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Magali Moser

No documento PORTCOM (páginas 118-125)

ESCOBAR, Antonius Jack Vargas. Política e Poder: Refle- xões sobre os anos 20. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996. Estudar os primórdios da política e dos movimentos de or- ganização da classe trabalhadora no Brasil é adentrar num campo pouco explorado. Ao contrário de outras áreas já bas- tante pesquisadas, o tema foi objeto de escassas publicações capazes de fazer uma análise aprofundada e produzir elemen- tos de entendimento no panorama nacional. Uma das con- tribuições importantes dos últimos tempos é o livro Política e

Poder: Reflexões sobre os anos 20, de Antonius Jack Vargas Es-

cobar. Publicado em 1996, o livro da editora Diadorim lança luz sobre as relações de poder no início do século XX, além de permitir a compreensão do surgimento do movimento operário no país e os discursos herdados dele.

Com base em periódicos de conteúdo político e ideológico, documentos relevantes do movimento operário mantidos à margem por muito tempo e referência a autores como Mon- teiro Lobato, Francisco de Oliveira, além de materiais do

1. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Regional de Blumenau (FURB) e jornalista responsável do Sindicato dos Ser- vidores do Ensino Superior de Blumenau (SINSEPES).

6.1

ESCOBAR

movimento operário, textos técnicos e escritos de Graciliano Ramos, o autor traça a contextualização do cenário da época, fundamental para entender como se dão os jogos de interesse e as correlações de poder na República Velha. A escolha da década de 20 não foi aleatória, explica o autor. Para ele, este parece ser um momento estratégico, com a iminência de práticas de dominação, que visam a se apropriar do tempo de vida e do corpo do trabalhador. Também é neste período que se abandona a concepção operária autônoma de revolução, cujo ponto alto é a organização comunista. Por isso, é neste momento que se cria um discurso do qual ainda somos herdeiros, sobre a memória operária e contra a ordem dominante.

O trabalho de pesquisa, originalmente uma dissertação de mestrado, possi- bilita ao leitor a percepção de que os anos 20 foram decisivos e transformadores para o movimento operário, por ser um período marcado por mudanças e efer- vescências políticas. Como o próprio Escobar destaca, após os anos 30 as téc- nicas de governo foram remanejadas e articuladas para propiciar o exercício de um governo forte, e o discurso de esquerda já está sedimentado. Há de se consi- derar que os anos 1930 são considerados período de consolidação da imprensa burguesa, é quando se consolida a estrutura empresarial no desenvolvimento do setor. Diferentes autores concordam que os anos 20 são fundamentais para um jornalismo nos moldes empresariais no país e que este caráter da imprensa se revela em detrimento do desaparecimento de uma imprensa artesanal, cujos periódicos eram feitos em baixa tiragem.

No final dos anos 1920, o Brasil já sofria os efeitos da recessão econômica mundial, que culminaria na “Grande depressão” de 1929 e suas consequências diretas na esfera política. No entanto, observa-se um crescimento nos investi- mentos na imprensa, como o aperfeiçoamento e a difusão de novas tecnologias. Com um olhar sobre as influências do poder econômico e a partir dos an- tagonismos entre dominantes e dominados, o período estudado por Escobar culmina com a Revolução de 30, que para o autor, traz consigo a explicação de como se estrutura o poder na Primeira República. O episódio revolucionário cria a manutenção das estruturas sociais em direção ao capitalismo, o que no futuro permitirá o surgimento do proletariado como classe. Em outra análi- se, a ausência de uma burguesia plenamente constituída e a ausência de uma classe operária autônoma permitem o Estado preencher o espaço e passar a ser sujeito do processo de modernização. As novas relações de produção propõem também uma outra configuração para as questões ligadas ao campo-cidade. A urbanização apresenta um novo cenário nas relações de trabalho e na estrutu- ra econômica, itens imprescindíveis para entender a formação do movimento operário no país.

O movimento operário brasileiro viveu anos de fortalecimento entre 1917 e 1920. A ascensão do movimento no Brasil relacionava-se diretamente à vitória dos comunistas na Revolução Russa. Acreditava-se que havia chegado o momen- to de pôr fim à exploração capitalista. Mas o entusiasmo esbarrou em desafios consideráveis nos anos 1920, como a repressão intensa por parte do governo.

O autor inicia o capítulo 1 com referência a Monteiro Lobato, ao lembrar a frase dita pelo escritor sobre a dificuldade dos “homens das letras” enxergarem a realidade do país, daí a distância entre a realidade e os discursos que falam sobre o Brasil. Eis então o desafio de desfazer a visão romântica literária e deturpada da realidade. Na segunda década do século XX, Jeca Tatu, o clássico e folclórico personagem de Lobato na obra Urupês (1918), é usado como pano de fundo deste contexto. Revela a ótica pela qual Lobato enxergava o trabalhador rural: um sujeito acometido pela preguiça e inapto à civilização. Jeca Tatu traduzia uma síntese das mazelas nacionais. Representava a situação do caboclo brasi- leiro, abandonado pelos poderes públicos, vulnerável às doenças, ao atraso e à indigência. Dono de vigor expressivo e representativo da identidade do povo brasileiro, o personagem incomoda a elite intelectual da época, até então acos- tumada com a visão romanceada do homem do campo.

Este homem apático, indolente, ignorante, a quem nada ‘pagava a pena’ é o negativo da civilização: imune ao sentimento da pátria, envolvido em crendices, desprovido de qualquer senso estético. Ele é um parasita, mata-pau da terra... Se em 1914, é o Jeca por suas características intrín- secas, o causador da miséria e atraso do interior, em 1918 a posição de Monteiro Lobato é reformulada: ‘ O caipira não ‘é’ assim’. ‘Está’ assim. O Jeca está doente, só o saneamento poderá curá-lo. A cura não é somente do corpo combalido do caipira, mas é a cura do próprio Brasil. (ESCO- BAR, 1996, p.15)

Em busca das origens, das características e do sentido da formação nacional, o personagem de Jeca Tatu lança luz e reflexão no contexto apresentado pelo autor. Pode ser visto como um símbolo da identidade nacional, uma tentativa, portanto, de explicar o Brasil e o seu povo, desvelar as suas origens, os seus dilemas e as suas peculiaridades culturais, étnicas, políticas. A partir da citação do personagem, o autor constata que no período dos anos 1920, o Brasil estava doente e a única maneira de curá-lo seria através da reabilitação do homem do campo, ressaltando que o urbanismo é um mal que prejudica a espécie humana. Na interpretação do autor, a vida rural, o campo é o elemento revitalizador das cidades. O urbanismo como foco disfuncional da sociedade também aparece em Lobato.

Aluizio Alves Filho, no livro As metamorfoses do Jeca Tatu: a questão da identi-

dade do brasileiro em Monteiro Lobato, publicado pela editora Inverta destaca que en- tre as décadas de 1910 e 1940, Lobato refina a caracterização do “Jeca Tatu”, levando o personagem a três transformações: “Jeca” doente e desassistido pelo Estado; uma repre- sentação do Brasil agrário e rural, subdesenvolvido; e por fim, “Zé Brasil”, arquétipo literário do trabalhador explorado e de um país submetido à espoliação internacional.

A subordinação da força de trabalho ao capital tanto no campo como nas cidades é investigada pelo autor. A criação das feiras-livres é citada por ele como resultados da pressão sobre governantes na tentativa de favorecer as lutas sociais e especialmente as famílias trabalhadoras que poderiam vender gêneros de pri- meira necessidade a preços mais modestos. Na visão de Escobar, a criação de feiras-livres é uma maneira de administrar a crise. Para evitar mobilizações e revoltas operárias, insurreições e revoluções, busca-se um saber técnico. Por isso, o autor conclui que a criação das feiras-livres não pode ser vista apenas como produto de reivindicações operárias, mas da luta da “classe dominante” para apossar-se dos lugares onde a classe operária pudesse aparecer e causar tumultos.

Somos herdeiros de uma concepção de revolução que tem o Estado como alvo principal de luta. O movimento revolucionário visa a desmontar a máquina que permite à burguesia oprimir a classe operária e um punhado de capitalistas a esmagar as massas trabalhadoras. (ESCOBAR, 1996, p.31)

A passagem da concepção anarquista para a comunista também é analisada pelo autor. Para ele, a teoria anarquista se torna insuficiente frente ao avanço capitalista. A revolução russa de 1917 liga-se ao movimento operário brasileiro especialmente através da imprensa. O movimento proletário do início dos anos 1920 era considerado altamente influenciado pela pequena burguesia. A maior parte de suas lideranças eram oriundas desta subclasse. Por outro lado, vários líderes, mesmo de sindicatos, aburguesavam-se.

A década de 20 nos permite ver como surge dentro do movimento ope- rário, e como é abandonada, a concepção operária autônoma da revo- lução, isto é, a concepção sindicalista da história (abandono do sonho de abolição do assalariado como alvo e da organização da autonomia operária como meio, sonho fundado sobre o ideal do livre produtor, capaz de construir com suas mãos e com sua inteligência um mundo novo’, surgindo em seu lugar a organização comunista. Organização não se contrapõe à espontaneidade do movimento anarquista, mas significa nova prática discursiva. (ESCOBAR, 1996, p. 50)

Como marco do predomínio do anarquismo no movimento operário, o autor cita o primeiro congresso operário, no Rio de Janeiro, em abril de 1906. O con- gresso recomenda que as associações operárias passem a adotar o nome de sindicato a fim de organizar a classe e se diferenciar de outros grupos associativos. Organizar aqui assume uma conotação de combate e disputa, cujo alvo imediato é o patronato.

Os anos entre 1917 e 1920 são considerados de intensa mobilização operária no país. Para o autor, é no processo de luta e derrota do movimento operário que surgirão proposições e novos critérios de militância. A constatação é feita com base em análise de exemplares do semanário Spartacus, porta voz do núcleo carioca do Partido Comunista de 1919. Com o crescimento da repressão, so- bretudo a partir dos anos 1919, surgem novas táticas, estratégias e métodos de agir entre os militantes. É neste cenário ainda que começam a surgir facções e a iminência da cisão entre bolcheviques e libertários.

A reorganização do movimento surge como necessidade em 1921. No ano seguinte, o Partido Comunista é criado com a intenção de levar e despertar consciência às massas e organizá-las para a revolução. Esta busca é reconhecida atualmente inclusive no próprio site oficial do partido.

O ano de 1922 foi particularmente agitado e um dos mais expressivos no que diz respeito à luta prática do movimento operário. O Brasil sob o governo de Epitácio Pessoa já havia deixado há muito sua autonomia na- cional para trás, dependendo cada vez mais dos contínuos empréstimos solicitados aos banqueiros ingleses e norte-americanos. A crise econômi- ca era ainda aprofundada pela entrega de todos os recursos naturais para o imperialismo, como ferro, óleos minerais, ouro, manganês e carvão. Nas cidades eram feitas concessões ao monopólio empresarial dos trans- portes urbanos e ferroviários, iluminação, docas, etc... Os militantes que fundaram o PCB eram incontestavelmente a vanguarda de um longo processo de amadurecimento da classe operária brasileira. Eram os diri- gentes das grandes greves operárias das duas primeiras décadas do sécu- lo, eram pioneiros da organização sindical operária, estavam na linha de frente da luta ideológica que se desenvolvia no interior do anarquismo, constituindo a sua ala revolucionária e os primeiros que compreenderam a importância da Revolução Russa de 1917 e as mudanças que ela impli- cava necessariamente para o proletariado brasileiro.

Problemas como a falta de organização são atribuídos como as falhas que levaram o operariado à letargia. Um exemplo citado de organização é a dos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW), responsáveis por formar a grande

união de todos os trabalhadores, com um único secretariado, um único fundo de propaganda, um único centro de coordenação. Na busca por uma organi- zação sólida, lideranças lançam olhar para novas experiências. A IWW é vista como um modelo eficaz de organização e luta contra a burguesia, um organis- mo revolucionário. A entidade se destaca ao defender que

o sistema de produção e distribuição capitalista se encontra em um pe- ríodo de decomposição em todos os países, relegando milhares de in- divíduos à pobreza e à miséria, seu programa tem o intuito de anular a propriedade e controle comum. Queremos que o comunismo industrial substitua o capitalismo. (ESCOBAR, 1996, p. 65)

A avaliação das práticas burguesa e proletária leva o autor ainda para uma refle- xão no campo da ideologia, segundo o pensamento de Louis Althusser, a partir da obra Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Althusser parte da conceito marxis- ta de ideologia para desenvolver o seu próprio conceito. Cita Marx ao tratar sobre a reprodução das condições da produção da classe dominante dentro do processo de formação das classes sociais. Para Escobar, as ideologias nascem das classes so- ciais envolvidas na luta de classes, de suas condições de existência, e suas práticas, experiências de luta. O autor propõe um repensar sobre o conceito e a noção de luta de classes. Faz ver que o processo de unificação da classe operária desenca- deado pelo desenvolvimento das forças produtivas não possibilitaria o processo revolucionário. Mas sim acredita que a luta de classes se estabelece e desenvolve quando há fraturas nas classes sociais. Como exemplo desta fratura na classe que a torna revolucionária, ele cita o próprio surgimento da militância operária.

Aquilo que dinamiza uma classe, o que a torna perigosa, não é seu pro- cesso de unificação, mas, pelo contrário, a produção de cisões internas, formação de grupos e indivíduos que não suportam mais a situação, que sonham e fazem sonhar as massas, afirmando a capacidade proletária de organizar uma outra ordem social, a partir de suas aptidões e dos valores formados em seu trabalho e em sua luta. (ESCOBAR, 1996, p. 83)

Por fim, o autor faz referência ao romance Vidas Secas, escrito por Graciliano Ramos entre 1937 e 1938, e cujo pano de fundo condensa o discurso de esquer- da e os novos caminhos do país. O romance regionalista da Segunda Geração Modernista Brasileira denuncia problemas sociais brasileiros como a necessida- de de reforma agrária e os pobres migrantes, característicos do país, a partir de uma família de retirantes que fogem da seca, migrando de tempos em tempos.

À margem da sociedade, a família de retirantes vive um “mundo paralelo”. Eles não se comunicam além do básico, são quietos, com seus próprios pensamentos. O discurso contido na narrativa revela marcas de violência, analfabetismo, desi- gualdades sociais e marginalização. A obra apresenta um espelho dos problemas sociais que atingem menos favorecidos e permite compreender importante mo- mento vivido na história do Brasil.

Esta articulação que acompanhamos em Vidas Secas, entre um discurso fortemente estruturado que serve a dominação, um discurso lacunoso, truncado, ou mesmo caudatário do discurso dominante, que é o do ex- plorado e um discurso crítico e de esquerda, formará a nosso ver uma das matrizes pela qual se pensará a política entre nós (ESCOBAR, 1996, p. 92)

As diferentes fontes de pesquisa utilizadas pelo autor e os contrapontos feitos por ele traçam um panorama pouco discutido, além de conceder bases conceituais fundamentais para um período ainda nebuloso, mas extremamente necessário para compreender a história recente do país. Apesar de todos os problemas e desafios enfrentados pela formação do movimento operário brasileiro, há de se reconhecer que foi na década de 1920 que o movimento ganhou maior legitimidade entre os próprios trabalhadores e a sociedade. A partir daí, começou a se transformar em um ator político que iria atuar de forma mais efetiva nas décadas seguintes.

Referências

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos ideológicos de estado. Lisboa: Presença 1970.

ALVES FILHO, Aluizio. As metamorfoses do Jeca Tatu: a questão da identida- de do brasileiro em Monteiro Lobato. Rio de Janeiro: Inverta, 2003.

ESCOBAR, Antonius Jack Vargas. Política e Poder – Reflexõs sobre os anos

20. Diadorim Editora Ltda, 1996: Rio de Janeiro.

O MOVIMENTO operário brasileiro – Das origens ao Estado Novo. Causa

Operária online. [s.l], 5 abr.2009. Disponível em: <http://www.pco.org.br/ historia/o-movimento-operario-brasileiro-das-origens-ao-estado-novo/ieaz,i. html>. Acesso em: 15 fev.2014.

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

No documento PORTCOM (páginas 118-125)