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3 ANÁLISE DA COBERTURA DO MODERNO TEATRO BAIANO (1956-1961)

3.5 Os Primeiros Anos do Teatro dos Novos

A primeira companhia profissional da Bahia, a Sociedade Teatro dos Novos, foi formada a partir do rompimento do professor João Augusto e de alguns alunos da primeira turma a ser graduada pela Escola de Teatro. Sobre este acontecimento, matéria do A Tarde de outubro de 1959238, informa que uma comissão de quinze estudantes apelava à imprensa depois “de esperarem solução” para o problema. Meses antes, o mesmo jornal já teria noticiado a suspensão da peça Um Bonde Chamado Desejo, sem maiores explicações, porque os alunos estavam “com medo de represálias”. Mas, desta vez, explicavam que na ocasião haviam se retirado “da escola em sinal de protesto ao tratamento desabonador de Martim Gonçalves contra nossos colegas e ex-professores”.239

Segundo a matéria, os estudantes se encontravam num impasse porque haviam mandado ofícios para a Reitoria, renunciando a conclusão do curso enquanto o diretor não esclarecesse oficialmente o caso, como prometido. Uma solução intermediária havia sido proposta pelo vice-reitor, Orlando Gomes, mas os alunos não aceitaram porque não se retirava as acusações

238

Esta matéria, sem data definida, foi retirada do site do Teatro Vila Velha, em 21 de novembro de 2005. Relembramos que os exemplares relativos aos últimos meses de 1959 do A Tarde, arquivados tanto na Biblioteca Pública dos Barris quanto no Instituto Geográfico e Histórico, estão sem condição de uso e já não podem mais ser consultados.

239 De acordo com a matéria, após uma denúncia da atriz Maria Fernanda de que haveria sabotagem no espetáculo, uma reunião fora marcada para esclarecer o problema. Segundo os estudantes, o assistente de direção Nilton Person foi chamado antes por Martim e dissera-lhe que os acidentes haviam sido previstos pelo próprio Charles McGaw , devido à falta de experiência com o aparelhamento eletrônico. Nesta reunião, os estudantes teriam sido agredidos moralmente, “pois o diretor falava aos gritos, inclusive ofendendo também aos professores. Ao chamar os professores Gianni Ratto e Domitila Amaral de desonestos, os alunos começaram a abandonar a sala, tendo o diretor Martim Gonçalves proferido aos berros a seguinte frase: ‘São estes mesmos que eu queria expulsar’”.

contra eles. O reitor também haveria pago, à revelia do diretor Martim, os dois meses de salário aos alunos que também são funcionários. Em depoimento à reportagem, eles:

“(...) concluíram dizendo que a interrupção da peça foi feita pelo próprio Martim Gonçalves que, depois de colocar um aviso na porta anunciando a suspensão do espetáculo no dia do incidente, desrespeitou a ordem do reitor que os ma ndou de volta à escola, após tomar conhecimento do fato, porém foram expulsos e proibidos de entrar ali pelo senhor Gonçalves”.

Os estudantes ainda destacam que a Escola de Teatro não possuía Diretório Acadêmico por proibição de Martim Gonçalves e que já se dirigiram oficialmente à União dos Estudantes da Bahia (UEB) para resolver o problema. Na matéria não há declaração de nenhum professor, inclusive de Martim Gonçalves, apenas publicando a versão dos autores da denúncia.

Após esta série de incidentes, parte do grupo, já como Teatro dos Novos vai aparecer na cobertura estudada quase um ano depois, através de notas que dão conta de sua primeira montagem, Auto do Nascimento240, de Sônia Robatto, com direção de João Augusto. O espetáculo, que tivera estréia em Itabuna, percorreria outras cidades do interior baiano. Em 04 de dezembro de 1960, o A Tarde traz matéria informando a nova peça do grupo, Brasil

Antigo, em janeiro de 1961 no Oceania. Este texto destaca o elenco241 e avisa que eles estão num espaço provisório, num velho casarão na Graça. No dia seguinte, a coluna CRT traz foto dos Novos em sua sede. Ainda em dezembro de 1960, notinhas repercutem o primeiro aniversário do grupo (Hi-So, no Diário de Notícias, 14 de dezembro) e a estréia de Brasil

Antigo (Hi-So, 30 de dezembro), com foto do espetáculo (A Tarde, 25 de dezembro).

Se, logo após a crise, a cobertura dos Novos na imprensa é pequena, no início de 1961 notamos que o Diário de Notícias amplia este espaço. De fato, já observamos sobre a inflexão deste jornal em relação a Martim Gonçalves, no final de 1960, após a apresentação da Ópera. Na edição de 08 e 09 de janeiro de 1961, uma matéria de página três informa que o grupo continua em cartaz. E destaca: “Iniciado de um encontro realizado dentro de um grupo outro de teatro (sic) participam os moços (...) (da) aventura de um grupo próprio, o que resultou nas encenações primeiras que foram levadas para o interior do estado (...) e que tenta solução

240

Alguns textos falam em Auto da Natividade. 241

Carlos Petrovich, Ecchio Reis, Carmen Bittencourt, Nevolanda Amorim, Marta Overbeck e Othon Bastos. Atores convidados: Mario Gadelha e Wilson Mello

profissional para suas encenações”. O texto, que evita citar o nome da Escola de Teatro, informa ainda que os Novos já se apresentaram na TV-Itapoan.

Não podemos deixar de notar que os jornais alimentam mais ainda a rivalidade entre os grupos que, como já apontamos, em seus primeiros anos, possuem mais afinidades poéticas, do que divergências. A coluna CRT, no A Tarde, em 06 de março de 1961, vai justificar a repercussão que dá às iniciativas do grupo: “A atenção que vimos dedicando, nestas colunas, à Sociedade Teatro dos Novos, não resulta de quaisquer circunstâncias de ordem pessoal, no caso, de simpatia pelos que criam e dirigem a sociedade, ou antipatia a grupos que com ela antipatizem”. E explicita: “Nosso propósito é de apoiar e estimular a todos quantos, com seriedade, lutem pelo teatro na Bahia”. Afirma que há singularidade na tentativa de “organização de um conjunto profissional, de caráter permanente e dedicado a fazer teatro”. E anuncia que comentará oportunamente a proposta do grupo para criação de uma Associação Baiana de Críticos Teatrais.

O mês de março de 1961 vem recheado de notas, fotos-legenda e matérias sobre os Novos. A coluna Hi-So informa que os ensaios da História da Paixão já começaram, reunindo textos de autores medievais e do moderno Paul Claudel (10 de março). No dia seguinte, enfatiza que o espetáculo será patrocinado pelo Departamento de Turismo da Prefeitura em locais públicos. “A escolha recaiu nos bairros de maior população e o critério seletivo baseou-se em condições mínimas necessárias a montagem do espetáculo”. A coluna Revista Crítica242, do Diário de

Notícias, elogia, em 18 de março, a iniciativa de levar teatro ao povo, um grave problema da

cultura brasileira. Em 22 de março de 1961, os Novos ganham um comentário na coluna Rosa

dos Ventos, assinada por Odorico Tavares.

“O que pareceu um grupo de indisciplinados, em determinado momento, inclusive a nós, era, realmente, uma equipe de moços possuídos da mais pura vocação teatral. E tanto era que, obrigados a deixar a escola que cursava por forças das circunstâncias, hoje, tão bem situadas, levaram avante um programa de trabalhos em favor do teatro, de mais puro idealismo”.

Agora, em paralelo à crítica a administração de Martim (como veremos no próximo capítulo), a Rosa dos Ventos faz verdadeira campanha em prol dos Novos. Em 04 de abril de 1961: “O

242

A coluna Revista Crítica surge no Suplemento Dominical do Diário de Notícias, de 09 e 10 de outubro de 1960. Volta-se aos poucos para a publicação de notas culturais, sobretudo ligadas à literatura.

sucesso dos Novos foi justo e merecido (...) É um exemplo para aqueles que contaram com as benesses da fortuna, tendo sedes luxuosas e se fecham em copas, num diletantismo pretensioso, fazendo teatro para meia dúzia de afortunados críticos de arte do sul, sempre convidados a deitar ditirambos a vaidades doentias. A prova amarga que passaram os Novos dão-lhes categoria para assegurar em suas mãos a liderança do teatro em nossa cidade tornando-os um instrumento magnífico de comunicação com o povo”. Afirmando que “o tempo provou o real caráter do grupo”, Odorico relembra: “Fui um dos que participei como jornalista, de um dos mais lamentáveis equívocos, a respeito desses jovens. (...) O tempo demonstrou o erro lamentável: estes moços eram eles próprios o sangue e a carne de uma escola, que, depois, deles iria viver artificialmente, trazendo sempre elementos estranhos, dentro de um regime de fartura, para poder sobreviver, de ano para ano”.

No artigo ‘Voto de Louvor’, em 13 de julho de 1961, continua: “O reitor da Universidade da Bahia que entra imediatamente em fase concreta de prestigiar os Novos e pediu-me que fosse eu o primeiro a noticiar o fato”, teria autorizado “espetáculos para o povo” subvencionados na Casa da França. Em ‘O Reitor e os Novos’, de 04 de agosto de 1961, convoca o reitor a ajudar os Novos e explicita: “A Universidade tem dinheiro e muito, e basta ver o luxo asiático com que sua Escola de Teatro (hoje escola ou companhia teatral) leva avante seu ‘programa’: à tripa forra, gastando o que quer e bem entende. Bastava o dinheiro das despesas com que a ET paga idas e vindas de pessoas para assistir suas pecinhas, a fim de que ‘os novos’ alcançassem o seu sério, decente e vigoroso programa de trabalho”.

O próximo espetáculo do grupo, a comédia medieval A Farsa do Mestre Pathelin, também ganha boa repercussão nos jornais. Em 07 de julho de 1961, matéria do Diário de Notícias fala sobre sua estréia243, tema e ficha técnica. E analisa que, mesmo compreendendo o teatro dentro de uma visão profissional, o grupo dos Novos não “esquece o altruísmo de sua função. Por isso é que apresentarão as suas exibições de pré-estréia em benefício do Instituto dos Cegos da Bahia”. Os Novos recebem ainda a página central (dupla) do suplemento A Tarde

para Domingo, de 15 e 16 de julho de 1961, com o título ‘O sol dos Novos brilha sobre o

teatro da Bahia’. “Apesar de estarmos começando, tudo indica que no futuro a Bahia terá seu

243

Uma foto legenda publicada no Diário de Notícias, de 12 de julho de 1961, faz questão de afirmar que estiveram presentes na estréia o governador do estado, Juracy Magalhães, e o reitor, Edgar Santos.

lugar ao sol, seu teatro próprio independente, teatro que refletirá as necessidades, os anseios, os meios e os problemas de nossa gente”. O discurso do grupo reforça o teatro de equipe e popular: “Onde a dedicação e o amor ao trabalho, à camaradagem e o respeito mútuo reforçam a vontade firme de fazer o bom teatro”. A matéria traça um bom retrospecto do grupo até então.

Até o final de 1961, os Novos apresentariam ainda O Casaco Encantado, de Lúcia Benedetti, em bairros como Alagados e Plataforma, e Pluft – o Fantasminha, de Maria Clara Machado. Tais peças recebem pequenas notas ressaltando datas, elenco e horários. Nota do Diário de

Notícias, de 31 de agosto de 1961, ainda cita a leitura de O Beijo no Asfalto, de Nelson

Rodrigues. A coluna DN-Teatro, de Carlos Falck, comenta Pluft em 26 e 27 de novembro de 1961. Elogia os atores e o cenário de João Augusto, faz uma pequena ressalva (“um tanto parecido com a montagem de O Tablado”). E se pergunta: “Como falar de um espetáculo bem feito? Que dizer de uma arte jovem, vindo de um grupo de idealistas que, no palco, vive a própria vida”.