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Discorrer sobre a lei complementar em matéria tributária implica adentrar na seara referente ao papel da lei complementar nesse campo normativo. Ou seria melhor falar dos papéis que exercem esses veículos introdutores de normas com relação à matéria tributária? Sim, porque não são poucas as tarefas para as quais o constituinte, originário ou reformador, designou esse tipo de veículo introdutor.

Já no regime constitucional pretérito as leis complementares, que seriam veiculadas para complementar a Constituição, foram utilizadas para disciplinar uma série de temas tributários,433 por exemplo, dispondo sobre normas gerais de direito tributário (art. 18, § 1º), casos excepcionais de instituição de empréstimo compulsório (art. 18, § 3º), isenções gerais de impostos estaduais e municipais (art. 19, § 2º), regulação da não-cumulatividade do ICM (art. 23, II), instituição de outras categorias de contribuintes do ICM (art. 23, § 4º), convênios referentes a isenções do ICM (art. 23, § 6º), definição de serviços passíveis de tributação pelos municípios (art. 24, II).

Com a Constituição de 1988, as agora chamadas leis complementares assumiram papel de ainda maior relevância. Sem emitirmos aqui qualquer juízo com relação à opção política do constituinte, quer parecer que esse específico veículo introdutor de normas foi destinado à regulação de matérias eleitas pelo legislador constitucional como de grande importância, no plano infraconstitucional, para a estruturação do sistema tributário. A opção pela lei complementar evidencia a deliberação do constituinte no sentido de que determinadas matérias sejam disciplinadas por instrumento introdutor de normas cujo processo legislativo exija aprovação por quorum qualificado, quiçá como forma dessas matérias não ficarem sujeitas à vontade de eventuais maiorias simples do parlamento.

433 Conforme destacaram em suas clássicas obras GERALDO ATALIBA (Lei complementar na Constituição, 1971, p. 65-87) e JOSÉ SOUTO MAIOR BORES (Lei complementar tributária, 1975, p. 91-211).

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O constituinte decidiu pela utilização da lei complementar (a) para a disciplina de determinados temas em matéria tributária, e (b) cujo processo legislativo exige aprovação por quorum qualificado. E isso, registre-se, vem em reforço ao caráter ontológico-formal da lei complementar.

A opção estabelecida pelo legislador constituinte, pela utilização desse instrumento introdutor de normas para a disciplina de temas específicos, define o papel da lei complementar em matéria tributária. Esse papel, inclusive, se desdobra em diferentes funções.434 Essas funções, aliás, por vezes se interpenetram, formando um todo de articulações que estão a operar para a conformação do sistema tributário.

E sem ingressarmos nas particularidades de cada uma dessas funções, entendemos possível identificar categorias de leis complementares em matéria tributária, a saber:

(1ª) Lei complementar para dispor sobre conflitos de competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 146, inciso I);

(2ª) Lei complementar para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, inciso II);

(3ª) Lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,435 sobre definição de tributos e suas espécies e,

quanto aos impostos, os respectivos fatos geradores, bases de cálculos e contribuintes (art. 146, inciso III, a), e ainda sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários (art. 146, inciso III, letra b);

(4ª) Lei complementar para dispor sobre tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas (art. 146, inciso III, letra c);

434 Cf., dentre outros, SACHA CALMON NAVARRO COELHO, A lei complementar como agente normativo ordenador do sistema tributário e da repartição das competências tributárias. In: Temas de direito público: aspectos constitucionais, administrativos e tributários: estudos em homenagem ao Ministro José Augusto Delgado, 2005, p. 547-579.

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(5ª) Lei complementar para estabelecer a definição e tratamento favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados com relação ao ICMS, às contribuições previstas no art. 195, inciso I e §§ 12 e 13, e à contribuição ao PIS (art. 146, III, letra d436), ou regime único de

arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais (art. 146, III, parágrafo único e itens I a IV437);

(6ª) Lei complementar para estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência (art. 146- A438);

(7ª) Lei complementar para instituição de tributos, em especial, empréstimos compulsórios pela União (art. 148), imposto sobre grandes fortunas pela União (art. 153, VII), impostos no exercício da competência residual da União (art. 154, inciso I), contribuições sociais, para garantir outras fontes para a manutenção ou expansão da seguridade social (art. 195, § 4º);

(8ª) Lei complementar para regular a instituição do imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos (ITCMD) pelos Estados e Distrito Federal, quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior e quando o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior (art. 155, § 1º, inciso III, a e b);

(9ª) Lei complementar para regular o ICMS em âmbito nacional (art. 155, § 2º, inciso XII, letras a a i 439), dispondo, dentre outros aspectos deste

imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, sobre definição de contribuintes, substituição tributária, regime de compensação do imposto, e base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço;

436 Enunciado inserido pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003. 437 Enunciados inseridos pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003. 438 Enunciado inserido pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003.

439 Relativamente às letras h e i do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição, os respectivos enunciados foram inseridos pela Emenda Constitucional n. 33, de 11.12.2001.

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(10ª) Lei complementar para a definição dos serviços passíveis de tributação pelo ISS de competência dos Municípios (art. 156, III); (11ª) Lei complementar para fixação de alíquotas máximas e mínimas do

ISS (art. 156, § 3º, inciso I);

(12ª) Lei complementar sobre benefícios para contribuintes, para excluir da incidência do ICMS e do ISS a exportação para o exterior, respectivamente, de mercadorias, serviços e outros produtos (art. 155, § 2º, inciso XII, letra e), e de serviços (art. 156, § 3º, inciso II440), para regular a forma de concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais, relativos ao ICMS, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal (art. 155, § 2º, inciso XII, letra f), e com relação ao ISS (art. 156, § 3º, inciso III441), e, ainda, para limitar o montante para a concessão de remissão e anistia das contribuições sociais dos incisos I, a, e II, do art. 195 (art. 195, § 11442); e

(13ª) Lei complementar para definir condições para criação de adicional de até dois pontos percentuais (2%) na alíquota do ICMS para produtos e serviços supérfluos, para o financiamento de Fundos Estaduais e Distritais de Erradicação e Combate à Pobreza, nos moldes da lei complementar prevista no art. 155, § 2º, XII (art. 82, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT443).

Como se nota das categorias de lei complementar em matéria tributária que procuramos construir a partir do texto constitucional, o papel destinado a esse instrumento introdutor de normas é por demais variado, porquanto diversificadas são as funções que exercem para a conformação do sistema tributário. É inegável, portanto, que o constituinte depositou no legislador complementar parcela substancial das atribuições para a produção normativa relativamente à regulação da matéria tributária.

440 Enunciado inserido pela Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993. 441 Enunciado inserido pela Emenda Constitucional n. 37, de 12.06.2002. 442 Enunciado inserido pela Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998.

443 Enunciado inserido pela Emenda Constitucional n. 31, de 14.12.2000, com atual redação dada pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003.

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Sobre a lei complementar, temos como concluída nossa análise. Trataremos agora de outro tema polêmico: normas gerais de direito tributário.