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ORGANIZAÇÕES ACADÊMICAS)

2.4 A EXPANSÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PRIVADO MERCANTIS

No Brasil, a expansão se deu, na prática, a partir dos anos de 1990 com a diversificação do sistema de educação superior em que foram criados os centros universitários, chamados de ‘universidades do ensino’, e os cursos sequenciais como forma de atender a demanda reprimida de ensino e conferir flexibilização curricular, além de um processo de interiorização da graduação por meio do expressivo crescimento de matrículas na iniciativa privada, invertendo a direção que prevalecia até então, quando a maioria dos alunos estava concentrada nas capitais e a oferta de vagas se dividia mais igualmente entre o público e o privado não lucrativo.

De acordo com os critérios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o mercado brasileiro de ensino superior foi o quinto maior do mundo em 2010, com aproximadamente 6,6 milhões de alunos matriculados. Em 2013, esse número alcançou a marca de 7,3 milhões de alunos, sendo 5,4 milhões matriculados nas IES privadas e 1,9 mi, nas públicas. (INEP, 2014) Em 2017, chegou-se à marca de 8 milhões de alunos matriculados.

Gráfico 2 - Número de matrículas em IES públicas e privadas (1997-2013)

Fonte: MEC

internacional de expansão, que já havia ocorrido nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, e precisou lidar com a regulação de um sistema permeado de regras e com demandas sociais e econômicas represadas, o que fez com que o argumento dos empresários da educação ganhasse fôlego e os representantes do governo brasileiro conseguissem flexibilizar as regras até então impostas à educação superior privada.

Um desses exemplos foi a desregulamentação jurídico-legal que permitiu que as anteriores IES sem fins lucrativos pudessem adotar a forma empresarial mercantil lucrativa, legislação que favoreceu uma nova onda de crescimento do setor privado e em que organizações acadêmicas como centros universitários e faculdades privadas contribuem para o aumento de instituições e de matrículas. Tudo isso, aliado a: uma busca crescente por formação superior, em razão das exigências dos mercados por mão-de-obra qualificada, em especial para a classe trabalhadora; os programas do governo federal de financiamento e bolsas em IES privadas, a exemplo do Programa Universidade para Todos (Prouni) e do Programa de Financiamento Estudantil (Fies), e o crescimento de concluintes do ensino médio tem impulsionado a demanda nos cursos de ensino superior. Segundo dados do estudo feito pela Hoper Educacional sobre tendências e perspectivas, de 2005 a 2010, no Brasil, possuir um diploma superior resulta em aumento salarial de 171% na renda média do egresso.

Dados do Inep (2018) trazem informações que nos ajudam a compreender a força dos empresários da educação para expandir e privatizar a educação superior. As IES privadas foram generosamente agraciadas com legislações aprovadas pelos deputados e/ou regulamentadas pelo Ministério da Educação, o que refletiu em um elevado crescimento do número de instituições (2.448) e de matrículas na graduação, que chegaram a 8.286.663 em 2017 (Inep, 2018).

Em consulta mais detalhada ao Sistema E-Mec (2019), na busca pelas categorias administrativas ‘pública’ ou ‘privada’, sistematizadas no Gráfico 4, os dados revelaram um elevado quantitativo de IES privadas e, quando filtrado por organização acadêmica, um outro resultado chocante no que se refere ao número de faculdades privadas, o que nos leva a refletir se os critérios estabelecidos pelo MEC para autorização de funcionamento dessas instituições realmente representa uma forma de preparar, valorizar e proteger a vida acadêmica do futuro profissional ou se quem está ditando as regras é o setor privado- mercantil. Pois das 2.448 Instituições de Ensino Superior em 2017, 2.152 são privadas e 296 públicas, uma diferença quantitativa de 727% no número de IES privadas a mais que públicas.

Gráfico 3: Número de Instituições de Ensino Superior no Brasil (2002-2017)

Fonte: INEP. Elaborado pela autora.

O número de instituições de ensino superior, em 2002, somava 1.637, e apresentou curva ascendente após as instituições de ensino superior se organizarem como sociedades empresárias. Já no ano seguinte, o aumento de IES foi de 13,6%, chegando em 2017 a 2.448 instituições, entre as diversas organizações acadêmicas: faculdades, centros universitários, universidades e institutos federais ou Cefets, um crescimento de 49,6% em 15 anos. Desse quantitativo, 87,9% delas eram privadas (INEP, 2019). Os dados são inequívocos e demonstram os resultados de uma política indutora promovida no contexto das reformas neoliberais que age desresponsabilizando o Estado para favorecer a privatização.

Gráfico 4 - Número de IES por Organização Acadêmica e Categoria Administrativa (2009 -

2017)

Os dados do Gráfico 4 servirão como parâmetro para um estudo mais aprofundado da privatização no setor educacional, especialmente quanto à participação das IES privadas. Apesar de nos governos Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) se ter adotado uma política de expansão das instituições educacionais públicas, como de universidades e institutos federais (antes, CEFETs.), nesses mandatos deu-se prosseguimento a uma política neoliberal de privatização da educação que já vinha se realizando desde os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), inclusive com a ampliação do financiamento público a instituições privadas. Para Aguiar (2016, p. 113),

Essas opções se traduzem em ações de fomento ao desenvolvimento do setor privado, na medida em que ampliaram o financiamento deste e consolidaram um marco legal que proporcionou segurança jurídica às mantenedoras. Esse fomento, entretanto, veio acompanhado de um sensível aumento e aperfeiçoamento dos mecanismos de controle sobre o crescimento do setor privado.

Quanto mais avançamos no detalhamento dessas instituições educacionais podemos observar que elas têm passado por transformações próprias com características de mercado como fusões, compra e venda de instituições, chegando ao ponto de se constituírem com centenas de unidades educacionais espalhada por todas as federações, formando os oligopólios no setor. Mas não para por aí: há instituições educacionais privado-mercantis que participam do capital aberto na bolsa de valores, como é o caso da Kroton Educacional, e que são as que efetivamente comandam o processo de financeirização do mercado de educação superior, isto é, não são as IES mantidas que ofertam no mercado de ações, são as corporações que as controlam, depois de ajustá-las juridicamente ao modelo de sociedades anônimas empresárias.

Ao que parece, o setor privado-mercantil da educação iniciou a expansão antes mesmo do enquadramento legal para a oferta do setor, como uma forma de pressionar os representantes do governo a atenderem, fundamentalmente, a demanda dos empresários, sob o argumento de atender a demanda estudantil represada, que por sua vez correspondia às demandas de mercado de produção mais rápida de profissionais. E, na pressa de resolver a questão, os representantes do governo emitiram decretos, resoluções e portarias que regulamentaram a oferta do ensino superior com financiamento público. O Decreto 2.306 de 1997 no seu art. 4º estabeleceu a finalidade lucrativa para as IES. Considerando que o Estado apresentava incapacidade operacional de, naquele momento, realizar grandes investimentos

para atender a demanda de estudantes que estavam fora do ensino superior, implantou políticas focais com características de programas de cunho social – Programa Universidade para Todos (Prouni) e Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), este, pré-existente, remodelado e ampliado, ambos programas que poderiam ser atendidos por (e atenderiam as) IES privadas-mercantis.

As políticas focais do governo Lula (2003-2010) como o Programa Universidade Para Todos23 (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil do Ensino Superior24 (FIES) são as precursoras das condições para a instalação das grandes agências de financiamento do setor educacional e como oportunidade de negócios para o mercado internacional a partir dos fundos de investimentos. De acordo com Santos Filho (2016), nas instituições privadas de ensino superior o financiamento ocorre pelo recebimento de mensalidades pagas pelas famílias e pelos recursos decorrentes da não arrecadação de tributos, por meio de renúncia fiscal, esta, uma forma de financiamento do governo que constitui benefícios destinados ao setor privado, ou seja, são recursos que deixam de ser arrecadados para a composição do fundo público. O Programa de Financiamento Estudantil (Fies), cuja administração de risco é do governo federal, é também uma fonte de fundo garantidor de crédito em caso de inadimplência. Essas formas de incentivo estatal aqui apresentadas revelam uma concepção privatista do ensino superior, que é orientada pelo Banco Mundial regulando e orientando para o capital movimentar ao declarar que “a criação de instituições não universitárias e o aumento das instituições privadas podem contribuir para satisfazer a demanda cada vez maior de educação superior e faz com que os sistemas de ensino melhor se adequem às necessidades do mercado de trabalho.” (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 31)

Entretanto, não houve regulamentação para coibir a participação de capital estrangeiro em IES privadas de natureza comercial nem impedir a financeirização e a desqualificação dos cursos oferecidos - era tudo que o mercado queria ouvir, para agir rápido. Iniciou-se ainda em 1997, pós decretos 2.207 e 2.306, uma expansão quantitativa de IES sem precedentes, “não importando muito ou quase nada se essa expansão se dá como usufruto de

23 O Prouni foi criado em 2004 e tornado oficial em 13 de janeiro de 2005 através da Lei federal n. 11.096.

O Prouni busca realizar a inclusão social através da concessão de bolsas de estudos de 50% e de 100% em instituições de ensino superior privadas, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, para estudantes que tenham estudado o ensino médio, exclusivamente em escolas públicas ou na rede particular, na condição de bolsistas integrais. Têm direito à bolsa integral os estudantes que apresentarem renda familiar bruta per capita máxima de um salário mínimo e meio. E aqueles que comprovarem renda familiar bruta per capita máxima de três salários mínimos têm direito à bolsa parcial de 50% .

24 O Fies foi criado pelo Ministério de Educação em 1999, para atender prioritariamente estudantes de baixa

renda, desde que estejam matriculados em uma instituição de ensino superior particular e tenham renda bruta familiar por pessoa de no máximo 2,5 salários mínimos.

um direito público ou se apenas como compra de um serviço, produto comercial ou mercadoria.” (SGUISSARDI, 2015, p. 870) Essa acelerada expansão passa a se dar também pela abertura do mercado nacional para investimentos internacionais nas IES privadas- mercantis, o que caracterizaria, além da financeirização, a transnacionalização do setor. Os primeiros grupos educacionais - Estácio, Kroton e Laureate - têm a presença de setor financeiro na sua administração e no financiamento de sua expansão. A Kroton é administrada pela Advent International25, um fundo de investimento privado com 56 empresas de investimento e que lança ações em 18 bolsas em todo o mundo; seu foco é auxiliar as empresas a levantar capital nos mercados públicos e privados para financiar a oferta de vagas.

Essa rota comercial de empresas de capital aberto e ações na bolsa de valores em que se colocou a educação, como dito, tem respaldo na Constituição Federal de 1988 e na LDB de 1996 quando aprovam a existência de instituições de educação com fins de lucro. Sguissardi (2015, p. 871) alerta “que estão sendo gradativa e celeremente anuladas as fronteiras entre o público e o privado/mercantil na ES de graduação”, por meio de um ajuste neoliberal e da mundialização do capital.

2.5 A POLÍTICA DE AVALIAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO