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REGULAÇÃO E A PRIVATIZAÇÃO MERCANTIL: AVANÇO DOS MERCADOS TRANSNACIONAIS

CAPÍTULO 1 REGULAÇÃO TRANSNACIONAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR E A PRIVATIZAÇÃO MERCANTIL COMO ESTRATÉGIA

1.2. REGULAÇÃO E A PRIVATIZAÇÃO MERCANTIL: AVANÇO DOS MERCADOS TRANSNACIONAIS

Cabe destacar, que nos mercados transnacionais, em tempos de capitalismo ampliado, a educação tem sido concebida como um bem social e passa a se constituir como um produto do comércio, um setor rentável para o empresariado, à qual têm sido atribuídas as concepções da cultura empresarial. Esses preceitos, são dominados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que defende a máxima desregulamentação do setor. (HADDAD, 2008)

As políticas neoliberais têm suas bases amparadas no Banco Mundial (BM) como um marco institucional comum que regula todas as relações comerciais entre os países Membros, buscando estabelecer o aquecimento do comércio que permita a negociação de novos acordos comerciais entre os Membros. A ideia que está por trás dessas relações comerciais é a do “valor em movimento”, ou seja, do capital apropriado e controlado pelos países ricos, em especial os Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão. De acordo com Teodoro (2012, p. 21)

O novo projeto de desenvolvimento gerado pela globalização hegemônica trouxe, para o primeiro plano, uma estratégia de liberalização dos mercados mundiais, levando o axioma das vantagens competitivas a tornar-se o centro desse projeto e, desse modo, à recuperação da teoria neoclássica do capital humano.

O pacote de reformas da educação proposto pelo Banco Mundial forma um documento dirigido a países da África, Ásia e América Latina, como também as Repúblicas Socialistas da Europa e da Ásia Central. De acordo com Torres (1996), esse pacote proposto pelo BIRD dispõe de uma articulação para melhorar o acesso, a equidade e a qualidade dos sistemas escolares. Essa proposta continha orientações para a educação que se referiam: a reforma educativa; descentralização de instituições autônomas e responsáveis por seus resultados; descentralização das atividades estatais com a centralização do gerenciamento e

do controle de desempenho; impulsionar o setor privado e organismos não-governamentais nas decisões e implementação; mobilização e alocação de mais recursos para a educação com questão prioritária para negociação com os Estados nacionais; definição de politicas e estratégias baseadas na análise econômica. Destaca o Banco:

A menos que se lleven a cabo reformas para mejorar los resultados de la enseñanza superior, muchos países están destinados a entrar al siglo XXI con una preparación insuficiente para competir em la económia mundial, donde o crecimiento dependerá cada vez más de los conocimientos técnicos y científicos. (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 28).

As primeiras orientações do Banco indicavam a necessidade de uma reformulação, pois o ensino superior estava em crise e precisaria passar por uma readequação em todo o sistema de ensino, inclusive readequando os recursos do setor público para o setor privado. A contribuição para a educação superior, para o desenvolvimento econômico e social é utilizado como justificativa para a expansão pela via da privatização.

Como podemos ver a seguir, a forma que as agências multilaterais regulam os sistemas voltados para o mercado. Isto é, sempre orientando pela via das reformas voltadas a privatização sob o argumento de reduzir custos, e assim, inserindo sempre novos serviços e novas mercadorias para compor o “valor em movimento”. O Relatório do Banco Mundial (2017, p. 133) para o ensino superior destacou um alto nível de ineficiência nas universidades federais públicas, e aponta as universidades privadas como as mais eficientes, “universidades privadas sem e com fins lucrativos apresentam eficiência média de 88% e 86%, respectivamente”. Assim,

é necessário facilitar o acesso a mecanismos de financiamento para estudantes que não possam pagar as mensalidades. Felizmente, o Brasil já possui o programa FIES, que oferece empréstimos estudantis para viabilizar o acesso a universidades privadas. O mesmo sistema deveria ser expandido para financiar o acesso a universidades federais. A ampliação do FIES para incluir universidades federais poderia ser combinada ao fornecimento de bolsas de estudos gratuitas para os estudantes dos 40% mais pobres da população, por meio do programa PROUNI. Juntas, essas medidas melhorariam a equidade do sistema e gerariam uma economia para o orçamento federal de aproximadamente 0,5% do PIB. (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 138)

superior, afirmando que elas são, “ao mesmo tempo, ineficientes e regressivas.” E sugere que “uma reforma do sistema poderia economizar 0,5% do PIB do orçamento federal.” A seguir, mais uma vez destaca que as universidades federais poderiam ser pagas, ampliando as possibilidades de gerar lucro para o capital:

O Brasil já fornece esse tipo de financiamento para que estudantes possam frequentar universidades particulares no âmbito do programa FIES. Não existe um motivo claro que impeça a adoção do mesmo modelo para as universidades públicas. A extensão do FIES às universidades federais poderia ser combinada ao fornecimento de bolsas de estudo gratuitas a estudantes dos 40% mais pobres da população (atualmente, 20% de todos os estudantes das universidades federais e 16% de todos os estudantes universitários no país), por meio da expansão do programa PROUNI. Todas essas reformas juntamente melhorariam a equidade e economizariam pelo menos 0,5% do PIB do orçamento federal. (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 13, grifos nossos)

Tais orientações são articuladas no sentido de ir adequando as políticas nacionais para o setor a objetivos de mercado, que requerem a ampliação de áreas de investimento de capital. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as principais economias do mundo, atua na direção de planejar, regular e operar o capital em valores e mecanismos de livre mercado e a partir de democracias representativas.

Para se ter uma ideia da crise do capitalismo nos países ricos e dos reflexos nos países emergentes buscamos as contribuições de Harvey (2003). De acordo com o autor, a crise do capitalismo se deu por escassearem os investimentos em produção nos últimos 30 anos, logo, sem capital a industrialização sofre os reflexos dessa crise e o capital se reconfigura e procura novos mercados para explorar. O capitalismo, quando em crise, apresenta alto potencial de reconfiguração e transformação para agir em outros lugares e em outros tipos de mercado, e vem lançando mão da especulação financeira como forma de manter o processo de acumulação. A ideia é que se ganhe dinheiro jogando com dinheiro, pois não há capitalismo sem crise. E segue buscando alternativas para a superação da crise do capital: a globalização, o neoliberalismo, a reestruturação produtiva, a financeirização, a privatização, a mercantilização.

No contexto contemporâneo, a configuração geopolítica dos mercados internacionais de produção e consumo apresenta conexões com outros mercados operados por investidores

financeiros9 que avaliam e decidem sobre “a participação de tal país na rede, em graus que

diferem de um compartimento a outro (câmbio, obrigações, ações etc.)” (CHESNAIS, 1996, p. 45), dessa maneira demarcando o país que ‘quebra’ e o que se estabiliza. Na verdade, como afirma Frigotto (2001, p. 36), trata-se de uma “formação de oligopólios e megacorporações mediante a fusão ou alianças entre grandes empresas” que se unem para resguardar os seus interesses.

O uso do termo globalização, segundo Chesnais (1996), é insuficiente para a compreensão do atual processo de internacionalização do capitalismo, posto que não considera a devida intervenção/participação da ‘mundialização do capital10 na mediação da economia real e se caracteriza pela instauração de um regime de acumulação predominantemente financeira. Nesse estado de coisas, evidencia-se que o principal entre os problemas da globalização: a tendência à ampliação da desigualdade social, em que o poder e a renda se encontram fortemente concentrados nas mãos de uma minoria, o que atrela a questão às contradições do capitalismo.

O neoliberalismo atua na privatização dos serviços públicos e o repasse da sua execução ao mercado, buscando a racionalização no uso dos recursos orçamentários e a diminuição dos gastos do Estado com as políticas educacionais e demais políticas sociais, diminuindo assim a atuação do papel das instituições públicas. Na visão da teoria neoliberal, é o Estado o culpado pela crise, porque ao tentar se legitimar gastou mais do que podia no atendimento às demandas da população por políticas sociais e, assim, provocou a crise fiscal. Nesse sentido, o Estado vai se convertendo em órgão regulador e legitima-se a privatização de instituições públicas, sob o argumento de que empresas privadas estariam mais capacitadas a prestar os mais diversos serviços com eficiência, eficácia e ‘melhor qualidade’, o que tem gerado contradições quanto ao papel social do Estado implícito na Constituição Federal Brasileira de 1988. (PERONI, 2006)

A reestruturação produtiva pressupõe a intensificação das transformações no processo produtivo. Essa foi uma das respostas à crise do sistema de acumulação que teve início nos

9 Os investidores institucionais, para Chesnais (2005), são organismos tais como: fundos de pensão, fundos

coletivos de aplicação, sociedades de seguro, bancos que administram sociedades de investimento; eles teriam feito da descentralização dos lucros não reinvestidos das empresas e das família s (planos de previdência privados, poupança salarial) um trampolim para uma acumulação financeira de grandes proporções.

10 A ‘mundialização do capital’ é a capacidade de todo grupo oligopolista, voltado para a produção

manufatureira, ou para as principais atividades de serviços, de adotar por conta própria, um enfoque e condutas “globais” (...) incluindo-se a esfera financeira (CHESNAIS, 1996, p. 17), configurando um espaço conectado mundialmente.

anos de 1970 com as crises do petróleo e a imposição do dólar como moeda de conversão universal. Essa reestruturação foi suportada pela significativa introdução de tecnologias nos processos produtivos e na utilização do toyotismo11 como uma sorte de ‘pedagogia da gestão’, em oposição ao fordismo, processos que se pautarão “na flexibilidade dos processos, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.” (HARVEY, 2003, p. 140). Com a produção fabril flexibilizada e informatizada – típico da acumulação do capital –, houve uma queda na população operária, maior independência dos patrões em relação às demandas do trabalho manual e à estabilidade dos trabalhadores, o que resultou na expansão da precarização do trabalho (contratação temporária, trabalho em tempo parcial, terceirização etc.). Com a reestruturação produtiva, a classe trabalhadora fragmentou-se e se tornou mais heterogênea. Com tais mudanças, o capital pode até precarizar e subutilizar a mão de obra, reproduzindo na sociedade a ideia dos valores empresariais e mercadológicos, mas o desenvolvimento tecnológico não pode substituir a capacidade intelectual do homem (ANTUNES, 2013).

De acordo com Boaventura Santos (2002, p.56):

Para entender correctamente el desarrollo desequilibrado e hipercientificizado del pilar de la emancipación es necesario no olvidar el desarrollo concomitante e igualmente desequilibrado del pilar de la regulación en los últimos dos siglos. En lugar de desarrollo armónico de los tres principios de la regulación – Estado, mercado y comunidad -, asistimos generalmente al desarrollo excesivo del principio del mercado en detrimento del principio del Estado y del principio de la comunidad. (grifos nossos)

As ações de mercantilização da educação superior que as corporações promovem atualmente, por meio da constituição de mercados privados lucrativos no setor, é um agressivo processo global de privatização e financeirização que estão articuladas desde muito tempo na economia mundial (CHAVES, 2010; SGUISSARDI, 2008). Vêm do continente europeu e da América do Norte e desembarcam na América Latina, com a tendência de aprofundar o capitalismo dependente pelo controle das maiores fatias de mercado e da propriedade, por meio dos monopólios e da concentração de capitais. Para Bittar e Ruas

11 O toyotismo, segundo Antunes (2005; 2013), é uma forma de organização do trabalho aplicada na fábrica

da Toyota, no Japão dos anos pós-1945, que apresentava as seguintes características: produção vinculada à demanda; processos produtivos flexíveis possibilitando a um mesmo operário operar várias máquinas e desenvolver várias funções. A produção em geral é horizontalizada, ou seja, grande parte da produção é terceirizada e subcontratada para deixar as empresas mais ‘enxutas’, ou mais ‘leves’.

(2012, p. 125) esses monopólios “são formados por empresários que mantêm vínculos com grandes bancos de investimentos norte-americanos que entraram no país, investindo enormes cifras para garantir sua presença nas IES brasileiras”. Isso se dá através de um processo de financeirização da educação superior, promovido pelas relações de negociações entre empresários e políticos ligados ao setor mercantil, o que favoreceu consideravelmente o setor. O principal objetivo da abertura de capital dos grandes grupos da educação superior foi o de acelerar a sua expansão, o que possibilitou levantar recursos para realizar diversas operações de fusão e aquisição de instituições de ensino superior privadas, sejam de grupos familiares ou de pequenos grupos de empresários espalhados e que mantinham instituições - originalmente filantrópicas ou comunitárias sem fins lucrativos que passaram a se constituir como sociedades empresárias - em todos os estados brasileiros. Essas instituições de ensino superior se articularam no processo de mercantilização da educação, explorando o setor com vistas à acumulação e reprodução de capital e manifestando-se nas formas expostas por Sguissardi (2015, p. 869):

A análise e interpretação dos dados referentes ao estatuto jurídico das instituições e respectivas matrículas, à frequência ao turno noturno e à EaD, à concentração dos cursos e matrículas por área de conhecimento, à presença de fundos de investimento (de private equity) nacionais e transnacionais que se associam às grandes empresas do setor educacional etc., autorizam a hipótese de que a educação superior, no Brasil, vive um intenso processo de transformação de um direito ou “serviço público” em “serviço comercial” ou mercadoria, isto é, um processo de massificação mercantilizadora que anula as fronteiras entre o público e o privado-mercantil e impede uma efetiva democratização do “subsistema”. Ao menos no nível da graduação.

As diversas mídias reproduzem essa dinâmica, de modo que

Os noticiários da imprensa corporativa ou comercial têm cada vez mais chamado a atenção para um fenômeno que antes era próprio do mercado financeiro, industrial e comercial: a presença de grandes fundos de investimento no chamado mercado educacional do país, como já ocorre em alguns outros países do centro e da periferia global. (SGUISSARDI, 2008, p. 1003)

Isso implica dizer que as forças convergem no mesmo sentido de mercantilizar, não só a pesquisa, mas a estrutura de formação da educação superior, alcançando a graduação e o trabalho docente, apropriados pelo mercado pelas transformações na administração pública

e na legislação do setor. Sob inspiração das formulações teóricas neoliberais, tais mudanças produziram a desregulamentação do setor e materializaram o discurso da flexibilidade, competitividade, governança, accountability e performance das instituições, das políticas e dos sistemas.

Para Teodoro (2012, p. 28) “é uma influencia que se manifesta não por um mandato explícito, mas pela necessidade de responder a uma agenda global baseada na comparação e, sobretudo, na competição de performances dos sistemas educativos”. Na concepção neoliberal a gestão é concebida como gerenciamento, submetendo a educação aos ditames da racionalidade técnica, fundada nos critérios de eficiência e competitividade. Nessa concepção de gestão, as instituições de educação são utilizadas para atingir resultados em larga escala e serem competitivas.

De acordo com Dias Sobrinho (2009, p. 132), o acordo de Bolonha tinha como premissa que “a constituição de uma Europa unida e forte dependia de uma educação superior voltada para a inovação, a competitividade e a produtividade”, por sua vez orientadas pelas transformações ocorridas no sistema capitalista que tornaram flexíveis tanto as relações de produção quanto os modelos produtivos, sobretudo no que diz respeito à formação do trabalhador. O documento do Acordo de Bolonha foi criado, dentre outras razões, para orientar as mudanças que seriam necessárias na educação superior europeia com vistas a garantir sua competitividade em razão do fenômeno da globalização. Nesse sentido, foram discutidas algumas diretrizes estabelecidas para reforma dos currículos das universidades europeias para atender demandas do mercado de trabalho.

A partir da criação dos Estados-Nação europeus, a Europa reafirma o valor quase milenar no campo dos estudos superiores consignado em seu modelo de universidade, que se baseava no princípio da autonomia intelectual e institucional. Com a implementação do Processo de Bolonha, a partir do final do século XX e início do XXI, a autonomia parece ter ficado no passado e passa a vigorar uma regulação de caráter centralizador e objetivos de controle do conhecimento e da formação universitária. Dessa forma, a universidade europeia

foi integrada num sistema nacional de tutela e de controlo exercido através de poderes legislativos, decretos e circulares ministeriais. E não menos importante, o forjar do Estado-nação aconteceu ao mesmo tempo que a academia era incorporada nas fileiras do serviço estatal, postulando assim a obrigação implícita de prestação de serviço à comunidade nacional. (NEAVE apud MAGALHÃES 2006, p. 24)

No outro hemisfério banhado pelo Atlântico, na América do Norte, não foi diferente: os Estados Unidos têm produzido uma maior diversidade de categorias educacionais e formas de regulação e controle, entretanto, mantêm a tendência de implantação de um modelo empreendedor e empresarial de universidade.

1.3 A GESTÃO ACADÊMICA NO CONTEXTO DA REGULAÇÃO TRANSNACIONAL