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Controle administrativo de constitucionalidade

4.4. Controle Judicial e Administrativo

4.4.2. Controle administrativo da produção normativa

4.4.2.3. Controle administrativo de constitucionalidade

Considerando que a matéria tributária tem seus mais importantes contornos estabelecidos pela Carta Política, é inevitável que parcela significativa das contendas tributárias, inclusive perante os órgãos administrativos, envolva questões constitucionais. O problema, então, reside em saber se as autoridades administrativas de julgamento podem emitir pronunciamento acerca da compatibilidade ou não das normas jurídicas com a Constituição da República, tendo em vista, inclusive, a garantia constitucional de ampla defesa e contraditório na esfera administrativa (art. 5º, LV).

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A doutrina divide-se sobre o tema.386 Destacam-se duas correntes de

pensamento. Parte dos autores entende possível aos agentes da Administração afastar a aplicação de norma jurídica quando entendê-la incompatível com a Constituição. Outra parcela sustenta a impossibilidade do controle de constitucionalidade no âmbito administrativo, pois a tarefa seria de competência exclusiva do Poder Judiciário.

Reconhecemos que, em um primeiro momento, se mostraram consistentes alguns dos argumentos lançados pela corrente que nega à Administração o exercício do controle de constitucionalidade. Neste particular, a defesa da tese relativa à exclusividade do Poder Judiciário para a fiscalização de constitucionalidade nos pareceu muito bem suportada, notadamente quando articulada com o argumento de que a Administração exerce apenas um autocontrole, revisando os seus próprios atos de produção normativa, todavia não aqueles praticados pelo Poder Legislativo.387

Sob o ângulo pragmático, ademais, sensibiliza o argumento de que o afastamento de norma jurídica pelas autoridades administrativas, no bojo do julgamento de um processo administrativo, poderia criar uma situação teoricamente paradoxal, caso a mesma norma jurídica, perante o Poder Judiciário, fosse considerada constitucional.

386 Em abril de 1999, na 24ª Pesquisa Tributária, organizada pelo Centro de Extensão Universitária, e que teve como tema o Processo Administrativo Tributário, foi formulada a diversos autores, dentre outras, a seguinte questão: A autoridade administrativa, como julgadora no processo administrativo fiscal, pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional? Pelas respostas ofertadas pelos autores, entendemos terem opinado: (1)

pela possibilidade da autoridade administrativa deixar de aplicar lei por considerá-la inconstitucional:

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, DIVA MALERBI, RICARDO LOBO TORRES, MARIA TERRESA DE CÁRCOMO LOBO, VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA, ANTONIO JOSÉ DA COSTA, PLÍNIO JOSÉ MARAFON, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES, YOSHIAKI ICHIHARA, KIYOSHI HARADA, MOISÉS AKSELRAD, FRANCISCO DE ASSIS ALVES, WAGNER BALERA, FERNANDO FACURY SCAFF, ANTONIO MANOEL GONÇALEZ, VINICIUS T. CAMPANILE, HELENILSON CUNHA PONTES, LUIZ ANTONIO CALDEIRA MIRETTI, OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO, FERNANDO DE OLIVEIRA MARQUES e GUSTAVO MIGUEZ DE MELLO; e (2) em sentido contrário: JOSÉ AUGUSTO DELGADO, HUGO DE BRITO MACHADO, SACHA CALMON NAVARRO COELHO, FRANCISCO DE ASSIS PRAXEDES, VITTORIO CASSONE, EDISON CARLOS FERNANDES, DIRCEU ANTONIO PASTORELLO, MARCELLO MARTINS MOTTA FILHO, FÁTIMA FERNANDES RODRIGUES DE SOUZA e MARCO AURELIO GRECO (In: Pesquisas Tributárias. Nova Série, n. 5, 1999).

387 Cf., a respeito, estudo de HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO (Controle de constitucionalidade das leis no processo administrativo de julgamento. In: Constituição e democracia: estudos em homenagem ao Professor J. J. Gomes Canotilho, 2006, p. 278-290).

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Entretanto, após reflexão mais acurada, e forte nas lições de ALBERTO XAVIER,388 acabamos por concluir pela possibilidade e mais, pela obrigatoriedade

dos órgãos administrativos de julgamento enfrentarem questões constitucionais, inclusive acerca de eventual incompatibilidade de uma norma geral e abstrata com a Carta Política, afastando-a no caso concreto, se necessário para a resolução de uma controvérsia.

Pensamos que esta atuação das autoridades administrativas decorre das garantias constitucionais do devido processo legal (art. 5º, LIV) e do contraditório e ampla defesa asseguradas também em processo administrativo (art. 5º, LV). Impedir o controle de constitucionalidade pelos órgãos administrativos acaba por esvaziar a própria garantia de contraditório e ampla defesa na esfera administrativa. A qualquer sujeito de direitos que venha a ter violado seu direito é garantido constitucionalmente o direito de peticionar ao Poder Público (art. 5º, XXXIV, a). E não é admissível que a Administração responda que está a apenas a cumprir lei, mas não a Constituição!

O autocontrole, embora tenha por objeto atos administrativos, alcança também aqueles atos que apliquem normas desconformes à Constituição. O fato de ter o autocontrole como objeto um ato administrativo não desonera a Administração de aferir se este ato está pautado em norma geral e abstrata compatível com a Lei Maior. Aliás, a própria Lei n. 9.784/1999, que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, estabelece no art. 2º, em seu parágrafo único, inciso I, que será observado, nos processos administrativos, o critério de atuação conforme a lei e o Direito. Ora, que parecer que não se discutirá se a Constituição é direito.

Não descartamos, também, a possibilidade de órgãos administrativos judicantes afastarem normas jurídicas por entendê-las desconformes à Constituição, vindo depois a decidir o Poder Judiciário de modo distinto. Ocorre que o eventual desajuste entre decisões administrativas e judiciais pode acontecer não só com relação à aferição da conformidade de uma norma com a Constituição, mas também na decretação de ilegalidade ou na hipótese de não aplicação de uma norma

388 A questão da apreciação da inconstitucionalidade das leis pelos órgãos judicantes da Administração Fazendária. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 103, p. 17-44.

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jurídica. Ora, a mesma Administração pode decretar a ilegalidade de uma norma, mas pode não fazê-lo o órgão judicial. Ou, então, podem as autoridades administrativas competentes deliberar pela aplicação de uma norma jurídica e pela não aplicação de outra, decidindo em sentido oposto um magistrado. E nem por isso tem-se procurado tolher o exercício, pelos agentes administrativos competentes, do controle de legalidade e do controle da não aplicação das normas jurídicas.

A despeito da nossa posição francamente favorável ao controle administrativo de constitucionalidade das normas jurídicas, devemos admitir que o entendimento predominante caminha em outra direção. Os órgãos administrativos de julgamento estão a recusar o enfrentamento de matéria constitucional, notadamente se isso puder ensejar o afastamento de uma norma geral e abstrata.389

No âmbito federal, por exemplo, os regimentos internos dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) veiculam regras que estão a proibir o afastamento de norma em razão de inconstitucionalidade.390 É essa, ademais, a posição firmada pela CSRF391 e pelos três Conselhos de Contribuintes, tendo inclusive o 1º Conselho sumulado a matéria.392

Conquanto não venha sendo admitido o controle de constitucionalidade pelas autoridades administrativas, há específica disciplina para casos nos quais o Supremo Tribunal Federal já tenha exercido a fiscalização de constitucionalidade. No plano federal, foi editado o Decreto n. 2.346, de 10.10.1997, impondo à Administração Pública a observância do entendimento fixado pela Suprema Corte

389 Essa postura vem sendo adotada muito em razão de precedente do Supremo Tribunal Federal, de março de 1990, quando ainda recente a atual ordem constitucional. Na oportunidade, decidiu o Plenário do Tribunal que O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário (ementa do acórdão da ADI n. 221-0/DF, Plenário, Rel. Min. MOREIRA ALVES, julgamento em 29.03.1990, DJ 22.10.1993). Embora já pudesse a Suprema Corte, transcorrida mais de década e meia do novo regime constitucional, ter evoluído com relação à matéria, fato é que nos órgãos administrativos, em especial nos fazendários, prevalece esta orientação.

390 Conforme arts. 49 e 34, respectivamente, do Regimento Interno dos Conselhos de Contribuintes e do Regimento Interno da Câmara Superior de Recursos Fiscais, recentemente aprovados pela Portaria MF n. 147, de 25.06.2007, do Ministro da Fazenda. No mesmo sentido, embora com enunciados pouco distintos, os arts. 22-A dos antigos Regimentos Internos dos Conselhos de Contribuintes e da CSRF, aprovados pela Portaria MF n. 55, de 16.03.1998.

391 Por exemplo, Acórdão CSRF/03-03.750, 3ª Turma, Rel. Cons. Nilton Luiz Bartoli, julgamento em 03.11.2003; Acórdão CSRF/01-04.472, 1ª Turma, Rel. Cons. Cândido Rodrigues Neuber, julgamento em 14.04.2003.

392 Súmula 1º CC nº 2: O Primeiro Conselho de Contribuintes não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária .

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em matéria constitucional.393 No caso de pronúncia de inconstitucionalidade pela

Suprema Corte, por exemplo, esta norma jurídica não mais deve ser aplicada.394

Pensamos que essa determinação não deixa de reconhecer que a Administração pode controlar a aplicação de normas desconformes à Constituição (ainda que por decorrência de decisão do Supremo Tribunal Federal). Funciona, também, como instrumento de economia processual, e em prestígio aos princípios da eficiência e da moralidade administrativa.

Ainda acerca do Decreto n. 2.346/1997, remanesce divergência com relação à possibilidade de aplicação quando há pronúncia de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal no controle indireto, todavia a norma jurídica não teve sua execução (eficácia técnica) suspensa por Resolução do Senado Federal. Entendemos que a pronúncia de inconstitucionalidade de norma jurídica pelo Supremo Tribunal Federal, com ou sem edição de resolução senatorial, enseja a recusa de aplicação da norma pelas autoridades administrativas. Com isso, evitam- se gravames adicionais aos particulares, como no caso de tributos exigidos com base em lei decretada inconstitucional pela Suprema Corte, prestigiando-se assim princípios como os da justiça e da isonomia.395

Em certos casos, os Conselhos de Contribuintes rejeitam a aplicação de norma decretada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente da invocação do Decreto n. 2.346/1997. É o que está a ocorrer, por exemplo, com o § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, como se verifica do julgado abaixo:

393 Conforme dispõe o art. 1º do Decreto n. 2.346/1997: Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão uniformemente observadas pela Administração Pública direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto .

394 Entende parte da doutrina, como apoio em precedente do próprio Supremo Tribunal Federal, que a pronúncia de inconstitucionalidade pela Corte Constitucional, no controle difuso, elide a presunção de constitucionalidade da norma jurídica, afetando a sua imperatividade, de modo que sua aplicação poderá ser recusada. Sobre o tema, v. MARCO AURELIO GRECO e HELENILSON CUNHA PONTES (Inconstitucionalidade da lei tributaria: repetição do indébito, 2002, p. 26-30).

395 Há, inclusive, precedentes específicos dos Conselhos de Contribuintes reconhecendo a aplicabilidade do Decreto n. 2.346/1997 nestes casos (v.g. Acórdão 303-31.596, 3º Conselho de Contribuintes, 3ª Câmara, Rel. Cons. Zenaldo Loibman, julgamento em 15.09.2004).

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COFINS e PIS RECEITAS FINANCEIRAS INAPLICABILIDADE DA LEI 9.718/98 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RE 380840 MG

Conforme decisão transitada em julgado no RE 390840-MG, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional o § 1º, do artigo 3º, da Lei 9.718. A extensão dos efeitos dessa decisão definitiva beneficia a ambas as partes, estancando custos desnecessários. Por conseqüência, não compõem a base da contribuição em apreço as receitas financeiras. Recurso provido.396

Por último, registramos situações bastante particularizadas, nas quais os órgãos administrativos de julgamento recusam a aplicação de norma geral e abstrata, mas não por vício de inconstitucionalidade e tampouco com base no Decreto n. 2.346/1997. Todavia, decidem pela aplicação de preceitos constitucionais, de modo a ajustar a incidência da norma tributária. Nestes casos, em respeito, por exemplo, aos princípios da irretroatividade e da anterioridade, é afastada (momentaneamente) a aplicação da regra-matriz de incidência tributária.397 O órgão administrativo de julgamento, portanto, conforma a norma tributária (geral e abstrata) à norma constitucional.

396 Acórdão 101-95.763, 1º Conselho de Contribuintes, 1ª Câmara, Rel. Cons. Mário Junqueira Franco Junior, julgamento em 21.09.2006. No mesmo sentido, Acórdão 101-95.758, 1º Conselho de Contribuintes, 1ª Câmara, Rel. Cons. Paulo Roberto Cortez, julgamento em 21.09.2006; Acórdão 202-17.252, 2º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara, Rel. Cons. Gustavo Kelly Alencar, julgamento em 22.08.2006.

397 Cf., a propósito, RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA e JOÃO FRANCISCO BIANCO, A questão da apreciação da constitucionalidade de lei pelos conselhos federais de contribuintes. In: Processo administrativo fiscal, 2º volume, 1997, p. 124-127.

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CAPÍTULO V

LEI COMPLEMENTAR E NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO