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Fatores Cruzados na Formação do Senso Crítico

No documento PORTCOM (páginas 141-144)

No começo dos anos 1980, Lins da Silva constata, televisão era sinônimo de

Globo em Lagoa Seca e no Paicará. E era vista como “uma coisa boa”, dada uma

variedade de razões que os pesquisados vão explicitando com grande riqueza lin- guística em suas falas. Nesse sentido, eles fazem referência às matérias que tratam de temas próximos às suas necessidades imediatas, ao aspecto de diversão barata que a televisão embute, e que não exige deslocamento de casa, e a alguma possibili- dade de avanço intelectual que oferece: “A gente aprende com ela coisas que a gente nunca viu nem vai ver” (p. 84), dizia ao pesquisador uma operária têxtil de 19 anos. No entanto, “a credibilidade da televisão como um todo e do jornalismo televisionado em particular não é, como muitos imaginam e afirmam, absoluta” (p. 86), ele adverte. São poucas as pessoas que aceitam “tudo que a TV diz como verdadeiro. E estas são exatamente aquelas que menos contato têm com outras pessoas, outras fontes de informação, que menos saem de casa, menos conhe- cem ‘o mundo real’” (p. 86-87). Essa constatação antecipa o que Lins da Silva

vai explicitar mais adiante sobre a ação de outros agentes sociais na formação do senso crítico de seus pesquisados diante da informação televisiva. Antes de enumerá-los, vale a pena apresentar um pouco mais do processo de transforma- ção que ele descortina pela pesquisa-ação:

As conclusões provisórias que estes dados preliminares permitem são de que, em geral, o nível crítico dos espectadores de Lagoa Seca e Paicará não era muito alto quando se iniciou o trabalho desta pesquisa-ação. Os ques- tionários com perguntas abertas e as primeiras conversas nas sessões de trabalho revelavam que a maioria das pessoas entrevistadas não conseguia perceber quase nenhuma das operações ideológicas inerentes à programa- ção televisiva numa sociedade como a brasileira. Se seu perfil de maneira alguma se assemelhava à massa alienada que os discípulos de Frankfurt esboçam em suas caricaturas da audiência dos meios de comunicação de massa, tampouco estava próximo ao da massa insurgente, com absoluta consciência de classe, que os revolucionários de gabinete gostam de ima- ginar após apressadas leituras de autores do século XIX (p. 89).

Os pesquisados também não percebiam, normalmente, o que há de cons- trução da notícia por meio das operações técnicas do processo de produção: “o timing, a edição, a ausência de background histórico, os eixos semânticos em torno dos quais giram as conotações valorativas do texto” e outros. O que, sim, “é percebido com alguma correção, principalmente pelas lideranças da comuni- dade, são os aspectos mais ostensivos do conteúdo” (p. 91), nota Lins da Silva. E aí ele faz referência, entre outros, à falsa neutralidade da informação e à divisão desigual do tempo concedido aos depoimentos dos diferentes agentes sociais.

É tempo de lembrar que outros agentes sociais, no começo dos anos 1980, agem mais fortemente, na visão de Lins da Silva, sobre a formação do senso crítico da audiência de televisão em Lagoa Seca e Paicará. E eles são, no âmbito específico das fontes de informação, os seguintes: Fontes interpessoais, Igreja, Movimento sindical, Partidos políticos, Outros meios de comunicação de massa, Movimento feminista.

Maria Immacolata Vasallo Lopes5 em conversa sobre a pesquisa-ação, obser- va que no Brasil hoje ela se concentra essencialmente fora da academia, usada

5. Opinião expressada em breve conversa/ entrevista para este artigo. Mas vale a pena con- sultar os trabalhos de Maria Immacolata Vassalo de Lopes sobre telenovela, em especial

Vivendo com a telenovela, edição da Summus de 2002 e a entrevista concedida a Pesquisa FAPESP edição 155, de janeiro de 2009, Telenovela, a narrativa brasileira, p. 10-15.

especialmente pelos movimentos sociais, pelas organizações não governamentais (ONGs) e organizações empresariais, quadro bem diferente do que se registra em boa parte dos outros países da América Latina. “Os referenciais teóricos e meto- dológicos da pesquisa em comunicação, incluindo aí os estudos de recepção, entre nós estão mais ligados às mediações e aos estudos culturais”. É como se a pesquisa acadêmica no país, no âmbito da comunicação e das humanidades em geral, hoje tivesse horror à ideia de intervenção social dos estudos, porque lhe importa conhe- cer. Estabeleceu-se uma clara divisão de trabalho, Immacolata pondera.

Para terminar o percurso, vale deixar uma entre as várias conclusões a que Lins da Silva chegou com seu trabalho, que, a propósito, confirmou a maior parte de suas hipóteses iniciais: “O JN reforça pontos de vista de pessoas que concordam com ele. Mas é difícil encontrar quem concorde integralmente com ele”, diz. E completa: “O JN não tem um poder de persuasão tão grande a ponto de fazer com que pessoas que já percebem alguns de seus truques ideológicos mudem suas opini- ões por causa daquilo que ouvem e veem no televisor” (p. 141). Ao fim e ao cabo, ele sabe que o trabalho “contribuiu para que as análises dos fenômenos de comuni- cação fujam dos esquemas simplistas dos gabinetes e caiam na vida real e complexa das pessoas que estão no mundo” – o que também parece de vibrante atualidade em tempo de radicais transformações do processo de comunicação de massa.

Referências

DUARTE, Jorge e BARROS, Antônio, (org). Métodos e técnicas de Pesquisa

em Comunicação. São Paulo, Atlas, 2005.

LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. Muito além do Jardim Botânico: um es- tudo sobre a audiência do Jornal Nacional da Globo entre trabalhadores. São Paulo: Summus, 1985.

PESQUISA FAPESP. edições 155, janeiro de 2009 e 78, agosto de 2002. SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. São Paulo, Companhia das letras 2001.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 18ª Ed, São Paulo, Cortez, 2011.

VASSALO DE LOPES, Maria Immacolata, BORELLI, Silvia Helena Simões e RESENDE, Vera da Rocha. Vivendo com a telenovela: mediações, recepção,

Quando os jornais ainda eram

No documento PORTCOM (páginas 141-144)