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2 O CONTEXTO SOCIOECONÔMICO E A ATIVIDADE JORNALÍSTICA

2.3 Jornalismo Baiano na Década de

2.3.1 Os Jornais do Período

Cinco jornais diários circulam em Salvador entre 1956 e 1961. São eles: Estado da Bahia,

Diário da Bahia, Jornal da Bahia, Diário de Notícias e A Tarde. O Estado da Bahia foi

lançado por Marques dos Reis em janeiro de 1933, é adquirido, mais tarde, como o vespertino das Emissoras e Diários Associados, e existe até 1970. O Diário da Bahia foi fundado por Demétrio Ciriaco Tourinho e Manoel Jesuíno Ferreira em janeiro de 1856155. Este periódico, que chegou a pertencer a Severino Vieira, não acompanha o processo de atualização dos demais impressos baianos e é fechado, com pouco mais de cem anos, em 1958.

Quanto ao matutino Jornal da Bahia foi criado, em 21 de setembro de 1958, para concorrer com o também matutino Diário de Notícias, numa época que o horário de circulação definia o perfil do veículo. Aos poucos, ameaça também o poderoso jornal A Tarde. O jornalista João Batista de Lima e Silva foi seu primeiro chefe de redação, tendo ainda Inácio de Alencar como secretário e Ariovaldo Mattos na chefia de reportagem. Entre os redatores, muitos vinham da geração Mapa: Glauber Rocha, Calazans Neto, Paulo Gil, Florisvaldo Mattos, João

155 SILVA, Kátia Maria de Carvalho. O Diário da Bahia e o Século XIX. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro/ INL, 1979. SOUZA, Antonio Loureiro de. Apontamentos Para História da Imprensa na Bahia. Universitas. Revista de Cultura da Universidade Federal da Bahia, no. 12/13, maio/dezembro 1972. SANTOS, José Weliton Aragão dos. Formação da Grande

Carlos Teixeira Gomes e Fernando da Rocha Peres. Em fevereiro de 1959, parte da turma, exceto os dois últimos, migra para o Diário de Notícias, acompanhando Inácio de Alencar.156 O Jornal da Bahia foi o primeiro matutino do estado a sair às segundas-feiras. Fato que obrigou o vespertino A Tarde a lançar uma edição dominical (em abril de 1959) e o Diário de

Notícias a batalhar por edições com chamadas para domingo e segunda. “O Jornal da Bahia

chegou mesmo para balançar a estrutura. Uma das conseqüências diretas de sua atuação foi o fechamento do Diário da Bahia que não acompanhou as inovações da concorrência”, opina Florisvaldo.

Seu proprietário, o ex-militante do Partido Comunista Brasileiro João Falcão, idealizou um jornal moderno para a imprensa soteropolitana, com novos quadros, novos redatores e novo estilo. Tanto que o Jornal da Bahia já nasceu estruturado em editorias, mesmo que embrionárias, e com textos escritos com a técnica da pirâmide invertida. “Para a Bahia foi uma novidade: a matéria limpa, abrindo já para o fato, sem nariz de cera e com lead completo”, complementa Florisvaldo. Tecnicamente foi também o Jornal da Bahia que instituiu a diagramação prévia nos jornais da capital (GOMES, 2001: p.39). Antes a diagramação não era feita na redação, com mais tempo e cuidado, mas nas oficinas de impressão com as matérias já compostas em chumbo e distribuídas num retângulo de ferro chamado ‘rama’. O Jornal da Bahia valorizou o uso de fotos e a compactação dos títulos, evitando o emprego de artigos nas chamadas. Ao longo da década de 70, o periódico travou uma intensa luta política contra o então prefeito Antonio Carlos Magalhães, através do seu redator-chefe, João Carlos Teixeira Gomes. Após uma série de mudanças acionárias nos anos seguintes, fecharia sob a administração de Mário Kertesz, em 1993.

2.3.1.1 Os Jornais Analisados: Nossa abordagem se concentra na cobertura teatral dos jornais Diário de Notícias e A Tarde, entre os anos de 1956 e 1961. A partir de entrevistas a contemporâneos e pela própria repercussão que eles causaram na produção artística, é possível afirmar que, na década de 50, estes eram os jornais mais lidos pela população de Salvador, a despeito da chegada do

inovador Jornal da Bahia, em 1958. O Diário de Notícias era o matutino local das Emissoras

e Diários Associados, do empresário Assis Chateaubriand, enquanto o vespertino A Tarde

pertencia, como pertence, à família do baiano Ernesto Simões Filho, seu fundador.

O que é primeiramente notável no comportamento dos jornais em foco é a diferença de

engajamento em relação às inovações artísticas e culturais que se processavam na cidade.

Enquanto o Diário de Notícias estava completamente integrado neste movimento, sendo inclusive co-formador do rico processo socio-cultural-estético que abala a capital nos anos 50/60, o A Tarde, não raro, dava mostras de desconforto e inépcia no trato dos temas e atividades, como notaremos nos próximos capítulos. Vejamos agora um pouco mais dos seus históricos e do perfil de suas redações.

A Diário de Notícias

O Diário de Notícias é fundado em 1º de março de 1875 pelo português Manuel da Silva Lopes Cardoso. É incorporado às Emissoras e Diários Associados, em 1943, tendo, anos antes, como um de seus diretores, o então futuro governador Antonio Balbino. Em Salvador, o jornal completa um século de existência, deixando de ser impresso em junho de 1981. Contudo, ainda no final dos anos 50 o Diário de Notícias possui uma tiragem média de 15 mil exemplares diários157. Durante todo o período estudado, seu diretor-chefe é o pernambucano Odorico Tavares.

O jornalista Florisvaldo Mattos trabalhou no Diário de Notícias entre os anos de 1959 a 1963. Em sua opinião, a redação do jornal trabalhava como se tivesse um compromisso direto com as temáticas e discussões propostas pela Universidade da Bahia naqueles anos.

“A gente que trabalhava no Diário de Notícias estava imbuído da idéia de que consolidava a implantação do modernismo na Bahia e, como conseqüência, havia maior interesse da Universidade, da Escola de Teatro, em divulgar pelo

Diário de Notícias. Além disso, os Diários Associados tinham vários veículos,

uma rede com muito poder, envolvendo dois jornais, a Rádio Sociedade e a TV- Itapoan. O espectro de divulgação era muito maior. Contudo, os Associados eram contra as reformas de base, os movimentos das liga camponesas do Nordeste e o movimento sindical. Eram revolucionários só do ponto de vista cultural, mas não do político. Nacionalmente eram ligados à UDN”.

Essa situação paradoxal, que dá mostras de como o Diário de Notícias pertencia a uma burguesia moderada, a princípio não impediu que as inovações artísticas fossem divulgadas:

“O pessoal que trabalhava no Diário de Notícias era muito avançado culturalmente, talvez até mais do que o do Jornal da Bahia, que era mais avançado politicamente. Mas era o pessoal vindo do Jornal da Bahia, aquela gente nova, com muita abertura e trânsito na Universidade. E o Odorico também era muito interessado em arte moderna, sobretudo nas artes plásticas. Por conta de suas relações de amizade, por seus próprios interesses artísticos, queria que se divulgasse, que se apoiasse todo esse movimento que vinha da Universidade. Foi amigo pessoal de Edgar Santos, a quem apoiou até o último instante”.

Antes desses férteis anos, o Diário de Notícias já possuía um histórico de pioneirismo e respeito junto à população baiana. O seu primeiro número foi impresso à mão158 em quatro páginas, num total de quatro mil exemplares. É curioso perceber o que traziam estas quatro folhas: na primeira, notas de agências; na segunda e terceira, telegramas do exterior; e, na quarta, eram impressos os anúncios locais. Por conta disto, o Diário de Notícias inovou o jornalismo baiano ao introduzir a anúncio pago. Por isso, e segundo seus próprios dizeres, “o periódico nasce comercial, noticioso e recreativo”, inspirado nos jornais de Lisboa, Paris e Madri. “Não pertencendo à facção política, não quebra lança por nenhum partido”, sendo vendido a seis reis159. O momento de transição desta fase artesanal para a industrial, já com uso de linotipos, ocorre em 30 de abril de 1919, quando a empresa deficitária, agora em posse de Vicente Ferreira Lins do Amaral, é vendida para um grupo que tem como incorporador Altamirando Requião.

B A Tarde

O jornal A Tarde foi fundado pelo advogado e político Ernesto Simões Filho em 15 de outubro de 1912. Na década de 1950, tirava 30 mil exemplares diários, sendo já o de maior alcance na Bahia. Hoje é o único veículo do estado auditado pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), possuindo uma tiragem média, nos dias de semana, de 40 mil exemplares e, aos domingos, de 100 mil exemplares.

158

Matéria comemorativa sobre ‘Jornalismo na Bahia 1875-1960’, assinada por Aloísio de Carvalho, impressa no Diário de

Notícias, de 06 e 07 de março de 1960.

No início do século XX, Simões Filho inovou ao colocar o jornal em funcionamento através de um empreendimento com capital individual. O A Tarde “se orgulhava de não contar com o ‘bafejo oficial’ em sua empresa. Isto porque, durante muitos anos na situação, o Partido Democrata financiou o jornal O Democrata e eram muitas as denúncias veiculadas no Diário

da Bahia e Diário de Notícias de que o partido da situação não poupava publicidade e

recursos diretos para jornais que lhes eram simpáticos” (SANTOS, 1985). O jornal também inovou o mercado publicitário da época ao introduzir uma prática muito em voga na Europa, que consistia na publicação de reportagens de interesse comercial ou pessoal desde que devidamente pagas. Sendo, então, um pioneiro na instituição da hoje conhecida “matéria paga” (Idem).

O prestígio conservador de A Tarde não impede que ele seja o jornal mais lido e com melhor distribuição na década de 1950 (GOMES, 2001: p.38). Já nestes anos, publica uma concorrida página de classificados que, até hoje, lhe garante sustentação financeira. Apesar do domínio no mercado e das seguras articulações políticas, entre 1956 e 1961, ainda faz um jornal à antiga, no que diz respeito à estrutura de sua redação e na produção de textos. No período estudado, fazem parte da equipe do A Tarde: Ranulfo Oliveira, diretor do jornal; Jorge Calmon, redator-chefe; Joaquim Alves Cruz Rios, secretário de redação; e Aldebarã Barbosa e Giovaldo Monteiro, chefes de reportagem., além dos chefes de seções, já que não havia editorias.160 A primeira vez que o A Tarde contratou um chefe de reportagem, o Aldebarã Barbosa, foi em 1958, uma conseqüência direta das inovações técnicas então introduzidas pelo Jornal da Bahia. O perfil conservador de sua administração também se revela nas escolhas de sua cobertura, como destrincha Mattos.

“O A Tarde sempre se caracterizou como um jornal conservador, de linha academicista, contra o modernismo. O que era, de certa forma, uma contradição já que ele foi o primeiro jornal baiano a apoiar a primeira exposição de um artista modernista, José Guimarães, isso no hall de sua sede, ainda na Praça Castro Alves, em 1932. Mas era contra as audácias modernistas, toda aquela atitude de transgressão. O teatro que valorizava era aquele ultrapassado, a música, a trazida pela Scab, custeada por gente da alta. As pessoas que mandavam no jornal tinham mais identidade com estéticas conservadoras e acadêmicas, do que com qualquer modernismo. Então ficava mais fácil trabalhar no Diário de Notícias nesta época, porque aí s e conseguia divulgar. A Tarde não

se interessava muito. Mas como Edgar era um político, ele divulgava as coisas da Universidade lá, para não ficar para trás.”

Em quase um século de vida, o jornal A Tarde sempre esteve numa posição de defesa dos próprios interesses e negócios. Em relação às manifestações políticas sempre defendeu o

status quo vigente. (MIRANDA, 2001). No final nos anos 1990, o jornal passa a enfrentar

problemas financeiros pela primeira vez na sua história, a partir da disputa pessoal entre um dos seus diretores, Cruz Rios, e Antonio Carlos Magalhães. A publicidade oficial deixa de fazer parte de sua receita, o que leva o jornal a iniciar o século XXI fazendo oposição ao Carlismo.