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Toda proposição jurídica pode ser sintetizada em uma formulação lógica na qual o antecedente implica o conseqüente.134 Essa dualidade da estrutura lógica da

norma jurídica é articulada por um conectivo, criado pelo próprio direito e revelador de um dever-ser que diferencia a imputação jurídica das leis causais da natureza.135 Essa fórmula lógica é composta (1º) da proposição antecedente, (2º) da proposição conseqüente e (3º) de um operador deôntico que vincula as proposições.

Nas proposições antecedentes são encontradas as hipóteses normativas, que correspondem a eventos de possível ocorrência na realidade social. Esses eventos selecionados, desde que de possível ocorrência, como destaca LOURIVAL VILANOVA136 podem ser lícitos ou ilícitos, como podem ser eventos da natureza ou provenientes de condutas humanas.

A rigor, a hipótese é seletora de propriedades de possíveis eventos, expediente que reduz complexidades e permite atender as pautas valorativas do legislador.137 As hipóteses, portanto, veiculam conceitos definidores de ocorrências factuais. A linguagem do direito, por meio dos antecedentes normativos, estabelece tipificações de classes de acontecimentos, a elas vinculando conseqüentes que prescrevem condutas intersubjetivas.

Nas proposições conseqüentes estão alojados os elementos fundamentais do direito, é dizer, as prescrições de conduta, a regulação dos comportamentos. Os conseqüentes estabelecem relações jurídicas, relacionando sujeitos de direito em torno de condutas proibidas, obrigatórias ou permitidas. É nesta proposição que o direito realiza sua função primordial, disciplinando comportamentos intersubjetivos.

Assim como na proposição-hipótese, também na proposição-tese o direito atua no campo do factível, de modo que as condutas prescritas devem guardar a nota da possibilidade, sob pena da mensagem normativa carecer de sentido deôntico, porquanto não se pode exigir, e tampouco há como cumprir,

134 LOURIVAL VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 95.

135 Para PAULO DE BARROS CARVALHO, A regra assume, portanto, uma feição dual, estando as proposições implicante e implicada unidas por um ato de vontade da autoridade que legisla (Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2006, p. 26).

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Causalidade e relação no direito, 2000, p. 85.

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comportamentos que não se apresentem possíveis.138 Essa exigência semântica é

decorrência da própria ontologia do direito.

Nessa relação jurídica haverá pelo menos um sujeito de direito, que será detentor de um direito subjetivo, bem como, no mínimo, um outro sujeito, a quem caberá cumprir o dever jurídico.139 Aqui, portanto, o functor deôntico não mais

aparece neutro. O dever-ser agora está modalizado, prescrevendo uma conduta proibida, obrigada ou permitida.

Os operadores deônticos são vínculos que enlaçam hipóteses e conseqüentes da proposição normativa. Quando afirmamos que a norma jurídica é um juízo hipotético-condicional estamos nos referindo à existência de uma implicação entre hipótese e conseqüente posta pela própria ordem jurídica.

Contrariamente ao que ocorre com as leis causais regentes da natureza, onde as causas implicam fisicamente os efeitos, no direito o liame entre hipótese e tese é uma imputação logicamente estabelecida pelo próprio sistema normativo. As leis causais naturais ensejam o ser ; o sistema jurídico enseja um "dever ser".

O direito estabelece a implicação entre hipóteses e conseqüentes. Logo, não são as ocorrências que implicam os efeitos, Mas é o sistema jurídico positivo que estatui, preceitua, preestabelece dentre as possíveis hipóteses e as possíveis conseqüências as relações que devem ser .140

Ao vincular hipóteses e conseqüentes, tem-se um dever-ser interproposicional, que dá o caráter de integralidade da unidade irredutível, surgindo então neutro, pois não opera qualquer modal deôntico. Já no interior dos conseqüentes o dever-ser é intraproposicional, modalizado, e estabelece as relações jurídicas entre dois sujeitos de direito em torno de condutas proibitivas,

138 O agir do campo das possibilidades está a abrir outras perspectivas na temática da interpretação, inclusive da interpretação constitucional. GILMAR MENDES, em interessante trabalho, com apoio nas lições de GUSTAVO ZAGREBELSKY e PETER HÄBERLE, invoca o chamado pensamento do possível , que mantém dupla relação com a realidade, uma delas operando com a ontologia do direito de modo a considerar possível apenas o que pode ser factualmente real (Portadores de deficiência grave e obrigatoriedade do voto: necessidade de adoção do pensamento do possível . In: Princípios constitucionais fundamentais, 2005, p. 547-557).

139 Acerca das relações jurídicas, PAULO DE BARROS CARVALHO, fazendo uso dos predicados poliádicos da Teoria das Relações (capítulo da Lógica), define as possibilidades combinatórias às quais está preso o legislador, a saber: um com um (uni-unívoca ou biunívoca); um com vários (uni-plurívoca); vários com um (pluriunívoca); vários com vários (pluriplurívoca) (Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2006, p. 31-32).

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obrigatórias ou permissivas.141 Assim, o dever-ser neutro (interproposicional) forma a

estrutura implicacional da norma jurídica, ao passo que o dever-ser modalizado (intraproposicional) prescreve as relações jurídicas estabelecidas nas proposições conseqüentes.142

É a estrutura lógica do dever-ser de toda norma jurídica. Sintaticamente, a fórmula é esta: um antecedente (proposição-hipótese) que implica um conseqüente (proposição-tese) por força de um functor deôntico neutro; e no interior do conseqüente, operando com um functor deôntico modalizado, a prescrição de uma relação jurídica entre sujeitos de direito em torno de uma conduta proibida, obrigatória ou permitida.

Eis os chamados limites ontológicos da produção normativa: um sintático, a estrutura lógica do dever-ser, presente em toda norma jurídica; outro semântico, a exigência das proposições alcançarem apenas o campo das possibilidades, o plano do factualmente possível.143