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Notícia com Tratamento de Anúncio

No documento PORTCOM (páginas 34-38)

O publicitário Francisco Rocha Morel analisou a semelhança entre alguns tipos de notícia e a estrutura dos anúncios. É o olhar de um experiente pu- blicitário sobre as capas do Jornal da Tarde do início da década de 80. Para o estudo, o mestrando baseou-se em métodos e enfoques epistemológicos de linguística e semiologia. A contribuição demonstra que da sistematização clás- sica de Aristóteles para a comunicação humana até o século XX houve avanços para se pensar esse processo através da mídia, de modo a exigir maior entendi- mento sobre o macro sistema. Assim, discute as mensagens publicitárias como estruturas retóricas condutoras de ideologia social que, entendia, eram vistas sob miopia, numa “dicotomia clássica entre ‘conteúdo’ e ‘forma’, privilegiando absolutamente o código linguístico, como se as formas, dimensões, alterações dos caracteres tipológicos, ou as diagramações especiais de espaços e, principal- mente o tratamento retórico das fotos não tivessem significação”.

A análise desses códigos - cromático, tipográfico, fotográfico e morfoló- gico - nas edições do “Jornal da Tarde”, utilizadas como objeto de pes- quisa, aliada a observação da construção e ocupação espacial dentro das

páginas, servirá como elemento de comprovação de o quanto o noticiário jornalístico recebe tratamento de anúncio. (MENDES JUNIOR, [s.d], online)

A observação dos códigos deve estar imbrincada na estrutura de uma men- sagem de comunicação, defendia Morel. Os postulados oriundos da Publicida- de, os quais dominava na teoria e na prática, forneciam-lhe argumentos para questionar alguns limites da abordagem acadêmica a respeito da informação jornalística.

O publicitário colocou jornalismo e publicidade sob tensão, de forma ino- vadora. E é com base nos procedimentos analíticos aplicados ao processo comu- nicativo persuasivo que ele encontra a possibilidade de dimensionar ideologi- camente o jornalismo. Isso porque o anúncio apresenta um “descompromisso ético com a ‘verdade’”, e por essa razão, segundo Morel, teriam se desenvolvido com “maior velocidade as possibilidades retóricas dos códigos visuais e sua força de influenciar e atrair audiências”. (MOREL, 2007, p. 63)

Para uma sistematização da leitura dos códigos visuais do jornalismo, o pu- blicitário enfatizava a morfologia, sintaxe, retórica, devido às mensagens super- postas, das quais sem exame não se alcança a complexidade da montagem à qual são submetidas. Vela a pena serem difundidos dois postulados da tese de Morel:

1. A existência, na linguagem jornalística (como sistema semiótico), de uma pluralidade de sistemas (linguagens) diferentes em sua estruturação; 2. A contaminação de uma dessas sublinguagens jornalísticas [ele

referia-se às imagens audiovisuais que exibem figuras físicas e, por exemplo o universo gestual ] pela linguagem publicitária, formando uma categoria de discurso híbrido (publicitário/jornalístico ou jor- nalístico/publicitário), que se poderia denominar ‘notícia/anúncio’ ou anúncio/notícia.

Humildade

Profundo e humilde, assim era o publicitário que deixou o Nordeste e em sua terra era tratado como celebridade cujas opiniões sobre o cotidiano ganha- vam as páginas de jornais, como se vê no Correio do Ceará de 1957: gostos de Morel – vida, família, amigos, bate-papo, viajar, Ceará, Cabucim, ler, teatro, cinema, gente, samba, falar da vida alheia, boa casa; já o que não gostava – dor-

mir, ignorância, música caipira, bolero, tango, agouro, emprego, formalismo, compromisso, regras, transporte coletivo, gente valente, muriçoca, heroísmo.

“A loucura é condição humana, varia o grau”, sentenciava. Deliciava-se em cantar, era desregrado na alimentação, embora frequentasse bons restaurantes, dormia pouco, recebia muitos alunos em casa. Vinicius, Drummond, Bandeira eram leituras recorrentes nos encontros. Costumava dizer que seu recorde sem beber eram oito horas dormindo. Fumava muito. Hábitos que devem ter acele- rado sua partida precoce.

Morel viveu a publicidade na veia, a publicidade criativa, vinda das artes, da vida. Na busca de referenciais sobre a obra de Francisco Morel encontrei uma carta que ele escreveu a propósito do livro A Serpente, de Luiz Beltrão, dirigida a este que foi primeiro Doutor em Comunicação no Brasil. Pela relação que ele fazia entre arte e ciência, acho importante apresentar a carta, com a esperança de assim estar honrando o grande homem que foi Francisco Morel, dando a conhecer um texto inédito disponibilizado pelo filho:

Beltrão,

Esta fala é uma purgação. Uma velha dívida.

Não para contigo que é homem sábio, portanto perdoador. Dívida para comigo – e isto eu sei que sabes –

que, perdido na voragem do serpenteio, não sei por quê veredas, não tive oportunidade, ou alento, ou coragem, ou vontade, ou consciência de necessidade, ou qualquer coisa

que me fizesse cumpri-la.

Porém, mesmo sem escrever sobre ela, a Serpente marcou-me (com seus carinhos, atalhos e emboscadas) e me abriu a porta da tua grande obra:

Não apenas composta pelo acervo de pesquisas científicas ou de exemplares manuais de orientação técnica:

Algo além até de teus ensaios pioneiros de meditação teórica sobre cultura brasileira e comunicação social,

pois tudo isto era veículo muito restrito para extravasar teu poder de intuir processos,

a força de criação e amor de tua grande alma: a poética – condutora de tua formação humanística.

E hoje, nesta homenagem de teus amigos e discípulos do Brasil inteiro – onde me introduzo tardia mas felizmente – encontrei a oportunidade de te dizer alguma coisa sobre o poema da Serpente.

Nada de crítica, formalismo teórico ou coisa do gênero. Uma simples mas profunda impressão de leitura, expressa em síntese:

Impossível é escapar à sensação de existir: Há sempre sons e ruídos penetrados por clarões contra um fundo imenso e indefinido:

E há amor e paz, descoberta e harmonias de sons e cores. E tramas e enredos e enlevos

que levam a traições insuspeitadas.

Também, por consequência, há paraísos perdidos e trabalhos ganhos com suor e lágrimas de caminhadas íngremes, inglórias e gloriosas contra cataclismas e maremotos. E há momentos de apascento e paz e sacrifícios nos ciclos complexos das relações tribais.

Depois, ou antes, ou sempre, peregrinações de transas E alianças puras e expúrias...

E eis que estamos todos – de repente – em agitada perambulação pelo planeta convulso, sob o controle dos painéis da Torre. E os sistemas nos conduzem na voragem entrópica, repetindo os primitivos ciclos de cataclismas, buscando formação de ilhas verdadeiras ou ilusórias, mas salvadoras!

São os atalhos cibernéticos da Serpente que se move no caos em dimensão eterna, sem tempo, sem espaço,

sem quaisquer limites – que isto não existe.

Porque os Atos Comunicativos (únicos atores reais na Epopeia da Serpente) são como varinhas de condão que con- formam e transformam tudo:

O criador é coisa criada; o novo é velho e o velho se re- nova; a vida é poeira e o pó se vivifica, sob a ação poética dos códigos.

No documento PORTCOM (páginas 34-38)