendo Renato como fonte, comenta sobre o trabalho dos outros dois diretores do grupo, Augusto Boal e Sadi Cabral. Segundo ele, o Teatro de Arena “orgulha-se de ser o primeiro conjunto teatral profissional paulista a patrocinar cursos de divulgação teatral. Em um ano e meio de atividades, já organizou os seguintes cursos:

Método de Stanislavski, com o professor Júlio Gouveia, Dramaturgia, com Boal e um Curso Prático de Teatro, ainda em realização”. E destaca: “O Arena segue um plano que objetiva a

divulgação teatral em geral e da forma circular em particular”.

Outra reportagem de meia página aparece no Letras e Artes, em 06 de outubro de 1957, dando ênfase às questões sobre escolha do repertório. Para o grupo, é através destas escolhas que “o teatro colabora com a construção cultural e educativa de um povo (...) Com peças que refletem verdadeiras experiências humanas, aprofundando-se na vida, ao lado de outras que nada mais pretendem que fazer rir”. No domingo seguinte, também no Letras e Artes, de 13 de outubro de 1957, uma matéria de meia página, recheada de fotos, repercute a iniciativa e

236 Em carta à mãe, enviada em 19 de outubro de 1957, Oduvaldo Vianna Filho fala sobre a viagem à Salvador: “Fomos a Abaeté – ônibus especial fretado pela Reitoria – , nadamos, jogamos bola, comemos num restaurante que dá vista para o mar – o mar daqui é nativo, quebra entre palmeiras – sem guarda-sóis, sem fiscais da morte da gente – , é puro. A coisa melhorou em todos os sentidos. Conhecemos Caribé e Mário Cravo – famosos artistas baianos – , que nos levaram a uma capoeira (depois eu faço a capoeira direitinho para vocês). Domingo parece que vamos a um candomblé. A Bahia é irresistível. Tem Brasil, tem verde e amarelo, é verde e amarela, não é? Valeu a pena”. MORAES, Denis. Vianinha – Cúmplice da paixão. Rio de Janeiro: Record, 2000. p.70.

analisa o grupo, sob o título ‘Teatro sem palco e sem cenário, mas um teatro de primeira ordem’. Afirmando que o teatro em arena não é novidade em países ‘civilizados’, mas que “agora surge tão bem ajustado ao teatro contemporâneo, moderno e revolucionário”. Segundo a matéria, “por eles passam autores modernos e os mestres conhecidos”:

“O grupo paulista representa sem dúvida o movimento de vanguarda em que idealismo e a vontade de fazer teatro sério não se divorciam dos problemas financeiros (...) é um teatro jovem. Jovens idealistas quase todos com 20 e 22 anos, universitários, que resolveram deixar os bancos das escolas, para dedicar- se, inteiramente, ao teatro como profissionais, mas, antes de tudo, como profissionais idealistas. No grupo não há estrelismos, vaidades, lugares de destaque: atores servem de porteiro, fazem ‘pontas’ e papéis principais”.

Segundo José Renato: “procuramos fazer um teatro popular. Um bom teatro ao alcance de todos (...) Aqui os problemas de fins de ato e mudança de ação são resolvidos simplesmente, pelo jogo de luz e pelas ‘cortinas musicais’”. Para Gianfrancesco Guarnieri, uma das “grandes coisas do Arena (...) é o maior contato com o público. Ele está à nossa frente, ao redor de nós, como numa reunião familiar, sem máscaras e sem distância”. Diante disso, a matéria conclui, afirmando que: “não há dúvida que no Teatro de Arena está superado todo o falso realismo do teatro comum”.237

A única matéria no A Tarde sobre o grupo aparece no dia 11 de outubro de 1957, com o título ‘Jovens paulistas estréiam na Bahia o Teatro de Arena’. O texto, que traz foto dos atores com a promotora do TCB, Nair da Costa e Silva, informa que eles visitaram a redação do jornal. “É este o único teatro de arena existente no Brasil e o terceiro da América do Sul, sendo fundado há três anos na capital bandeirante”. Destaca parte do histórico, elenco e informa que as “apresentações do teatro de arena nesta capital serão patrocinadas pela Escola Dramática (sic) da Universidade da Bahia”.

Não podemos quantificar ao certo quais as influências do Arena no teatro baiano daqueles anos. Contudo, vimos que os jovens paulistas fizeram contato com atores e professores em

237 “A temporada em Salvador, a mais esperada da viagem (ao Nordeste), não rendeu financeiramente tanto quanto José Renato imaginara, mas, do ponto de vista artístico, foi compensadora. O público aplaudiu de pé e os jornais estamparam comentários elogiosos. A Rádio Clube cedeu 15 minutos diários a um programa produzido e redigido por Vianinha e Guarnieri sobre as propostas do Arena. Por outro lado, valeu a pena o contato com movimentos culturais locais, como a Jogralesca, que reunia poetas, músicos e pessoal de teatro, entre os quais um rapaz que Guarnieri definiu como ‘muito preocupado com o Brasil’: Glauber Rocha”. MORAES, Denis. Vianinha – Cúmplice da paixão. Rio de Janeiro: Record, 2000. p.69.

Salvador, mais tarde retomado durante a passagem da UNE-Volante, para a criação do CPC. Um depoimento do jornalista paraibano Paulo Pontes pode nos ajudar a compreender um pouco melhor o que significavam essas visitas do Arena pelo país:

“Quando o pessoal do Teatro de Arena viajava pelo interior, criava em torno de si, em cada cidade, durante seis, oito, dez dias, um verdadeiro centro de estudos, debatendo, transmitindo experiência, vendo de perto as condições de vida dessa abundante geografia humana do Brasil e recolhendo, da cultura do povo, o material vivo para a sua dramaturgia. Vianinha representava um papel fundamental nessas excursões, porque era dotado de rara capacidade de diálogo, com esse ser humano especial que é o jovem artista imaturo, indeciso, inseguro de suas possibilidades (....) Vianinha era mestre na arte de dar ao jovem artista a certeza de que tinha talento para escrever sobre a sua realidade”. (MORAES, 2000: p.72).