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Fontes do direito e incidência das normas jurídicas

3.2. Fontes do Direito

3.2.1. Fontes do direito e incidência das normas jurídicas

Positivar o direito é criar normas, aplicar normas, fazer incidir normas. O condutor do processo de positivação será sempre um ser humano. A execução das tarefas de positivação do direito não se dará senão pelas mãos do homem.

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As modernas concepções da dogmática jurídica estão a comprovar, dia após dia, que o direito não opera infalível e automaticamente como sustentara ALFREDO AUGUSTO BECKER204 sem que o homem ingresse previamente no cenário para

criar, aplicar, incidir as normas jurídicas. As normas jurídicas não incidem sem a presença humana. Aquela idéia de que fatos jurídicos , incidência normativa e relação jurídica prescindem de uma ação humana para que existam juridicamente encontra tantas barreiras lógicas que pouca resistência oferece quando confrontada. A evolução da Ciência do Direito demonstra que apenas com a produção de linguagem competente, pelo homem, os fatos ingressam no direito. E ingressam pela porta dos antecedentes normativos, que vertem aqueles eventos em fatos jurídicos. E mais, evidencia que a incidência ocorre apenas quando a norma jurídica é aplicada pelo homem, mediante a expedição do documento competente. E demonstra ainda que relação jurídica existirá no momento em que, por meio da ação humana de aplicação (incidência) da norma, o conseqüente normativo prescrever um vínculo no qual um sujeito de direito poderá exigir de outro o cumprimento de um dever jurídico.

Sem o homem, fato jurídico não há, incidência não ocorre, relação jurídica não se instala. É o que demonstra EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI ao carrear exemplo do campo tributário: Ora, sem nuvens e numa perspectiva realista, necessário se faz admitir que até que a autoridade aplique o direito, quer dizer, realize o ato do lançamento, juridicamente nada há: nem fato nem obrigação. O fato jurídico e o crédito nascem, concomitantemente, com a aplicação do direito .205

E se o direito reconhece como jurídicos apenas fatos relatados pela linguagem competente, ganha extraordinária importância a chamada teoria das provas, tão bem trabalhada por FABIANA DEL PADRE TOMÉ,206 por oferecer

instrumental do qual se pode lançar mão para juridicizar os acontecimentos da vida social, fazendo-os ingressar no terreno do discurso jurídico.207

204

Teoria geral do direito tributário, 2007, p. 325-329. 205

Decadência e prescrição no direito tributário, 2000, p. 57. 206

A prova no direito tributário, 2005, passim.

207 É a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO: ... fatos jurídicos não são simplesmente os fatos do mundo social, constituídos pela linguagem de que nos servimos no dia a dia. Antes, são os enunciados proferidos na linguagem competente do direito positivo, articulados em consonância com a teoria das provas. Quem quiser relatar com precisão os fatos jurídicos, nomeando-lhes os efeitos, que use a teoria das provas, responsável pelo estilo competente para referência aos acontecimentos do mundo do direito (Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2006, p. 97 - destaques do original).

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A linguagem constitutiva das provas, portanto, constitui os fatos jurídicos, constitui a realidade jurídica, destacando MARIA RITA FERRAGUT que ... é por meio das provas que os enunciados declaratórios do fato jurídico serão construídos e mantidos, devendo-se buscar traduzir as manifestações do evento de acordo com as regras existentes no sistema .208 E as provas admitidas em direito nada mais são

do que os elementos lingüísticos que recebem a chancela das autoridades competentes relativamente à aptidão para constituir fatos jurídicos. A realidade jurídica, então, é o produto da adequada utilização desses instrumentos probatórios. A teoria das provas, ao proporcionar meios para o reconhecimento dos acontecimentos sociais como fatos jurídicos, é decisiva para a dinâmica do sistema jurídico. É o que aponta PAULO DE BARROS CARVALHO: Com efeito, estimo residir no capítulo das provas o mecanismo fundamental para o reconhecimento dos fatos da vida social juridicizados pelo direito, bem como um dado imprescindível ao funcionamento do sistema de normas .209

Podemos então dizer que sem o homem e sua competente linguagem não há incidência. A positividade do sistema é dependente da ação humana. A incidência das normas jurídicas exige a presença e atuação efetiva do ser humano. Por isso destaca GABRIEL IVO que Não seria exagerado dizer que o homem constitui em linguagem a incidência. (...) O senhor da incidência é o homem concreto; o construtor das palavras. (...) Por isso, antes da presença humana não pode haver incidência. A incidência, portanto, não se situa fora da consciência humana. É produto do homem .210

O direito não opera mecanicamente. É o homem que atua para criar e aplicar o direito, regulando as condutas intersubjetivas. O direito não incide sozinho. É o ato humano que faz incidir a norma jurídica. A dinâmica do sistema jurídico depende do homem. A positivação do direito resulta das ações humanas de produção e aplicação das normas (diferença meramente relativa conforme KELSEN). A incidência ou aplicação normativa (o que dá no mesmo) ocorre por obra humana, não automaticamente. O homem opera o sistema jurídico.

208

Presunções no direito tributário, 2001, p. 44. 209

Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2006, p. 107.

210 A incidência da norma jurídica o cerco da linguagem. Revista de Direito Tributário, n. 79, p. 191 e 193 (destaques nossos).

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É a síntese de PAULO DE BARROS CARVALHO, reconhecendo, em visão antropocêntrica, o papel do ser humano no processo de positivação do direito:

Agora, é importante dizer que não se dará a incidência se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo determina. As normas não incidem por força própria. Numa visão antropocêntrica, requerem o homem, como elemento intercalar, movimentando as estruturas do direito, extraindo de normas gerais e abstratas outras gerais e abstratas, ou individuais e concretas e, com isso, imprimindo positividade ao sistema, quer dizer, impulsionando-o das normas superiores às regras de inferior hierarquia, até atingir o nível máximo de motivação das consciências e, dessa forma, tentando mexer na direção axiológica do comportamento intersubjetivo ...211

O processo de positivação do direito revela, com toda sua intensidade, a função criadora do direito exercida pelo homem. Eis aí os seres humanos, despontando como focos ejetores de normas jurídicas, como fontes do direito.