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COSTA, Caio Túlio Ombudsman – O Relógio de Pascal São Paulo: Geração Edito rial, 2006, p 143 Leve em conta que esta é uma anedota dos anos 80, quando ainda

No documento PORTCOM (páginas 148-151)

Caio Túlio Costa

2. COSTA, Caio Túlio Ombudsman – O Relógio de Pascal São Paulo: Geração Edito rial, 2006, p 143 Leve em conta que esta é uma anedota dos anos 80, quando ainda

dade do produto estava em queda – a circulação paga do jornal passara a crescer sistematicamente, mês a mês.

A coisa não parou por ali e o episódio provocou sequelas. Dentre os jorna- listas que firmaram o abaixo-assinado, editores foram afastados, integrantes do Conselho Editorial foram removidos e quem ocupava cargo de confiança foi demitido. Pior ainda, “muitas relações pessoais na Redação ficaram estremecidas devido à divisão provocada pelo documento entre os que o assinaram e os que não o assinaram”, relata Carlos Eduardo (2005, p. 117).

Uma das sequelas mais importantes, a relativa à ríspida relação da Folha com o Sindicato, não foi resolvida. Até então era permitida livremente a presença dos representantes sindicais no jornal. Bastava chegar um diretor do Sindicato, bater palmas, que todos faziam um círculo e ouviam o que o Sindicato tinha a dizer. Em maio, a direção do jornal estabeleceu horários para eventuais falas da diretoria do Sindicato aos jornalistas no recinto da Redação. Em resposta, o Sin- dicato tentou autuar Frias Filho por exercício ilegal da profissão. Nem procurou saber se o mesmo, formado em advocacia, era jornalista legalmente provisiona- do. Era. Proibido de entrar na Redação, o Sindicato acabou pedindo desculpas. Deglutida a contragosto a crise do abaixo-assinado, tanto pelos criticados quanto pelos críticos, passou-se para a elaboração da segunda edição do Manual em reuniões de uma comissão que duraram de março a julho. Em novembro, a categoria voltou a criticar a Folha porque a sua direção proibiu os jornalistas de portar material de propaganda política (as cidades iriam eleger prefeitos) durante o horário de trabalho.

Em março do ano seguinte, 1986, divulgou-se o organograma da Redação. Por mais incrível que possa parecer aos olhos dos administradores, em plena dé- cada de oitenta, a Folha não tinha um organograma da sua Redação distribuído para os chefes e subordinados. Em outubro, houve novo recuo no horário de fechamento: das 22h30 para as 22h. Em novembro, os jornalistas receberam o

Manual das Eleições para a cobertura do pleito eleitoral aos governos estaduais

– mais uma novidade, não havia nada disso da Folha até então. Em dezembro, entrou em vigor o orçamento descentralizado da redação.

O ano de 1987 começou com um pedido de autuação contra 40 funcioná- rios do jornal por exercício ilegal da profissão. No final, seis entre os 40 foram de fato autuados.

Uma das bandeiras do jornal, defendida publicamente, era a não exigência de diploma de jornalista para o exercício da profissão – obrigatoriedade extin- ta 22 anos depois, em 2009, por decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou esta exigência inconstitucional (e que o Congresso Nacional agora pretende rever).

Mas uma das acusações que se fazia à Folha na época, principalmente por parte dos sindicalistas, era a de que o jornal seria contra as escolas de jornalismo. Nos Mil Dias, um dos mal-entendidos que Carlos Eduardo esclarece (2005, p. 204) é que esta acusação não se sustentava nos fatos. Caso se sustentasse, o jor- nal nunca teria estabelecido um acordo com o departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP para patrocinar um curso em nível de pós-graduação e ministrado por vários profissionais da própria Folha.

O jornal nunca foi contra a escola de jornalismo, mas sim contra a obriga- toriedade do diploma. Uma boa formação universitária – seja no campo das ciências humanas, exatas ou biológicas – é absolutamente mandatória para o bom exercício do ofício do jornalismo. Ou seja, enquanto ofício, a profissão pode ser aprendida na prática. Mas só será exercida com eficácia se o profissional tiver uma formação adequada – que escolas além das de jornalismo também podem dar. Para ser jornalista, é necessário muito mais do que dominar o ofício. É preciso ter uma educação e uma cultura à altura dos desafios da humanidade.

Há diferenças, além das pequenas revisões, entre as duas edições de Mil Dias. Na reedição, editada pela Publifolha, capou-se o posfácio de Mino Carta, um tanto amargo, sem dúvida, mas um documento histórico. Talvez melindrado por não ter participado de mais esta aventura, entre tantas outras que protago- nizou no jornalismo brasileiro, Mino Carta considerava na época que os princi- pais envolvidos no Projeto achavam-no mais importante do que a própria Folha. Sugeria também, com razão, que os mentores do Projeto Folha não haviam descoberto a pólvora e que muito antes a Editora Abril “com a mesma compe- tência, cuidou-se de preparar-se para o futuro”. Mino criticava o desperdício de energia com tantos documentos, versões, avaliações, metas, manuais e opunha o principal acionista do jornal, Octavio Frias de Oliveira, “o velho”, ao seu fi- lho, Otavio Frias Filho, “o moço”. Mino criticava no posfácio as reservas deste último em relação ao Sindicato e ainda acusava “o moço” de falta de precisão ao “afirmar que o Sindicato apareceu historicamente em resposta à aceleração do progresso técnico”, conforme definido por Frias Filho na apresentação da primeira edição.

Outra diferença na edição de 2005 é um extenso prefácio de Carlos Eduardo no qual ele atualiza a distância entre os mil dias e os seis mil dias que se sucede- ram até a nova edição da obra. Toca em pontos sensíveis quando da publicação da primeira edição, como críticas recebidas segundo as quais a modernização imposta à Folha teria sido autoritária ou que o livro não contava de forma “en- gajada, emotiva e detalhada os conflitos humanos, a luta pelo poder, as inco- erências, dúvidas e incertezas que certamente haviam feito parte dos aconteci- mentos”, como dizia uma crítica publicada pela revista Veja.

Não. Não se tratava disso mesmo. Mil Dias não é um livro no estilo de O

Reino e o Poder3, que disseca as entranhas do jornal americano The New York

Times. Ao contrário, trata-se de uma tese de livre-docência, do relato acadêmico

de uma experiência organizacional, da explicação da criação de processos numa redação, numa situação na qual eles não existiam, ou existiam precariamente.

A reedição do livro com a atualização promovida pelo autor confirma essa vocação da obra, a de um relato mais objetivo possível da história de renovação de um jornal, enquanto ele existia em sua plenitude impressa – produto jorna- lístico que está acabando em sua inteireza impressa.

No prefácio de 2005, Carlos Eduardo já concordava que os diários impressos corriam risco efetivo de não sobreviver por muito tempo, tanto no Brasil quanto em outros países, ameaça que persiste.

Mil Dias, por razões temporais óbvias, não dá conta da nova revolução pela

qual passam os jornais e o jornalismo com a emergência da cultura digital. Mas essa é uma outra história que exige muitos dias a mais do que a Folha precisou para se renovar naquele momento específico do qual trata o livro – quando os jornais tinham de se preocupar em ser somente jornais.

No documento PORTCOM (páginas 148-151)