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2 O CONTEXTO SOCIOECONÔMICO E A ATIVIDADE JORNALÍSTICA

2.2 Jornalismo: Construção de Narrativas

2.2.2 Notas sobre Jornalismo Cultural

Podemos encontrar rudimentos de um jornalismo cultural no século XVIII, no periódico inglês The Spectator, através da publicação dos ensaios de Richard Steele e Joseph Addison (PIZA, 2003). Tais textos versavam sobre livros, óperas, costumes, festivais de música e

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O Diário Carioca vai existir entre 1928 e 1965.

teatro, roupas da moda e comportamentos, numa repercussão dos interesses do homem moderno e urbano nascente e de suas relações intrínsecas com a cidade. Décadas mais tarde, em 1896, o The New York Times inaugura no jornalismo americano uma seção de crítica de livros. É neste jornal que na mesma época vai surgir o chamado suplemento cultural semanal, já submetido às novas exigências de categorização dos textos jornalísticos em informativo e opinativo (MIRANDA, 2001).

No bojo de suas práticas, comumente o jornalismo cultural repercutiu o ambiente e as expressões artísticas do repertório ocidental. De todo modo, analisando a história do jornalismo, podemos também perceber os diferentes enfoques que se dá à apresentação das notícias sobre cultura, que por sua vez acompanham as próprias definições sobre o que é cultura para uma dada sociedade. A publicação de notícias sobre a área de artes e letras através de jornais e folhetins atinge uma abrangência de público cada vez maior na virada do século XIX, mas os suplementos semanais culturais se tornam uma constante no jornalismo brasileiro apenas nos anos 50 do século XX. É quando os jornais brasileiros serão comumente divididos em duas seções. Um primeiro caderno com textos opinativos e notícias gerais, ao lado de um segundo caderno complementar, com matérias leves, de esporte, serviço e cultura. Aos domingos, eram publicados os suplementos ou cadernos de idéias, com textos de maior fôlego. É importante destacar que, somente na década de 1970, a imprensa irá trabalhar com os chamados segundos cadernos, ou seja, os espaços diários dedicados à cobertura cultural, tal como o conhecemos hoje.

Os suplementos culturais nacionais assumiram como função social o debate de idéias e a formação cultural dos seus leitores, nas décadas de 50 e 60. Esta que foi chamada de ‘grande época do jornalismo cultural’, apresentou autores que combinaram erudição e fôlego ensaístico, como: Graciliano Ramos, Antonio Callado, Carlos Drummond de Andrade, Aurélio Buarque de Holanda, entre outros (PIZA, 2003). Dois jornais merecem destaque pela constelação de autores e pela capacidade de repercussão de seus textos: Correio da Manhã e o

Jornal do Brasil. Nos anos 1950, temos como colaboradores do primeiro, nomes como Jose

Lino Grunewald, Carlos Heitor Cony, Nelson Rodrigues, Ruy Castro e Paulo Francis (este também no Diário Carioca). O Jornal do Brasil reuniu gente como a crítica Bárbara Heliodora (hoje escrevendo para O Globo), Glauber Rocha e Décio Pignatari. É conhecida a participação deste jornal no fortalecimento dos movimentos concretista, na poesia, e

cinemanovista, no audiovisual. Na área teatral, se destaca o crítico Décio de Almeida Prado, que trabalhou em O Estado de São Paulo, entre os anos 40 e 60.

Analisando a trajetória de Prado, Ana Bernstein (2005) define-a como uma recepção ativa e cúmplice, demonstrando a intensa relação entre a cena teatral e sua reflexão. Isso até 1968, quando o crítico abandona o jornalismo diário. Ícone mesmo do processo de consolidação do ideário moderno nas artes cênicas, Prado estabelece consistente debate sobre os espetáculos, em termos postulados implicitamente por ele, mas repercutindo as influências de teóricos como Louis Jouvet e Jacques Copeau. (Idem).

Segundo a autora, isto a que denominados ‘teatro brasileiro moderno’ foi constituído a um só tempo pela crítica e pela prática cênica. “São dois fatores inseparáveis de um mesmo movimento, que se vai desenhando à medida que estes aspectos interagem, num processo dialético” (BERNSTEIN, 2005: p.93). Aqui vale ressaltar as diferenças da cobertura teatral no jornalismo carioca e paulista, o que vai caracterizar o tom do debate sobre moderno teatro brasileiro nas duas cidades. Enquanto no Rio de Janeiro o tema era demolir a velha-guarda, representada pelo teatro de revista, em São Paulo, estava tudo por se formar, já que lá não havia teatro profissional. (MOURA, 1996).

Na década de 1970, os segundos cadernos irão ser impressos diariamente, isto a partir da exigência de formação profissional para trabalho na área jornalística e da constituição do trabalho interno das redações em editoriais específicas. É quando serão efetivadas as exigências de diagramação, impressão de imagens, uso do lead e titulação (MEDINA, 1978: p.93). A partir de então, o jornal passa a se pulverizar em cadernos e editorias, na tentativa de ampliar o público. Tais modificações são acompanhadas por uma relação maior e mais incisiva do departamento de marketing, na busca de novos leitores com a distribuição de brindes e fascículos. Em lugar dos suplementos culturais com críticas e análises aprofundadas, é a época do texto review, ou resenha, que se limita a uma sinopse do produto cultural acompanhada por breve trecho opinativo.

O tema cultural, assim, se torna uma área de especialização dos profissionais do jornalismo e não mais um espaço franqueado a intelectuais e pensadores. De modo genérico, a reflexão crítica e conceitual se restringe ao ambiente das revistas especializadas editadas pelos centros universitários. No jornalismo cultural contemporâneo, se vê mais visivelmente a pressão/determinação do mercado no agenciamento de pautas e na escolha de recortes

(MIRANDA, 2003). Vemos também como se constrói agora a relevância de um dado acontecimento, sendo que seu valor de notícia é constituído na interseção de produto sócio- cultural e mercadológico. Se o jornalismo contemporâneo é ditado pela agenda de lançamentos e eventos, o mesmo não acontecia com o jornalismo da década de 50 e 60, ainda na incipiente indústria cultural brasileira. Hoje, uma produção cultural sem assessoria de imprensa está fadada ao silêncio e a inexistência midiática.