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2 O CONTEXTO SOCIOECONÔMICO E A ATIVIDADE JORNALÍSTICA

2.2 Jornalismo: Construção de Narrativas

2.2.1 O Surgimento de Categorias: Informativo e Opinativo

As primeiras experiências de produção de conteúdo jornalístico, com formas híbridas, podem ser encontradas por meio de relatos de acontecimentos (corantos, newsbooks e pamphlets) muitas vezes direcionados para a defesa de alguma idéia (FRANCISCATO, 2005: p.26). Num momento inicial, o jornalismo atuou como importante canal para a manifestação da liberdade de imprensa e opinião, quando então era mantido por agremiações político-partidárias.

Segundo uma linha de historiadores, já no século XVIII, em diversos países europeus, os governos passam a instituir taxas, impostos e controles fiscais dando limites à atividade com objetivo de cerceamento político, inclusive com punição por excessos cometidos (MELO, 2003: p.22). Tais restrições fazem abrandar o jornalismo de opinião e estimulam o surgimento do chamado jornalismo de informação. “Não é sem razão que Samuel Buckley fareja a alternativa da informação como recurso capaz de garantir a sobrevivência do Daily Courant”

(Idem, p.23), jornal britânico que atravessou dificuldades financeiras em meados do século XVIII. De acordo com Kenneth Olson151, o inglês Buckley teria sido um dos primeiros editores a mostrar uma preocupação real com os fatos, optando por “imprimir notícias como notícias, sem comentários”, para se manter longe da polêmica propiciada pelo jornalismo opinativo. (Idem, p.24). A distinção entre news e comments acabaria por se impor como uma bipolarização do espaço jornalístico nos séculos posteriores.

Não obstante, o jornalismo dito informativo afigura-se como categoria hegemônica apenas no século XIX, quando a imprensa nos EUA assume produção industrial, convertendo a informação da atualidade em mercadoria. A primeira contribuição do jornalismo americano ao campo diz respeito à forma de custeio de sua produção. Se antes eram as agremiações, partidos e governos que promoviam sua existência, agora os jornais negociavam seus custos, no bom espírito liberal, com a comercialização do espaço livre para o anúncio de empresas e a venda avulsa para os cidadãos. Assim, nasce o jornalismo como empresa que visa o lucro. É também nos EUA que a categorização diferenciadora entre jornalismo informativo e opinativo será radicalizada, com as agências noticiosas européias e americanas fortalecendo o movimento. Os pressupostos para a construção de relatos ‘sem qualquer tipo de comentário’ ainda tem inspiração no novo invento da máquina fotográfica (TRAQUINA, 1993: p.167).

Por sua vez, a reflexão teórica posterior irá fortalecer e justificar a divisão em categorias já ocorrida na prática. Segundo esta, de um lado haveria o narrador objetivo, que apenas relata fatos, e, do outro, o jornalista que opina sobre os fenômenos sociais. A noção de objetividade surge neste período, associada à exigência de que a informação jornalística deva atender aos interesses sociais mais amplos, não mais servindo a pequenos grupos. Como vemos, o paradigma da objetividade é um espectro que acompanha a existência mesma do jornalismo como campo de produção discursiva. Cabe ressaltar que atualmente o paradigma da objetividade no jornalismo, como na atividade científica, é atravessado por críticas, sendo sua exigência também justificada como um traço de constrangimento da cultura profissional, intrinsecamente ligado à origem liberal da profissão (MOTTA, 2003).

Porém, quando surge no jornalismo, o paradigma da objetividade toma de empréstimo o então distanciamento exigido entre o cientista social e seu objeto. Quatro acontecimentos principais atuaram para sua adoção. Entre eles, o já citado advento das agências de notícias, o desenvolvimento técnico e industrial (sobretudo a invenção do telégrafo), a agilidade de informação necessária para cobrir as duas guerras mundiais e o advento da publicidade (AMARAL, 1996: p.26).

Vale notar que esta exigência paradigmática promoveu o fortalecimento de uma técnica específica de redação: a pirâmide invertida. (GENRO FILHO, 189). Esta técnica pontifica que o texto deve ser escrito numa hierarquia que parte do que é mais importante, para o menos relevante. Sendo que seu primeiro parágrafo, o lead ou cabeça, deve conter as respostas para as seguintes perguntas: O que? Onde? Quando? Como? Quem? Por quê? (RABAÇA & BARBOSA, 1987: p.361).

O formato da pirâmide invertida ainda vinha ao encontro de uma série de necessidades intrínsecas aos métodos de comunicação e diagramação da época. As interrupções telegráficas não eram incomuns, o que fazia que apenas metade da informação chegasse às redações. Se o mais importante viesse logo no começo, o núcleo a ser publicado estava garantido. Quanto ao jornal, era diagramado à medida que era finalizado, num sistema de encaixe de textos que, não raro, precisavam ser desmembrados em dois ou mais pedaços. As últimas partes, caso acabasse o espaço, corriam o risco de nunca serem publicadas. Mais uma vez, se no primeiro trecho estivesse o cerne da informação, a coerência textual não estava perdida.

No Brasil, o jornalismo surge marcadamente opinativo e político-partidário no século XIX (BAHIA, 1972). A imprensa militante inicia sua produção defendendo causas como a Abolição da Escravatura e o Regime Republicano. Não raro o parlamentar que defendia tais idéias, era um poeta e homem de imprensa, ligado de forma genérica ao “ambiente das letras”. (SODRÉ, 1966). Em nosso país, o surgimento do jornal como empresa ocorre por volta dos anos 1890. Tal modernização se dá através da compra de equipamentos de impressão e comunicação, mas, sobretudo pelo uso da propaganda como maior fonte de renda para o “jornalismo livre” de partidarismos. Apesar desta transição, promovida pelo avanço das relações capitalistas, o relacionamento dos jornais brasileiros com empresas e governos anunciantes colocam em cheque a efetivação de um jornalismo verdadeiramente liberal.

A primeira notícia redigida segundo a técnica da pirâmide invertida teria aparecido no The

New York Times, em abril de 1861 (GENRO FILHO, 1989). No Brasil, o lead foi introduzido

por Pompeu de Souza, chefe de redação do Diário Carioca, em 1950152. O formato viria substituir o nariz-de-cera, uma abertura-comentário, não raro, com especulações de ordem moral sobre o fato, que vinha apenas no fim do texto.

Também é no Diário Carioca que será adotada pela primeira vez a função de copidesque. O copidesque era o redator encarregado de reescrever as matérias dos repórteres, uniformizando-as segundo os novos critérios redacionais com objetivo de dar um ‘ar jornalístico’ aos textos, inclusive transformando press releases em matérias do jornal. No dizer de Amaral (1996, pp.74-75), “era o homem eleito para acabar com a literatice”, já que boa parte dos repórteres também eram escritores. Quando do seu surgimento, o dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues foi um dos que reagiram à nova ordem. Como nos lembra Ruy Castro em biografia sobre o autor153, Nelson apelidou os copidesques de ‘idiotas da objetividade’. De forma sarcástica, costumava dizer que se função já existisse, os Dez Mandamentos teriam sido reduzidos a cinco.

Apesar das críticas, as inovações são, aos poucos, implementadas. O Diário Carioca ainda é responsável pelo primeiro manual da imprensa brasileira, incluindo regras para a escrita de títulos. Para dar mais impacto às chamadas, a titulação passou a considerar o número de palavras empregadas, seu equilíbrio com o tamanho do texto, abolindo ainda o uso de artigos. Nas décadas seguintes, os demais jornais brasileiros vão adotar compassadamente o uso destas técnicas. Esta reforma de estilo, iniciada nos anos 50 para introduzir os métodos americanos já amplamente divulgados nos países desenvolvidos, só vai ter peso definitivo nos jornais brasileiros no início da década de 70 (SILVA, 1991).