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Formação do Publicitário

No documento PORTCOM (páginas 31-34)

Um tom ainda mais profissional Morel conduziu a partir de 1972 na funda- ção do curso de Publicidade e Propaganda das Faculdades Integradas Alcântara Machado (Fiam). Lá firmou parceria com Raul Fonseca e Silva, com quem abriu uma agência de Publicidade e deixou parâmetros para o ensino superior. Morel e Fonseca (1979) elaboraram suportes teóricos, com esquemas gráficos, para formulação do currículo do curso, iniciando pela reflexão quanto à ideolo- gia e o sistema produtivo da sociedade.

Ao escrever sobre a “Formação do Publicitário” os dois autores analisaram os meios de comunicação como veículos da ideologia dominante e propugnavam uma consciência crítica dos profissionais a partir de bases da Sociologia, Antro- pologia Cultural, Psicologia Social, Cultura Brasileira e suportes instrumentais através de disciplinas como Economia, Estatística, Pesquisa Social em Comuni- cação. Complementavam com a capacitação metodológica proporcionada pela Filosofia, História Geral do Pensamento e Teoria do Conhecimento.

Seu aprofundamento acadêmico não bastava perante as diretrizes vigentes na USP, que exigiam maior titulação. Assim, elaborou teoricamente formulações ao longo dos anos em que foi professor e escreveu a partir de 1977 as ideias pró- prias que desembocaram na dissertação defendida em 1983. Entrou no Mestra- do para continuar dando aulas, mas não descuidou de contribuir com reflexões originais, com uma abordagem sobre publicidade e propaganda para além dos ditames conjunturais da economia de mercado e dos padrões literários. Vincula- -se ao sentido da Publicidade como comunicação persuasiva.

A fecundidade da proposta de Morel vale a pena ser retomada em tempos nos quais as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de PP voltam a ser debatidas, de modo a completar-se o panorama histórico da inserção da propa- ganda no ensino brasileiro. A vertente metodológica de Morel fora ressaltada em 1978 por José Marques de Melo num ciclo de estudos realizado em Santos,

como ele resumiu ao escrever em 1984, após a morte do publicitário. Nutriram uma amizade de 15 anos e neste período a dedicação de Morel à INTERCOM deixou marcas:

Durante minha primeira gestão como presidente da Intercom senti segu- rança e tranquilidade tendo Chico Morel integrando o Conselho Fiscal. Não apenas pela sua habilidade na condução das questões contábeis e jurídicas, mas também seu discernimento político e intelectual. [...] Sua intervenção em várias das nossas reuniões de estudos na Rua Augusta era sempre polêmica. Morel tinha um temperamento desassombrado e uma inclinação forte para o pragmatismo. E dessas virtudes ele retirava a inspiração para questionar muitas das teses expostas por colegas mais afeitos ao verniz da academia. Suscitava inesgotáveis controvérsias e pro- vocava perplexidades que impunham o silêncio a alguns associados, mais propensos ao exercício do monólogo do que à criatividade do diálogo. (MARQUES DE MELO, 1984, p. 17)

Ao lembrar do amigo durante almoço em restaurante perto da Avenida Pau- lista, em 25 de janeiro de 2013, aniversário de 459 anos de São Paulo, Marques de Melo relatou experiências partilhadas com ele em São Paulo, num testemu- nho sobre a intensa dedicação de Morel à vida. Na paulicéia de 1967 conhece- ram-se e desde então “cultivamos uma amizade inabalável. Chico foi um amigo naquela dimensão nordestina de camaradagem”.

No livro A USP e a invenção da propaganda – 40 anos depois (AQUINO,

2010), a presença de Morel na academia é registrada por Marques de Melo ao lembrar como a ausência dos conhecimentos sobre publicidade constituía lacuna nos primórdios da Escola de Comunicação e Artes da USP, sem profissionais do campo da Propaganda. O curso da USP inicia em 1972 com ênfase da área de Letras.

[...] Morel [que foi contratado como publicitário para divulgação insti- tucional da escola] notou a ausência inaceitável da propaganda entre os cursos de graduação da ECA, sensibilizando nosso primeiro diretor, Julio Garcia Morejón, para corrigir essa distorção. Mas a renúncia intempes- tiva de Morejón, na crise estudantil que prenunciou a rebelião de 1968, vai retardar a iniciativa. Ela somente foi implementada pelo seu sucessor, Antonio Guimarães Ferri, membro influente nas instâncias decisórias, responsável pela aprovação dessa carreira em 1970. Assim sendo, coube a Francisco Morel o mérito de introduzir a Propaganda no universo dos cursos de graduação da USP, vindo ele próprio a lecionar no novo curso,

quando inaugurado em 1972. Trata-se de episódio certamente não regis- trado na memória oficial do curso, mas do qual fui testemunha ocular, dele dando constância como fonte para os futuros historiadores da nossa escola. (MARQUES DE MELO, 2010, p. 56)

Nas Faculdades Integradas Alcântara Machado o encontro com Raul Fonse- ca Silva possibilitou novos desafios, início de um relacionamento profícuo para o ensino de Publicidade e Propaganda. O colega lembra que estava ensinando técnicas de desenho e pintura no dia em que se viram pela primeira vez:

Estatura mediana, simpático, um pouco calvo, tirou os óculos e com aquele sotaque cearense, voz forte, muito bravo, sem ao menos me co- nhecer foi dando bronca: “mestre, tá errado, não é isso que você tem que fazer na aula. A coisa é simples: eu trabalho com os alunos produzindo texto, aí eles vão para a tua aula e ilustram os anúncios que criam comi- go. [...] Eu fiquei um pouco desconcertado porque já tinha combinado o curso com os alunos, mas o Morel parecia diretor da Faculdade, ou chefe de departamento, ou chefe de alguma coisa (mais tarde descobri que ele não chefiava e jamais desejou chefiar coisa alguma) e eu achei melhor trabalhar de acordo com sua proposta. Pelo menos o Morel era a primei- ra pessoa que eu encontrava na Faculdade que parecia entender alguma coisa do curso. (SILVA, 1984, p. 21)

Para Silva, as modificações introduzidas foram revolucionárias e nos dez anos de trabalho conjunto transformaram o curso da Fiam “a partir de 1976, num dos melhores de São Paulo” (1984, p. 21). A disciplina Técnica de Comu- nicação em PP passou a ser ministrada pelos dois, “aula a quatro mãos”, como definia. A matéria era como uma agência experimental. Anteciparam em 1976 a exigência posterior do Conselho Federal de Educação “e os alunos passaram a trabalhar como se trabalha dentro da agência profissional: executando campa- nhas publicitárias e trabalhando em duplas de criação” (SILVA, p. 22)

Quanto à presença de Morel na Fiam, Feliciano (2007, p.57) afirma que “a própria fisionomia tomada pela instituição, quando surgiu no Jabaquara, valeu-se da sua inspiração” pois os dirigentes confiaram a Morel diretrizes e as- sim surgiu uma “escola moderna, bem equipada tecnicamente e dotada de um corpo docente da melhor qualidade”, embora mais tarde os rumos desvirtuaram o projeto.

Marques de Melo tinha acompanhado de perto a parceria fértil de Morel e o professor de artes gráficas Helcio Deslandes. Ambos vinham de experiência

profissional no campo publicitário, Deslandes com atuação na “Starlight Pro- paganda (1951-60), Standard Propaganda, McCann Erickson, de Belo Hori- zonte, no Serviço de Imprensa e Propaganda do Governo de Minas Gerais, na diagramação do Jornal do Brasil (RJ), na Editora Bloch, além de ter executado projetos como arquiteto e como designer nos Estados Unidos”. (PORTAL..., 2013, online)

É importante que se ressalte que o trabalho de Francisco Morel não é panfletário, é científico, e como tal estrutura-se para provar a hipótese levantada sobre esta interface jornalismo/publicidade. Além disso, o seu domínio sobre a prática publicitária lhe permitiu vislumbrar esta realida- de, estabelecendo uma análise do discurso jornalístico que transcendeu o, até então corrente, modelo analítico baseado unicamente no texto escrito. (MENDES JUNIOR, [s.d], online)

Morel percebia como a inserção das marcas, da cultura publicitária, inter- feria no jornalismo e levantava a necessidade de análise das edições de jornal a partir dos códigos provenientes da morfologia proveniente desta cultura.

No documento PORTCOM (páginas 31-34)