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3 ANÁLISE DA COBERTURA DO MODERNO TEATRO BAIANO (1956-1961)

3.1 Tentativas de Espaço Fixo na Cobertura: Colunas, Suplementos e Críticas.

3.1.1 O Colunismo Teatral no A Tarde: CRT e 7 dias

A coluna Cinema, Rádio e Teatro existe no A Tarde já em janeiro de 1956. Assinada por Carlos Coelho, pretende ser diária, mas sai com mais freqüência nas terças e sextas, se fixando na página seis. Traz comumente pequenas notas de divulgação e comentários sobre as três áreas, nem todas as informações sendo referentes a Salvador. Na parte teatral, observa-se que Nair da Costa e Silva é uma fonte bastante presente194. Não raro informando sobre o cenário pernambucano e sobre a situação dos grupos amadores em outros estados.

Durante a coordenação de Carlos Coelho, a CRT dará amplo espaço para os amadores. Merece destaque os preparativos e a repercussão do I Festival de Teatro Amador da Bahia, que ocorre no início de julho de 1956. Apesar do diminuto espaço, Coelho não se furta em comentar cada um dos espetáculos. Sobre o TAB, que monta Paternidade, peça de August Strindberg, acha que “seja um drama pesadão e bolorento. Os amadores começaram a superestimar a acústica e estavam sussurrando” 195. Elogia genericamente os atores e comenta a direção. “Muitas pessoas foram da opinião que o diretor Luiz Costa poderia ter conduzido melhor o terceiro ato, que não chega a convencer, embora tenha um ou dois suspenses que, se bem explorados, o levantariam muito”. Já o ponto alto do Festival teria sido a apresentação da ópera Cavaleria Rusticana, um espetáculo não-concorrente:

“Meus conhecimentos de música, infelizmente, não passam muito além do reconhecimento de um escrita musical. Nem as claves, que são aquelas letrinhas complicadas e sinais no início da pauta, sei identificar. Mas – palavra de honra! – sei reconhecer um bom espetáculo. (...) Gostei de ver Adeodato Madureira fazendo o Alfio, firme (...) Se houver um astro, porém, este foi o maestro Mário de Bruno, que, como regente, dava tudo a todos, a tempo e a hora. Suas mãos falavam: ‘É você! Tenha calma... Entre agora! Mais rápido! Cuidado!’” (A

Tarde, 06 de julho de 1956).

Mesmo assumindo sua ignorância na área de teatro e música, e tendo pouco espaço para comentários de maior fôlego sobre as encenações, Coelho faz um balanço ácido sobre o festival dos amadores, em 09 de julho de 1956: “jamais qualquer grupo amador baiano esteve

194

Em 04 de outubro de 1956, a própria CRT, agora assinada por Celsius, anuncia que Carlos Coelho embarca com Nair e o TCB para o II Festiva Nortista de Teatro Amador.

tão perto da crítica popular e se sentiu tão vulnerável a ela”. E continua: “(...) por serem amadores, esses grupos cênicos eram invariavelmente acarinhados e aos artistas jamais se dizia outra coisa senão elogios, num mau sentido do estímulo”. Como resultado, havia “amadores, na Bahia, que, por falta de quem os criticasse, se julgavam grandes artistas, como se grandes artistas pudessem ser feitos sem escola”. Quanto ao presidente da Federação Baiana de Amadores, Emílio Fontes, teria mandado “buscar elementos de maior experiência, em centros artísticos mais adiantados, para orientar os grupos que iam se exibir”, porém, com ‘arrogância’, “nenhum dos grupos aceitou essa colaboração”.

Depois desses comentários, Coelho não terá mais sossego. Nas colunas seguintes, só faz se defender dos contra-ataques: “Confesso que fiquei decepcionado com a mentalidade de alguns artistas amadores (...). Envaidecidos como pavões, ante elogios fartos e imerecidos (...), passaram a hostilizar a crítica da imprensa”. E volta à carga: “Os amadores baianos não estudam. Nada conhecem da história do teatro (...) Não sabem como evoluiu a arte cênica, nem o que dela se pode esperar”. Quanto aos amadores idealistas, “seu trabalho fica escondido por detrás das rodas coloridas dos pavões, que, sempre inflados de vaidade, esperam ser arremessados, após cada atuação, pela unanimidade da crítica, da intransigência de um lugar comum para a galeria dos gênios”196.

O embate esquenta, trazendo, nesta mesma edição, abaixo da CRT , uma segunda versão do Festival, positiva, agora assinada por M.Tarquínio. A abertura: “Não temos pretensão de ser crítico teatral ou de música (...) apreciamos como amador pelo prazer de ouvi-la”. Afirmando que não quer comparar, mas “aplaudir o esforço de todos”, acredita que “como não somos crítico, e a nossa opinião é de nenhuma valia, nos sentimos à vontade para destacar o que mais nos agradou e impressionou”. Fica claro que os amadores não estão apenas no palco.

Cerca de um mês depois desse episódio, Carlos Coelho é afastado da CRT, que passa a ser assinada por Celsius. A despedida, em 22 de agosto de 1956: “Outros deveres me foram conferidos pela direção do jornal, obrigando-me a este afastamento, que, confesso, me causa um certo pesar”. Já Celsius, nesta mesma coluna, assim se apresenta: “Sou um indivíduo mal humorado, rigoroso, não tenho pena de ninguém”. Em tom jocoso, acrescenta que estrangulou

um gato aos sete meses de idade. E provoca: “Pratico o halterofilismo, o que confere uma certa confiança nos meus músculos. Não tenho amigos no rádio, nem no cinema, nem no teatro – e a isso eu chamo independência”. Apesar da empáfia, a partir daí CRT passa a viver de notinhas de agências internacionais e pequenas notícias com a agenda dos amadores. Em 27 de março de 1957, Celsius sai sem grande alarde e a coluna passa a ser assinada por Marco Antonio, que não provoca grandes mudanças na linha anterior.

A partir de junho de 1959, a coluna mista de cinema, rádio e teatro deixa de existir. No dia 15, é criada a 7 dias no teatro, sem assinatura nos primeiros números, mas logo identificada a Adroaldo Ribeiro Costa197. Na verdade, a coluna 7 dias é uma série que, a depender do dia da semana, cobre as áreas de teatro, artes plásticas, ciência, livro, cultura e música.198 A despeito de não entendermos a categoria cultura lado-a-lado com as demais, a atitude mostra o esforço do A Tarde em acompanhar a rica cobertura cultural já desenvolvida pelo Diário de Notícias e

Jornal da Bahia. Em seu primeiro dia, a 7 dias no teatro se propõe a realizar um ‘fichário’

sobre o teatro baiano. “Que tem feito e que pretendem fazer os que teimam em realizar teatro na Bahia?(...) Valha a nossa intenção de estimular esses lutadores e alinhar subsídios para a história do desenvolvimento da arte cênica entre nós”. Para estimular a participação, traz no primeiro número as informações sobre a Hora da Criança, o seu próprio grupo.

Adroaldo continua a rotina de divulgar os amadores baianos e as companhias visitantes, mas reforça a publicação de acontecimentos recebidos pelas agências sobre o teatro mundial, não raro escritos em inglês, francês e espanhol, como vemos em 22 de junho de 1959199. Sabe-se que, geralmente, as informações chegavam ao jornal em inglês ou na língua pátria das agências internacionais. Elas eram repassadas em código morse para a redação e, aí, traduzidas. Caso isso não acontecesse, não tinha porque serem publicadas para o grande público. Mas é nesta mesma época, em meados de 1959, que a Escola de Teatro começa a organizar o I Seminário Internacional de Teatro. Seria, então, a forma que a 7 dias encontrou

197 Adroaldo já havia publicado matérias sobre teatro no mesmo jornal. Entre maio e agosto de 1958, por exemplo, assina a série ‘Vida e Morte do Teatro na Bahia’, com seis matérias sobre a história do teatro baiano. Publicadas no A Tarde Edição

Extra.

198 O A Tarde lança nesta data uma série de colunas 7 dias: segunda-feira, 7 dias no Teatro; terça, nas Artes plásticas; quarta, na Ciência; quinta, no Livro; sexta, na cultura; e sábado, na música.

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Em 22 de junho de 1959, traz citação em inglês de um autor chamado Joseph Wood Krutch. Na edição seguinte, traz uma nota toda escrita em francês, sem autoria. Em 30 de maio de 1960, publica um artigo em espanhol sobre Eugene O’Neill.

de mostrar que também acompanhava as reviravoltas do teatro mundial? Durante toda sua existência, a coluna continuará divulgando notas internacionais, contudo, traduzidas.

De todo modo, no dia 02 de maio de 1960, a 7 dias lança duas campanhas. A primeira incentivando crianças a escreverem textos sobre a peça infantil dos Novos, o Casaco

Encantado, de Lúcia Benedetti. E a segunda, promovendo uma rifa de coleção de cabeças de

alfinete. “Obteve a melhor repercussão a notícia de que a Hora da Criança iria promover rifa de preciosa coleção de quadros a óleo pintados em cabeça de alfinete, ora em exposição na Bahia”. Isso, ele explica, por dois motivos: “Fazer que fique em nosso estado originalíssima coleção” e, com o dinheiro, “auxiliar na construção do teatro da Hora da Criança”.

De dezembro de 1960 a abril do próximo ano, um dos assuntos mais constantes na 7 dias é a ida da opereta Narizinho, da Hora da Criança, para São Paulo. A apresentação, que faria parte do jubileu das bibliotecas infantis, porém termina sendo cancelada. Em nota de 10 de julho de 1961, Adroaldo desabafa: “Até hoje, 18 anos decorridos de sua fundação, (a Hora da Criança) ainda não recebeu nenhuma ajuda oficial”. Já a nota ‘Bom teatro na Universidade do Ceará’, de 19 de dezembro de 1960, avisa que esta instituição apresenta o Auto da Compadecida e a peça Britannicus, com o Les Comediens de L’Orangerie. Curioso é que a coluna não tenha feito qualquer referência ao mesmo grupo quando este se apresentou, meses antes, no teatro da Universidade da Bahia.200

Enquanto a Escola de Teatro explode em atividades e o Teatro dos Novos já se configura como um sério grupo profissional, a 7 dias continua promovendo a realização dos festivais de teatro amador. Em 24 de outubro de 1960, sobre o Festival do Clube Cruzeiro da Vitória, reproduz nota de seu idealizador, Paulo Serra, que reclama da: “ausência completa das autoridades, as quais tiveram convites especiais e não tiveram a cortesia de aparecerem mesmo na instalação, parecendo até que enquanto os particulares procuram o estímulo, a renovação da arte e cultura da Bahia, os poderes tolham, conspiram e tramam”. Os amadores mantêm o mesmo discurso queixoso das décadas passadas, sequer revendo o papel que agora

200

Em nota na coluna Hi-So, do Diário de Notícias, de 19 de maio de 1960: ‘Jean Racine em cinco atos na ET’. Em francês, os Les Comediens de L’Orangerie (que já haviam apresentado Claudel na Escola) apresentam Britannicus. “Vá buscar seu ingresso logo! Será, sem dúvida, uma esnobação pra quem só matraqueia o ‘portugalense vulgaris’. Todavia a ETUB distribuirá um roteiro mimeografado e quem não gostar da palavra no teatro, vê os atores e o mise-en-scéne, fabulosos por sinal.”

desempenham numa cidade em ebulição. Duas semanas depois, em 14 de novembro de 1960, a 7 dias publica a resposta de Floriano Serra, escolhido melhor ator deste Festival, a uma crítica lançada por outro amador, Walter Barros. “Frustrado é um termo bem mais adequado a profissionais interesseiros do que a amadores esforçados, corajosos, artistas muitas vezes improvisados. (...) Se não há talento, há, pelo menos, boa vontade”. Os amadores persistem na defesa e exigem financiamento público para o teatro diletante e não-profissional.

Adroaldo evita escrever diretamente sobre o trabalho de Martim201, mas sede o espaço para todos que assim o desejem em 05 de dezembro de 1960202. É através da 7 dias, que os textos de Paulo Francis serão republicados, isso já a partir da próxima edição, dia 12 de dezembro de 1960. Após o furacão que foi a saída de Martim, em agosto de 1961, a 7 dias volta a viver de notas de agências e informações sobre os amadores, até deixar de ser publicada, no final de novembro do mesmo ano.

Em 04 de dezembro de 1961, uma nova colunista assume o espaço teatral do A Tarde. É a atriz, membro dos Novos, Tereza Sá que já no primeiro dia explicita que não pretende fazer crítica de teatro: “Muito menos entrar em divagações metafísicas, poéticas ou filosóficas. A cronista não tem saúde para tanto. Pretende ser noticiosa (Rio, SP, Recife, exterior) e pesquisar as condições do teatro entre nós”. Daí então, se prontifica a realizar série de entrevistas com grupos amadores locais, para aferir seus “pensamentos, orientações e necessidades”. O mais incrível é que ela inicie a coluna de teatro, dois anos depois, com o mesmo procedimento de levantamento sobre os amadores proposto por Adroaldo, em 15 de junho de 1959. A consciência teatral não foi acumulada pelos jornais.

201

Numa rara vez que comenta diretamente sobre a Escola de Teatro, assim se expressa Adroaldo, dia 22 de agosto de 1960: “Quanto aos cursos especializados que a Universidade mantém para atores, diretores e cenaristas, podem valer apenas para efeito de exportação. Se não há teatros e consequentemente possibilidades de exercício normal daquelas atividades a iniciativa equivale a ensinar piano aos pigmeus da África e não levar um só instrumento para lá”.

202 Em 05 de dezembro de 1960, afirma que não foi ver A Ópera dos Três Tostões, mas justifica: “É claro que o Teatro Universitário necessariamente deve merecer a atenção de uma coluna especializada como essa. Acontece, todavia, que temos silenciado a esse respeito. Porque era do nosso desejo tratar do assunto, com a seriedade que ele merece, depois que tivéssemos todos os elementos para um bom ente de razão. Não é segredo para ninguém que o assunto Universidade da Bahia é quase sempre discutido em termos apaixonados, de louvação ou condenação sistemática. Não me agrada nenhuma das duas atitudes. Reservo-me, então, para em futuro próximo tecer uma série de considerações sobre o que a UB vem realizando em matéria de Teatro na Bahia. O que não impede de, a partir de hoje, franquear estas colunas ao colaboradores desta seção, a todos quantos desejem opinar com serenidade e objetividade sobre o assunto. Quanto a mim, falarei em tempo oportuno”.

Nas três edições que publica até o final do ano, traz entrevista e notas sobre o teatro amador e nacional. Em 11 de dezembro de 1961, Affonso Ruy afirma que é culpa dos poderes públicos, “a quase inexistência do teatro na Bahia”. Para ele, o declínio do teatro amador ocorre por falta de orientação, de palcos, da vaidade das estrelas e da pobreza dos grupos. Sobre a Escola de Teatro, acredita que merece aplausos, já que prestou relevantes serviços, embora faça restrições “e grandes” à direção de “Eros”. Quanto ao Teatro dos Novos, lhes falta maior apoio do governo e do povo. Contudo, o tom e o conteúdo do que Ruy afirma é criticado em outros jornais.203

Na semana seguinte, 18 de novembro de 1961, a coluna de Tereza Sá publica um texto crítico de autoria de João Augusto sobre o espetáculo As Mãos de Eurídice, de Rodolfo Mayer, no qual questiona o critério da vinda de ‘espetáculos do sul’ para a cidade. Na verdade, “improvisa-se companhias para explorar a praça”. Critica a crítica que elogiou o espetáculo e ironiza sua apresentação. “O êxito foi tão grande, a cortina do Oceania abriu tantas vezes que os três atores em cena devem ter se resfriado. Para o ano tem mais! Enquanto a erva cresce... O provérbio é algo bolorento. Obrigada pela ingenuidade de vocês”. Como seu antecessor, Tereza também abre a coluna para texto de terceiros.