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3 ANÁLISE DA COBERTURA DO MODERNO TEATRO BAIANO (1956-1961)

3.3 Entrevistas com Artistas e Técnicos Modernos

Entre 1956 e 1961, o Diário de Notícias publicou dezenas de entrevistas em formato texto com os artistas e técnicos que fizeram a renovação teatral baiana. Nomes como Domitila

Amaral, Luciana Petrucelli, Gianni Ratto, Antonio Callado, Charles McGaw, Stanley Richards, Juana de Laban, entre muitos outros228, mereceram, não raro, matérias de meia página, nos quais apresentaram seu histórico e ideário. Neste material, mais do que um direcionamento do jornal para o debate de temas, se percebe a abertura para que os mestres conduzam o pensamento, expondo, na área de atuação que lhes cabe, sua compreensão sobre o fazer teatral.

Já em março de 1956, o pintor e cenógrafo Santa Rosa realiza exposição na cidade e ressalta no Diário de Notícias a importância da crítica para o avanço da arte: “(a crítica) pode suscitar a compreensão das idéias internas da obra de arte, auxiliando o artista quando impessoal e construtiva, ou trazendo ao grande público o esclarecimento do significado social do seu conteúdo, ou particularmente dos elementos que constituem a autêntica elaboração artística”. Diz que a atividade está sendo substituída pelo “noticiário simplório e quase sempre malicioso, de ação indiscriminada, irresponsável e negativa”. Para ele, a crítica deve “discernir, incentivar e apoiar os verdadeiros valores jovens que surgem”. Alerta para a necessidade de formação também da crítica.

A partir de 1957, o noticiário se intensifica, com as contratações da Escola de Teatro229. Em agosto, nos dias 14 e 15, veremos Domitila Amaral e Luciana Petrucelli. A primeira é apresentada como atriz-professora do curso de improvisação, recém-chegada da Europa, onde reside há oito anos, especialmente para trabalhar na Escola. Fez cursos com Jean-Louis Barrault, em Stratford, e foi intérprete de Yerma, de Garcia Lorca, e Hedda Gabler, de Ibsen. Sobre o curso, avisa que seu objetivo é “abrir novos caminhos para o artista conseguir uma expressão mais espontânea com os próprios meios que dispõe, enfim libertá-lo das convenções impostas”. Quanto à Escola, considera “um dos movimentos mais importantes,

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Nestes anos, a Escola de Teatro promoveu séries de cursos com artistas visitantes. Em agosto de 1957, o diretor espanhol Luca de Tena fala sobre A Significação Atual dos Autores Clássicos e sobre O Teatro Espanhol Contemporâneo. O pintor húngaro Laszlo Meitner chega em outubro de 1958 para ministrar o curso sobre A Importância das Artes Plásticas no Teatro. O pintor francês Felix Labisse, cenógrafo e poeta, faz palestra sobre O Teatro e a Cenografia, em outubro de 1959. A artista plástica Beatrice Tanaka expõe cenários em abril de 1960, enquanto Norman Westwater, cenógrafo de Um Bonde Chamado

Desejo, dá curso avançado de cenografia. O auditório de Filosofia acolhe as conferências promovidas pela Escola de Teatro

sobre As Forças Renovadoras do Moderno Teatro Alemão, também em abril de 1960 (O Expressionismo e o Teatro de

Büchner, O Teatro Político Social de Brecht e A Mensagem Artística do Teatro de Brecht). A partir de junho de 1960, a

Escola promove a exibição de filmes franceses, ingleses, entre outros. 229

“A Escola de Teatro fundada pela Universidade vem proporcionando aos estudiosos a oportunidade de conhecer grandes figuras do Teatro Contemporâneo que aqui vem realizar cursos e conferências. Trata-se de uma iniciativa das mais louváveis e importantes em benefício da cultura baiana”. (Diário de Notícias, 14 de agosto de 1957).

capaz de criar uma cultura sólida de teatro e ensinamentos para os que pretendem abraçar esta arte”.

Luciana Petrucelli, professora do curso de história do traje, é apresentada como um nome experiente na cenografia, no desenho e na mise-en-scène, com passagens pelo Scala de Milão, já tendo trabalhado com Gianni Ratto, “famoso diretor teatral e hoje seu marido”. Sobre a importância do curso, afirma que os alunos “precisam estudar cronologicamente toda a história do traje, sua época, sua importância. É uma contribuição direta para a cultura teatral, enfim, para o comportamento do ator no papel que ele interpreta”.

Em 30 de março de 1958, sob o título ‘O teatro brasileiro sofre processo de involução’, o diretor Gianni Ratto, recém chegado à cidade, analisa o panorama do moderno teatro brasileiro à época. A involução seria devido à:

“(...) uma instintiva pressa que faz aparecer alcançada uma meta quando na realidade se parou a muitos metros de distância. (...) Os bons elementos, os que gostam de trabalhar dia-a-dia, tijolo a tijolo sofrem desta corrida desordenada na qual não existe exclusão de golpes e tudo é cego e confuso. Se um autor aparece é levado às estrelas, mas se logo depois seu produto não constitui ‘obra -prima’ todos se jogam em cima dele acusando-o. O teatro brasileiro sofre de pressa (...) Culpados desta situação são o s medíocres, os que vivem à margem do teatro sem uma definição clara. Gente que se auto-elege crítico, autor ou técnico sem ser nada de tudo isso, nem fazendo nada para conseguir sê-lo. Culpada principal é a imprensa, assim dita especializada que excluídos poucos nomes procura servir interesses pessoais e se preocupar de destruir os adversários”.

O escritor Antônio Callado aparece em 18 de abril de 1958, “entusiasmado com o ensaio que acabara de assistir de Senhorita Júlia, que será encenada na semana vindoura pelo grupo de

amadores”. O autor brasileiro afirma que vem se dedicando cada vez mais ao teatro e elogia o

trabalho da Escola. Questionado sobre a montagem da peça sueca, afirma que o “teatro brasileiro não tem tradição e, por isso, lhe respondo a pergunta dizendo que é indispensável a representação de peças estrangeiras entre nós”. Também opina sobre o TCA: “É um teatro para a população de Londres, tal o seu tamanho e isso é o que amedronta, pois a manutenção não será fácil”.

Ao comentarem sobre a importância da crítica, do autor estrangeiro e a função do TCA, as entrevistas de Ratto e Callado dão uma mostra de como estes textos funcionavam como importante termômetro sobre os temas e técnicas que estavam sendo debatidos na renovação teatral da cidade. A questão do nacionalismo na dramaturgia e na encenação será um outro assunto recorrente. No bojo do lançamento de Um Bonde Chamado Desejo, a Escola promove

o I Seminário Internacional, em julho de 1959. Destinado aos alunos adiantados e aos atores profissionais, o evento contou com mesas redondas e apresentação de cenas pelos diretores e atores participantes.

Em 02 de julho de 1959, Charles McGaw afirma que “A Street Car Named Desire foi escolhida para que o público brasileiro tenha uma idéia do que seja a arte teatral norte- americana, uma vez que esta peça é clássica do nosso teatro”. Analisa que o sul dos EUA tem muito em comum com o Brasil, tanto na paisagem humana, quanto na formação social pelo “fenômeno histórico da escravidão”. O autor do livro Acting is Believe e diretor da Escola de Teatro do Chicago Arts Center responde, à pergunta da reportagem, que seu sistema de direção “foge do sistema antigo de impor as idéias do diretor a respeito do personagem, mas procura ajudar o ator a encontrar sua interpretação”. Afirma que em cinco semanas resolverá a montagem.

Quanto a Luis Carlos Maciel, dá provocativa entrevista, em 12 de janeiro de 1960, sob o título: ‘Escola de Teatro envia primeiro aluno aos EUA’230. Para ele, “a burguesia vai ao teatro porque é tradicional se ir ao teatro. Mas é impossível o teatro concorrer com o cinema, em matéria de diversão. A imagem é mais excitante, enquanto no teatro o fundamento é a palavra”. Na proposta de intercâmbio com os EUA, enquanto Maciel viaja, recebemos a visita da atriz americana Scherr Nedra. Em 23 de fevereiro de 1960, vemos Scherr, bolsista da Escola e aluna da EAD de Wiscosin afirmando que ficará “numa classe especial, uma vez que já possuo alguma experiência teatral”. O título da matéria é o curioso ‘Pele de Scherr Nedra ajuda a fazer tipos: velhas e mocinhas’.

Leo Gilson Ribeiro231 chega, em abril de 1960, para a realização de três conferências (Bertold Brecht, Teatro e Pintura e poesia expressionista). Dia 27, declara na matéria ‘Bahia possui melhor núcleo teatral do Brasil’ que a Escola de Teatro “está em ligação direta com as mais avançadas correntes do teatro no mundo, sem desprezar, contudo, as raízes da cultura popular brasileira”. Apesar de afirmar a importância da busca por um ‘teatro brasileiro’, ele faz ressalva:

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Luis Carlos Maciel fez curso de um ano no Instituto Tecnológico Carnegie, em Pittsburgh, na cadeira de direção teatral. 231

Ensaísta de teatro e literatura, então escrevia crítica literária no Diário de Notícias do Rio, sendo também colaborador do

“(...) diante da nossa atual fase de desenvolvimento político e econômico, é um pouco perigoso, por causa do nacionalismo exagerado, que pode promover e glorificar valores duvidosos. A posição porém é valida para que não se chegue a fazer um teatro alienado. Não devemos esquecer da cultura estrangeira, procurando as lições de outros grandes teatros (...) Estas perguntas e respostas sobre teatro brasileiro, no fundo, permanecem como questões de cúpula e de elite (...) enquanto tivermo s problemas do ensino primário e analfabetismo não poderemos falar agudamente sobre tais problemas.”

Uma matéria do dia 08 de julho de 1960 antecipa os nomes do II Seminário Internacional de Teatro. O canadense Stanley Richards, a americana Juana de Laban e o inglês Gordon Roland são apresentados como autoridades nos seus setores, ficando dois meses na Escola de Teatro, através de uma promoção conjunta da Universidade da Bahia e do Departamento de Estado Norte-Americano. Dia 30 de julho de 1960, Stanley Richards é noticiado sob o título ‘Um cobra (sic) do teatro toma café sem açúcar’, incompreensível até o final da matéria, quando é citado o embargo americano ao açúcar cubano.232 Ainda no texto, ele é provocado a falar sobre os beatnicks, Jack Kerouac (“não acredito que seja conhecido na América para além do quarteirão de sua casa”), sobre autores brasileiros, mas evita a provocação do repórter em falar sobre a crise do açúcar de Cuba (“Se você reparou, eu tomei o cafezinho sem ele”). Daí, a questão na chamada.

Em 05 de agosto de 1960, Gordon Roland, cenógrafo-chefe da BBC de Londres, esclarece o programa do curso de cenografia para TV e Cinema, com ênfase na história e na utilização de materiais. Dia seguinte, Juana de Laban233, mostra a importância da atitude corporal nas artes cênicas, através do curso ‘Imaginação e Expressão Corporal: Anotação do Movimento’. “A movimentação ou movimento sempre existiu no teatro como uma arte independente, com leis e técnicas próprias e como uma parte indispensável na tradição dos atores”, destaca.

O francês Jean Louis Barrault aporta em Salvador a convite da Escola de Teatro e apresenta no TCA fragmentos de peças do seu repertório234. No Diário de Notícias de 1º de julho de

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Após a Revolução Cubana, em 1958, o governo de Fidel nacionaliza as refinarias e usinas, pertencentes, na sua maioria, a norte-americanos. Em represália, os EUA suspendem, em 1960, a importação de açúcar produzido na ilha, o que leva os cubanos a pedirem apoio econômico aos soviéticos. Em plena Guerra Fria, o ato é considerado uma afronta ao governo americano que, em abril de 1961, executa a frustrada operação de ocupação pela Baía dos Porcos. SILVA, Francisco de Assis. História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1992. p.280.

233 Professora da Universidade do Texas e filha de Rudolf Von Laban, o reformador das técnicas de dança moderna, inventor da anotação do movimento e também fundador do primeiro arquivo para a pesquisa do movimento.

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No programa: Le Misantrope, de Moliere, Intermezzo, de Giradaux; O Rinoceronte, de Ionesco e um recital de poesias francesas. Jean-Louis Barrault também faria apresentações em Brasília.

1961, dá entrevista onde destaca que o “teatro do pós-guerra está em plena evolução como concepção e como técnica (...) E creio que a massa hoje em dia adquiriu outra consciência do que seja teatro”. Chama a atenção para os autores: “Jean Anouilh, Giradoux, Beckett, Genet, Ionesco. E é bom lembrar Claudel que morreu há pouco”. Ele afirmou ainda que o aparecimento da televisão não “veio tirar o prestígio do teatro nesta metade de século. Creio que até mesmo o cinema não foi afetado com sua descoberta”. Segundo ele, “a técnica empregada distancia os três”.