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comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

CAPÍTULO 2 RECONFIGURAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

I- comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

§ 1º Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.

§ 2º As atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação realizadas por universidades e/ou por instituições de educação profissional e tecnológica poderão receber apoio financeiro do Poder Público.

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV- formação para o trabalho;

V- promoção humanística, científica e tecnológica do País.

VI- estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (CF, 1988, grifos nossos)

Os mencionados artigos harmonizaram-se aos interesses das IES privadas, dado que propunham maior liberdade e possibilidades de atuação a esse setor, ao mesmo tempo em que se considerava o setor público incapaz de (e mesmo inepto para) investir na expansão do sistema federal público e enfrentar os desafios do desenvolvimento contemporâneo.

Considerando o exercício da autonomia defendido pelas universidades públicas, o setor estatal entendeu que a educação superior é direito de todos e obrigação do Estado, portanto, o Estado deve oferecer o ensino. Do outro lado, está o setor privado, que se refere à autonomia universitária como a liberdade para todo tipo de transação, inclusive comercial.

Durante a elaboração da Constituinte, os representantes das entidades mantenedoras de instituições de ensino superior particular se organizaram e conseguiram atuar em favor dos seus interesses privados. Nessa época, já existia a Associação das Mantenedoras de Ensino Superior22(ABMES) que já se engajavam para que as instituições privadas particulares fossem contempladas dentro da fatia de recursos públicos que eram destinados a educação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394 de 1996, que é a lei que rege a educação no país, vem para confirmar a direção privatizante que o ensino superior vinha tomando, sem especificar a diversidade institucional, generalizava todas as instituições como universidade. O Decreto nº 2.306/97, que regulamenta a LDB, define, para o sistema federal de ensino, a seguinte organização acadêmica das instituições de ensino superior:

Universidades – são instituições pluridisciplinares de formação de quadros profissionais de nível superior e caracterizam-se pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão. As universidades mantidas pelo poder público gozarão de estatuto jurídico especial.

Universidades Especializadas – são organizadas por campo do saber e nelas deverá ser assegurada a existência de atividades de ensino e pesquisa em áreas básicas e/ou aplicadas.

Centros Universitários – são instituições pluricurriculares, abrangendo uma ou mais áreas de conhecimento, que devem oferecer ensino de excelência, oportunidade de qualificação do corpo docente e condições de trabalho acadêmico.

Centros Universitários Especializados – deverão atuar numa área de conhecimento específica ou de formação profissional.

Faculdades Integradas Faculdades

Institutos Superiores ou Escolas Superiores

Centros de Educação Tecnológica – são instituições especializadas de educação profissional, públicas ou privadas, com finalidade de qualificar profissionais, nos níveis médio técnico e superior tecnológico, para os diversos setores da

22 ABMES é a entidade que representa o ensino superior particular e atua junto ao governo e ao Congresso

economia e realizar pesquisa e desenvolvimento tecnológico de novos processos, produtos e serviços, em estreita articulação com os setores produtivos e a sociedade, oferecendo mecanismos para a educação continuada. e ainda amplia a diversidade institucional do sistema de ensino, acrescentando os centros universitários. (VITAGLIANO, 2018, p. 54)

Essa diversificação institucional abriu as portas para o predomínio das instituições de ensino privadas, que já era uma realidade deixada pelos governos militares. O Decreto n 2306/97 foi o que regulamentou a expansão das instituições de ensino superior com fins lucrativos:

O que ocorreu com o Decreto 2306/97 foi que a ele, de plano, se sucedeu a medida provisória nº 1477-39, de 08 de agosto de 1997, reeditada a cada trinta dias pelas medidas provisórias: 1477-40; 1477-41; 1477-42; 1477-43; 1477-44; 1477-45; 1477-46; 1477-47; 1477-48; 1477-49; 1477-50; 1477-51; 1477-52; 1477-53; 1477-54; 1477-55; 1733-56; 1733-57; 1733-58; 1733-59; 1733-60; 1733-61; 1733-62; 1890-63; 1890-64; 1890-65; 1890-66; e, 1890- 67), até ser convertida na Lei 9.870, de 22 de outubro de 1999, que tornou definitiva a alteração do artigo 7º da Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995 (incluiu o artigo 7º-A no texto legal), em vigor até a presente data, e que assim dispõe (VITAGLIANO, 2018)

É notório que a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, os órgãos de representação do setor privado do ensino têm se articulado com os deputados, na Câmara Federal, e os senadores, no Senado da República, como forma de conseguir apoio nos processos de regulamentação jurídica do setor, ampliando a diversificação institucional que estabeleceu os caminhos legais da expansão da educação superior pela via do setor privado, em particular do seu segmento com fins de lucro. Explicita- se na LDB:

Art. 20. As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias:

I – particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são

instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo;

II – comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de

pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade;

III – confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos

de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;

Esse movimento de organização em categorias fez surgir novas possibilidades de abertura de mercado para as instituições privadas ‘particulares em sentido estrito’ e as comunitárias (alterada pela Lei n. 12.020, de 2009). O passo seguinte foi regulamentar o acesso a recursos da União às IES lucrativas sob a justificativa, regulamentada na LDB de 1996, de que “a educação, dever da família e do Estado (...) tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 2º), o que se daria pela “coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.” (Art. 3o, inciso V) A mesma LDBEN, no Art. 7o, afirma que o ensino é livre à

iniciativa privada desde que cumpra as normas gerais da educação nacional e dos seus sistemas de ensino; que possua autorização dos órgãos públicos vinculados ao seu funcionamento e avaliação; e capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal de 1988, que indica que

Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I- comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

II- assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

§ 1º Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. § 2º As atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação realizadas por universidades e/ou por instituições de educação profissional e tecnológica poderão receber apoio financeiro do Poder Público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

Como se percebe, os recursos públicos podem ser destinados a escolas públicas, comunitárias, confessionais ou filantrópicas, portanto, aqueles tipos institucionais cuja existência era permitida no setor da educação superior pela legislação nacional, isto é, as IES sem fins lucrativos. O que está previsto para receber apoio financeiro com recursos públicos são as universidades e ou instituições tecnológicas que desenvolvam “atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação.” Entretanto, as principais iniciativas adotadas na educação superior foram na direção da privatização da educação superior como a flexibilização das regras para a abertura de cursos e instituições e, em especial, a regulamentação que permitiu a existência de IES constituídas como empresas

mercantis, admitindo-se, então, as que tivessem fins lucrativos.

Nesse passo, algumas reformas nas regras da educação brasileira começam a tomar novos rumos ao ponto de os princípios regulatórios que orientam a política pública para a educação superior, de natureza politicamente neoliberal, e a correspondente regulamentação de seu aparato jurídico-legal avançarem, a partir dos anos de 1990, aliadas ao empresariamento da educação, adequando ambas à expansão pelo viés privatista e mercantil. As articulações em torno dessas políticas se deram por mecanismos de privatização direta e desresponsabilização do Estado; estabelecimento de parcerias público-privadas e estímulo à competição; avaliação institucional, construção de indicadores de ‘qualidade’ e rankeamento (SGUISSARDI, 2015). Certamente, se essas orientações chegam ao país e são implantadas é porque houve consentimento para sua implantação, seja por parte dos governos seja por parte dos setores da sociedade em condição de poder.

Nesse contexto, ao se colocar uma lente de aumento, o que parecia ser somente privatização da educação superior vem tomando novas formas. Não se trata apenas de um processo de privatização, que já se faz presente na realidade da educação superior brasileira há algum tempo, mas de um processo que vários pesquisadores denominam ‘mercantilização da educação superior’. Assim, o setor educacional superior, uma vez passível de constituição como empreendimento mercantil/empresarial, constitui um amplo mercado privado em que se torna comum a venda, a compra, a negociação em bolsa, enfim, a mercadorização desse setor, revelando uma verdadeira desregulamentação sistêmica sob a face de uma suposta regulação. (BIANCHETTI; SGUISSARDI, 2017)

A metamorfose pela qual passou a universidade é o fruto, talvez, da inércia e estagnação de sua proclamada autonomia, quando autoridades políticas e educacionais e a própria sociedade deixaram de lado a defesa da educação pública, gratuita, laica e universal, propiciando que influências externas nas leis brasileiras tutelassem os sistemas educativos, em especial o de educação superior, ao sabor dos interesses financeiros e comerciais. É assim que

as instituições privadas de educação superior – em especial as particulares ou mercantis – vão tornar-se protagonistas de uma expansão quantitativa de instituições e matrículas sem precedentes, e de uma transformação essencial na definição e funcionamento da universidade/educação superior. (BIANCHETTI; SGUISSARDI, 2017, p. 16)

privatização e foi além, na direção daquilo que hoje se poderia chamar de mercantilização/mercadorização. Por isso, cunharam o termo commoditycidade, já que tudo na educação é transformado em mercadoria e segue as leis do mercado, incluindo as instituições. Afirmam ainda que o ápice desse mercado da educação é a oferta de ações na Bolsa de Valores, que decretará, então, sua efetiva financeirização. É certo que esse mercado só chegou até aí “sob suposta regulação, direta ou indiretamente, conduzida por instâncias do Estado.” (op.cit., p.16)

Para se ter uma ideia desse processo de expansão, o Gráfico 1 revela os contornos de um considerável aumento no número de IES, fruto de um processo de desregulamentação que vem sendo construído desde a Reforma do Estado e que levou a um contingente de nada menos que 2.448 IES em 2017, contra 1.637 em 2002. Tal expansão se concentrou na criação de faculdades privadas e de natureza mercantil (com fins lucrativos), reorganizando boa parte dos estabelecimentos constituídos, até então, como instituições confessionais, comunitárias para a condição de fundações de direito privado, mercantil e empresarial. Além do PROUNI e do FIES que foram políticas de financeirização que incentivou ainda mais o avanço da educação superior privado-mercantil.

Gráfico 1 – Evolução no número de IES (2002-2017)

Fonte: Relatório do Censo (2018)

Todos esses decretos são reformas pelas quais passou a educação superior brasileira, o que ocasionou uma verdadeira reconfiguração a partir da emissão de diversos decretos que tiveram inicio nos anos de 1990, em especial com a LDB de 1996, e seguem numa profusa edição de decretos de regulamentação.

1,637 1,859

2,013 2,165 2,270 2,281 2,252

2,314 2,378 2,365 2,416 2,391 2,368 2,364 2,407 2,448

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

EVOLUÇÃO DE INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR NO