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1.4 Os Grupos pós Escola de Teatro.

1.4.1 Sociedade Teatro dos Novos

A primeira companhia profissional de Salvador tem origem a partir da saída da Escola do grupo de alunos liderados por João Augusto104. Dos quinze estudantes que abandonaram a unidade, seis formaram o núcleo central da Sociedade Teatro dos Novos: Carlos Petrovich, Othon Bastos, Carmem Bittencourt, Sônia Robatto, Tereza Sá e Ecchio Reis105. Mais tarde, os Novos contariam ainda com a participação dos atores Mario Gadelha, Mário Gusmão, Maria Manoela e Wilson Mello.

Os Novos estréiam com o Auto de Nascimento, escrito por Sônia Robatto e com direção de João Augusto, ainda em novembro de 1959. O espetáculo, que teve estréia em Itabuna, realizou uma frutífera temporada por cidades do interior como Ilhéus, Mataripe, Pojuca, Catu e Itaparica. Em Salvador, se apresentariam durante as festas de Natal do mesmo ano, no Instituto Normal. Com o Casaco Encantado, de Lucia Benedetti, os Novos enveredam pelo

104 Em 1963, João Augusto voltou a lecionar na Escola de Teatro, mas continuou defendendo “veementemente o teatro amador, como única forma possível de sobrevivência saudável da linguagem”. Nos próximos anos, será o representante do Serviço Nacional do Teatro, na capital, sendo também o primeiro diretor do Teatro Castro Alves.

teatro infantil, estreando em abril de 1960. Desta vez, a direção ficou a cargo de Carlos Petrovich. Ainda em 60, o grupo apresenta O Romance de Mariana e Galvan, com texto e encenação de João Augusto, em Ouro Preto, num convite da atriz e ex-professora da Escola, Domitila Amaral. Em novembro de 1960, apresentam na TV-Itapoan, sob a direção de Mecenas Marcos, o teleteatro Coração Delator, uma adaptação de Edgar Alan Poe.

Em 1961, os Novos intensificam a produção. Estréiam, em janeiro, o espetáculo Brasil

Antigo, com três textos de um ato dirigidos por Othon Bastos: A Corda do Enforcado, de J. B.

Mattos Moreira; Antes da Missa, de Machado de Assis; e 223 por 225, de Bartolomeu de Magalhães. O grupo também encena ao ar livre e com o apoio da Prefeitura o espetáculo

História da Paixão do Senhor, direção e texto de João Augusto adaptado dos autores Arnaoul

Greban, Jacopone di Todi e Paul Claudel106. Foi durante esta temporada que os Novos sugeriram à imprensa a criação de uma Associação de Críticos de Teatro. Veremos adiante que a idéia chegou a ser debatida pelos jornais, mais não foi levada adiante.

A Farsa do Mestre Pathelin, um texto medieval de autor desconhecido, tem direção também

de João Augusto e ótima acolhida do público. O Diário de Notícias, de 07 de julho de 1961, abre espaço para que os Novos expliquem suas opções. Com a palavra, Sônia Robatto: “Escolhemos A Farsa do Mestre Pathelin devido à facilidade de aceitação popular. Trata-se de uma comédia em que todos os personagens são trapaceiros, procurando cada um deles enganar o outro da forma mais curiosa possível. Surge do contexto uma série de intrigas que dão à peça uma seqüência bastante divertida”. Logo depois, montam Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado. Ainda em setembro deste ano, pedem ao governador Juracy Magalhães um terreno, no Passeio Público, onde pretendem construir um teatro. Nos próximos anos, o grupo realizará as leituras de O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues e de três peças de Bertold Brecht (Terror e Miséria no III Reich, Cabeças Redondas e Cabeças Pontudas e Os

Fuzis da Senhora Carrar), além da montagem do texto Da Necessidade de Ser Polígamo, de

Silveira Sampaio. Os Novos inauguram com Eles Não Usam Black-tie, o Teatro Vila Velha, em 31 de julho de 1964, após intensas campanhas107. Ainda este ano, os baianos Caetano

106

O grupo se apresenta para mais de 15 mil pessoas nos bairros de Brotas, São Caetano e Garcia. 107 Como as campanhas ‘Ajude os Novos a dar um teatro à Bahia’ e a Campanha da Cadeira.

Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa, Gilberto Gil, Tom Zé, entre outros, realizaram neste palco o show Nós, por exemplo, e fizeram história na música popular brasileira.

Em 1966, João cria com os Novos, o Teatro de Cordel, trazendo para a cena os conhecidos folhetos populares nordestinos. Já o Teatro Livre da Bahia, surge em 1968, numa associação da atriz Sônia dos Humildes com o diretor Alberto d’Aversa, que morre logo depois. João assume este grupo, em 1970, e cria um núcleo de teatro de rua. João Augusto dirige ambos os grupos até 25 de novembro de 1979, quando falece vitimado por um câncer. O Teatro Vila Velha ainda será administrado pelos atores Benvindo Siqueira e Carlos Petrovich, e, no final dos anos 80, têm suas atividades bastante reduzidas. Revigora a sua atuação na cidade com a reinauguração de sua caixa cênica central, entre outras iniciativas, em 05 de maio de 1998.

Em outro trecho da entrevista já citada anteriormente (AUGUSTO, 1968), João Augusto afirma que os Novos continuaram o movimento de renovação teatral iniciado por Afonso Ruy, no Fantoches, em 1950, percurso, segundo ele, mais tarde seguido por Martim Gonçalves, à frente da Escola de Teatro. Apesar de não reconhecer que a mudança de perspectiva e consciência teatral acontece efetivamente apenas através da série de montagens/atividades da Escola, João Augusto nos dá pistas para compreender o projeto da Sociedade Teatro dos Novos, como pertencente a um movimento muito mais amplo que se processava há alguns anos nas artes cênicas de Salvador, e que nos anos 60 se encontrava mais afinado com o cenário teatral brasileiro e mundial.

De fato, há, sobretudo nos primeiros anos do grupo, a repercussão de soluções técnicas de Martim Gonçalves quando à frente da Escola de Teatro. Antes da aquisição de um espaço, o Teatro Vila Velha, os Novos também apresentam peças populares nas ruas, praças e adros de igrejas. Optam, não raras vezes, por autos e comédias medievais, textos de rápida comunicação com o público mais amplo, trabalhando ainda com autores já encenados pela Escola, como Paul Claudel (adaptado por João Augusto para História da Paixão do Senhor) e Maria Clara Machado (Pluft, o Fantasminha). Obviamente radicalizam a opção pelo texto nacional (exceção aberta apenas para Brecht, nas leituras) e pelo elenco ‘baiano’, também trabalhando, agora mais metodicamente, a literatura cordel nos palcos.

O que nos leva a compreender a ruptura que se processou com a Escola de Teatro, condição originante do grupo, mais do que profundamente estética, de ordem político-administrativa. Os Novos continuaram com o mais “antigo” ideário moderno, tão bem ensinado pela Escola:

um palco, uma equipe fixa e um encenador de personalidade dando coesão aos elementos cênicos. Leão (2003) acredita inclusive que, “mesmo buscando identidade, pode-se afirmar que existe nos primórdios dos Novos ecos da proposta de Martim Gonçalves”. Nos anos posteriores, o grupo vai mergulhar mais decisivamente nas questões sociais que abalam o país e ganha autonomia, realizando grande intercâmbio com iniciativas paulistas e cariocas, como o Teatro Oficina, o Teatro de Arena e o Centro Popular de Cultura.