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O MODELO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR ESTADUNIDENSE E A PRIVATIZAÇÃO MERCANTIL DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

CAPÍTULO 2 RECONFIGURAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

2.2 O MODELO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR ESTADUNIDENSE E A PRIVATIZAÇÃO MERCANTIL DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Com a contribuição de pesquisas empíricas realizados nos Estados Unidos, Silva Júnior (2017) estabeleceu nova articulação temática a sua já extensa obra sobre a reconfiguração das políticas e sistemas de educação superior no Brasil. Procurando entender a relação entre educação superior e nova economia, associou seus estudos às mudanças que ocorriam no Brasil, especificamente na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por entende-la como uma das mais avançadas instituições públicas federais de educação superior com função estratégica e, portanto, mais suscetível às mudanças das políticas de Estado, bem como tenderia a ser exemplo para universidades federais de outros estados. Em 1965, com o Acordo MEC-USAID20, foi definido por seus representantes à época que a UFMG deveria

seguir o modelo modernizador das universidades norte-americanas “que buscasse conciliar o ensino técnico e profissional com o estudo da ciência.” (SILVA JÚNIOR, 2017, p. 46)

A Reforma Universitária de 1968 valida uma perspectiva de política interna ao sistema de educação superior brasileiro já iniciada pela UFMG, antes de ser imposta pelo governo ditatorial. Na década de 1960, têm início os cursos de pós-graduação, e nos anos de 1980 e 1990, sua expansão, com a política de integração dessa universidade com as empresas representando papel estratégico como protagonista de ações locais, nacionais e internacionais. Essa política de integração constituiu um projeto de ação facilitador do entrosamento entre a universidade e as empresas. (SILVA JÚNIOR, 2017)

Não diferente disso, um projeto estrutural foi produzido no governo Fernando

20 O Acordo entre o Ministério da Educação do Brasil (MEC) e a United States Agency for International

Development (USAID) visava estabelecer convênios de assistência técnica e cooperação financeira com o

Henrique Cardoso, o que alterou o aparato jurídico para um conjunto de reformas do Estado brasileiro. No campo da ciência e tecnologia, o objetivo era fortalecer a produção de um novo tipo de conhecimento exigido pelo regime de predominância financeira - a promoção do desenvolvimento industrial a partir do fomento aos Arranjos Produtivos Locais (APLs). Dessa forma, as redes de ciência, tecnologia e inovação se aproximam do setor produtivo com vistas à inovação e à ampliação da sua competitividade. De acordo com Silva Júnior (2017, p. 63), durante a 3a e a 4a conferências de ciência, tecnologia e inovação o que mais ficou evidente foi “o estabelecimento do consenso entre as indústrias, o governo e a academia.”

O Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), de 2009, e a Universidade Aberta do Brasil21(UAB), de 2006, foram projetos de apoio que alteraram

o cenário organizacional das IES federais com o aumento da contratação de servidores para atuar nesses projetos e no funcionamento administrativo de laboratórios e infraestrutura voltados ao crescimento industrial e ao aumento da produtividade econômica do país por meio da produção do conhecimento como matéria-prima. A UFMG estaria, então, a caminho de constituir a New Brazilian University, com o aumento da produção e registro de patentes, da produtividade medida pelo número de publicações em revistas internacionais, do número de programas de pós-graduação e pesquisa, da graduação e pós-graduação sanduíches, dos convênios interinstitucionais operacionalizados por editais da Capes, assim como da redução do número de créditos em programas de mestrado e doutorado. Como parte do projeto de expansão que vem sendo incentivado no Brasil, após 2005 a Educação a Distância (EaD) constitui outra modalidade financiada pelo fundo público, mesmo a maioria das vagas sendo concentradas no setor privado. É importante levar em conta que esse é o projeto piloto das universidades públicas brasileiras. (SILVA JÚNIOR, 2017)

Nesse sentido, é possível perceber que a via da privatização já se consolidava como estratégia política da expansão do sistema de educação superior nacional, haja vista que desde a década de 1960 – período que se discutia a Reforma Universitária – até os dias atuais as mudanças se intensificaram e se materializaram nos planos de regulamentação: Reforma do

21 O Sistema UAB foi instituído pelo Decreto 5.800, de 8 de junho de 2006, para "o desenvolvimento da

modalidade de educação a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País." Fomenta a modalidade de educação a distância nas instituições públicas de ensino superior, bem como apoia pesquisas em metodologias inovadoras de ensino superior respaldadas em tecnologias de informação e comunicação. Além disso, incentiva a colaboração entre a União e os entes federativos e estimula a criação de centros de formação permanentes por meio dos polos de educação a distância em localidades estratégicas.

Estado, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e portarias e decretos que favoreceram a reconfiguração do setor e a correspondente consolidação dos mercados educacionais.

A educação como atividade do Estado está sujeita a regulamentação jurídica minuciosa, cristalizada em uma série de leis e atos normativos editados pelo Poder Executivo: decretos, portarias, regulamentos etc. A Constituição Federal é a Lei Maior, hierarquicamente seguida de leis federais infraconstitucionais, válidas para todo o território nacional, de leis estaduais de alcance regional e de leis municipais de abrangência local, lembrada sempre a autonomia de que gozam todos os entes da federação brasileira: União, estados e municípios. Nesse arcabouço jurídico-legal torna-se importante distinguir regulação e regulamentação.

De acordo com Vitagliano (2018), o termo regulação diz respeito a todo tipo de intervenção que o Estado faz seja na atividade econômica, na saúde, na educação, pública e privada, seja para controlar e orientar o mercado seja para proteger o interesse público. Não é difícil para nós, educadores, entender que a melhor forma de regular a educação é por intermédio de seus órgãos colegiados e sob a luz da Constituição, como forma de garantir o direito social à educação.

Entretanto, as mudanças nas fronteiras entre o público e o privado ocorrem em um contexto de crise do capital conjugada à crise de financiamento do aparato estatal. Para superação dessas crises buscam-se estratégias para acessar os recursos do fundo público, uma delas a mudança do papel do Estado, apresentando o mercado como parâmetro de racionalidade econômico-financeira, eficiência e qualidade. Essas mudanças se dão, principalmente, no gerenciamento político dos recursos estatais, historicamente resultando na concepção de Estado mínimo para as questões sociais e de Estado forte (ou máximo) para as questões econômicas, estas vistas, quase exclusivamente, como o funcionamento dos mercados controlados pela apropriação privada.

Os artigos 205, 207, 209, 212 e 213 da Constituição Federal de 1988 traduziram a educação como direito do cidadão e dever do Estado e da família em atendê-la, seja na iniciativa pública ou privada (sem fins lucrativos), e essa foi a grande largada para a expansão do ensino superior. O setor privado da educação foi muito bem-sucedido com esta iniciativa da CF visto que, ao lado da obrigatoriedade e da abertura para a iniciativa privada (posteriormente abarcando IES com fins de lucro), ao Estado também se propõe propiciar as condições de financiamento. Vejamos o que dizem os citados artigos da Constituição (grifos nossos):

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

(...)

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. (...)

Art. 212. A União aplicará anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:

I- comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes