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Comunicação: Passaporte Para O Mundo

No documento PORTCOM (páginas 67-70)

Aos poucos o trauma dos estudos vai passando e o jovem começa a se desta- car como bom aluno. Como não tem a facilidade motora dos demais garotos – embora seja um fã de futebol até hoje –, logo os estudos serão o eixo de sua vida. “Era meu canal de ascensão, um modo de sair da pobreza e da limitação social”. Aos 9 anos, o aluno exemplar apresenta comportamento paradoxal: tímido no contato com professores e colegas, revela-se desinibido em público. “Descobri que na frente da plateia eu era um comunicador”. Como ele diz, tinha facilidade para transmitir conteúdos e para estabelecer empatia com os interlocutores.

Aos 10 anos, no Dia do Soldado, comemorado em 25 de agosto, a escola recebe autoridades locais, como o padre, o delegado e o médico da cidade, e a diretoria precisa fazer bonito. Edvaldo é convidado para declamar um poema. “Dei tal toque de humor e graça na coisa que a plateia toda se contorceu de rir”. Na mesma época, começa a redigir histórias. A rigor, sua produção literária começa na década de 1960: “Escrevi meu primeiro livro aos 11 anos, quando escrevi uma história em vários cadernos”.

A cidade de Três Marias o presenteia com a oportunidade de se tornar cida- dão do mundo. Explica-se: aos 10 anos, o Programa Corpo da Paz, idealizado pelo governo John Kennedy com o objetivo de estreitar relações com países em desenvolvimento, enviava voluntários para desenvolver trabalhos sociais em regiões empobrecidas. Em 1961, dois homens e quatro mulheres, entre elas Ann Iodice, de 28 anos, chegam a Três Marias. Vinda de Boston, ela fica pouco menos de dois anos na cidade como professora de inglês e terá papel decisivo na formação do jovem. “Ela era moderna, cosmopolita, antenada com o mundo. Falava de astronáutica, ciência, artes, Hollywood”, lembra Pereira Lima. Não por acaso, dos 11 até os 20 seus ídolos eram astronautas americanos, como John Glenn, o primeiro a dar três voltas completas na Terra. Ao ensinar-lhe inglês, a jovem permite-lhe o acesso à América do Norte e, expansão que mais tarde inclui a América hispânica.

Em 1966, aos 15, outro marco: Edvaldo conhece a revista Realidade, da Editora Abril, em seu período áureo. Nunca mais será o mesmo. Não se lembra da primeira vez que viu um exemplar, mas nunca mais teve dúvidas sobre o que queria fazer na vida: “Viajar o mundo escrevendo, conhecendo povos”. A ideia de ser jornalista, portanto, já lhe rondava a cabeça. Sobretudo depois que ganhou um manual sobre a profissão da Edições de Ouro do prefeito da cidade, jornalista que viera de Belo Horizonte, onde ganhara um Prêmio Esso regional. “Decidi entrevistá-lo e publiquei a matéria num jornal-mural que havia criado na escola. Aí ele me presenteou com o manual”.

Aos 16 anos, a expressividade frente às plateias faz com que o convidem para fazer teatro amador. “Eu era muito solto no palco, as pessoas diziam que eu ti- nha talento”. Chegou até a protagonizar duas peças. Não seguiu a profissão, mas anos mais tarde, já professor, incorporou ao seu arcabouço teórico os estudos de psicodrama, prática em grupo que trabalha a comunicação interpessoal desen- volvida pelo médico romeno Jacob Levy Moreno (1892-1974).

Um ano depois, com 17 anos, é convidado para residir na Costa Rica com Ann e seu marido, Joe Hoskins, que trabalhavam no The American Advisor, jornal para a colônia norte-americana. Os pais o apoiam. Com fortes relações com o restante da América, a Costa Rica atraía muitos estadunidenses porque era considerada um país seguro, dotado de política governamental e clima está- veis, bem como bom nível sociocultural. Além disto, tinha custo de vida mais baixo do que o dos EUA que, em adição aos programas de incentivo locais, o tornavam um destino bastante atraente para aposentados dos Estados Unidos.

Em San José, publica seus primeiros textos como jornalista. Em inglês. “Pas- sei a exercer função dupla: de madrugada, distribuía os jornais para os assinan- tes. À tarde, ia para a escola de espanhol e escrevia crônicas para o jornal.” No ano seguinte, 1969, Edvaldo segue para Watertown, na Grande Boston, para re- sidir por dez meses com os pais de Ann, período no qual ele faz senior high scho-

ol, é dispensado do serviço militar e testemunha o movimento de contracultura

(a efervescência é forte na Universidade de Harvard, que fica a cinco minutos de ônibus de onde mora). Naquela época entra em contato com o Jornalismo Literário, modalidade então fortíssima, com expoentes como Gay Talese e Tom Wolfe no auge, e revistas esplendorosas abrigando a produção de uma nova geração de brilhantes escritores da vida real, como The New Yorker, Esquire e

Rolling Stones. Admirava muito os Estados Unidos, mas até hoje guarda uma

visão crítica sobre o país, devido ao excesso de ufanismo, individualismo e espí- rito competitivo quando comparado com a Comunidade Econômica Europeia, por exemplo. “Sempre me vi como um cidadão do mundo, sem essas barreiras geopolíticas tão limitantes de hoje”.

Em 1970, aos 19 anos, voltou para o Brasil. O destino de chegada é Brasília, onde mora um tempo com seu irmão mais velho, Edson. O inglês e espanhol fluentes – um marco importante na sua futura carreira acadêmica – e a admira- ção pela aviação são credenciais para obter um emprego na Varig. Trabalhava em terra, mas cria com um colega o jornal dos funcionários, onde eventualmente escreve contos.

Logo pede transferência para São Paulo, sonho desde antes de se mudar para a Costa Rica. Ao chegar à cidade, em março de 1971, tem a intenção de estudar jornalismo na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, mas descobre que o vestibular seria realizado no final do ano e não quer desperdiçar tempo. No meio do ano, ingressa na Faculdade de Turismo Morumbi (hoje Universi- dade Anhembi-Morumbi). “Percebi que poderia unir as duas coisas – escrever e viajar”.

Continua trabalhando em aviação até se formar. Da Varig vai para a Aerolí- neas Argentinas e daí para a Alitalia, sempre em terra e estudando à noite. Nas horas vagas, começa a se aproximar do jornalismo. É colaborador do Última Hora, escrevendo comentários e artigos para um caderno de final de semana editado pelo Mário Prata. Quando se forma, em 1975, aos 24 anos, é convi- dado pelo dono da faculdade Anhembi Morumbi, Gabriel Mário Rodrigues, a responder pela área de comunicação interna e a lecionar português no curso de turismo, com foco em redação. “Foi aí que percebi que eu tinha talento para professor”. De fato, quem já teve aula com ele sabe que se trata de orador inspi- rado, que articula saberes com elegância, simpatia e desenvoltura.

Sarah Bacal, professora aposentada da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, que havia sido professora de Psicologia do curso de turismo, aconselha-o a fazer pós-graduação em Comunicação na USP, centrada em Jornalismo. E sugere-lhe procurar o professor Gaudêncio Torquato.

Aqui cabe um parênteses, para se entender o que era buscar uma pós-gra- duação na área de Comunicação no início dos anos 1970. Em primeiro lugar, a própria ECA havia sido fundada há pouco tempo, em 15 de junho de 1966, com o nome de Escola de Comunicações Culturais. Para atender às demandas dos cursos de graduação, bem como compor seu quadro-docente, a ECA teve que recorrer a outras unidades da Universidade para criar sua pós-graduação. Não por acaso, boa parte dos primeiros doutores foram orientados por docentes de outros cursos. Foi apenas em 8 de janeiro de 1972 que surgiu o mestrado na área de Comunicações e, em 1980, o doutorado do programa. Em 1975, o professor Gaudêncio Torquato, que Edvaldo fora instigado a entrar em contato e que se tornaria seu orientador no mestrado e no doutorado, era um jovem doutor formado há apenas três anos (ele havia defendido a tese Comunicação na

empresa e o jornalismo empresarial: visão crítica e tentativa de elaboração de um modelo para as publicações internas sob orientação do livre-docente da Faculdade

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Rolando Morel Pinto, em 1972). Como muitos, o jornalista potiguar Gaudêncio Torquato havia feito doutorado direto, sem mestrado.

Edvaldo faz as provas e, em 1978, é aceito como orientando. “Torquato pe- diu que eu fizesse duas disciplinas de graduação do Jornalismo como adaptação. Aceitei e dei-me muito bem”. Três anos depois, em 1981, obteve uma bolsa da Capes e concluiu a dissertação. Foi o início de uma longa parceria entre os dois acadêmicos. “Ele foi um orientador estimulante. Percebeu meu espírito de inde- pendência e de autodidata, dando-me espaço para crescer e evoluir”.

No documento PORTCOM (páginas 67-70)