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O conceito de cultura, sua construção, atualização e imbricações nos processos sociais e históricos: da Cultura às Culturas!

1 ENCAMINHAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: ETNICIDADE, CULTURA, NAÇÃO E NACIONALISMO.

1.1 ENCAMINHAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

1.1.2 O conceito de cultura, sua construção, atualização e imbricações nos processos sociais e históricos: da Cultura às Culturas!

Como nos indica Cuche (2002, p. 9), “o homem é essencialmente um ser de cultura”, ou seja, a hominização é permeada por processos culturais. No entanto, o conceito de cultura, tal como vem sendo utilizado, a partir de noções do campo das ciências sociais, nas abordagens em relação ao estudo dos processos históricos e, também, em sua imbricação com conceitos nação e identidades, é uma construção bastante atual. Essa construção está imbricada à transformação semântica pela qual a palavra é perpassada desde a Idade Média e, depois, em seu sentido moderno até a elaboração do conceito entre os séculos XIX e XX.

A transformação da palavra cultura, a posterior construção do conceito e seu caráter polissêmico e ambivalente são questões ressaltadas por teóricos como Bauman (2012, 2013) Thompson (1995), Cuche (2002), Burke (1992, 2003, 2004), Hall (2006), entre outros. Os autores retomam o início de sua trajetória como palavra dotada de sentido, percebida na dinâmica social inicialmente ligada ao contexto francês e alemão, e o posterior debate Franco- Alemão. Já as questões conceituais passam a receber olhares mais atentos como o surgimento, durante o século XIX, de disciplinas como a sociologia, a etnologia e a antropologia, expandindo o debate para a Inglaterra e os Estados Unidos.

Para Bauman (2013), o projeto iluminista conferiu à cultura a condição de ferramenta básica para a construção dos estados, das nações e dos estados-nações modernos, nesta tarefa,

ela foi confiada às mãos da classe instruída. A partir de tais representações, torna-se possível imaginar e inventar nações e suas identidades culturais, perceber as particularidades dos seres humanos e dos grupos sociais.

A palavra cultura, sua compreensão, significado e uso se encontram ancorados em um processo histórico que se desenvolve inicialmente ligado à cultura como palavra latina colere, que define o cultivo de algo ou o cuidado, por exemplo, relacionado a plantas e a animais. Esta, conforme Cuche (2002), ao longo dos séculos, se transforma e se vincula ao processo de desenvolvimento humano.

Nesta onda de ideias e de semânticas que se (re)ordenam durante o século XVIII, a palavra francesa cultura, conforme Cuche (2002), emprestada para outras línguas como inglês e alemão e ligada ao movimento da língua, foi, aos poucos, evoluindo seu conteúdo semântico, abandonando seu sentido estritamente ligado a certo cultivo (cultura do trigo), quando, no século XVI, passou a ter sentido figurado, relacionado ao fato de trabalhar para desenvolvê-la. Esse processo de evolução semântica, até o século XVIII, esteve ligado somente ao movimento natural da língua. Para o autor, o sentido figurado começou a se impor no século XVIII, com o movimento de ideias do iluminismo e,

Progressivamente, “cultura” se libera de seus complementos e acaba por ser empregada só, para designar a “formação”, a “educação” do espírito. Depois, em um movimento inverso ao observado anteriormente, passa-se de “cultura” como ação (ação de instruir) a “cultura” como estado (estado do espírito cultivado pela instrução, estado do indivíduo “que tem cultura”) (CUCHE, 2002, p. 20).

Os pensadores do iluminismo recuperaram concepções das ditas “civilizações clássicas”, entre elas, a noção de cultura. As pessoas passaram a se diferenciar a partir da cultura, entendida não como construção, mas como saber acumulado que se associa à ideologia progressista/iluminista. A cultura com o sentido de instrução, vista no teor da racionalidade, é aliada aos ideais liberais e progressistas do iluminismo.

No contexto iluminista francês, a razão e o domínio de uma “cultura” associaram-se ao progresso individual do sujeito, já a palavra “civilização”, de maneira universalista, está relacionada aos progressos coletivos, ligada a uma intensão de retirar a humanidade da irracionalidade, da barbárie em que viviam até então e, nesse viés, alastraram-se as ideias e as ações reformistas, buscando melhorar a legislação, o estado e as demais instituições (CUCHE, 2002).

Estas concepções de cultura e de civilização possibilitaram pensar novas concepções de sociedade e de história, destituindo a concepção de fim dos tempos e de única forma de

sociedade possível. Nessa nova concepção de sociedade, através do entendimento de desenvolvimento humano em suas qualidades e intelectualidade, o homem tem papel central e o conhecimento é uma forma de poder. Para ter uma sociedade com melhores possibilidades, era preciso civilizá-la. Conforme Thompson (1995, p. 167-168),

Na França e na Inglaterra, os usos das palavras “cultura” e “civilização” se sobrepuseram: ambas foram, progressivamente, sendo usadas para descrever um processo geral de desenvolvimento humano, de tornar-se “culto” ou “civilizado”. Na língua alemã, entretanto, estas palavras eram, frequentemente, contrastadas, de tal forma que “Zivilisation” foi associada com polidez e refinamento das maneiras, enquanto “Kultur” era usada mais para se referir a produtos intelectuais, artísticos e espirituais nos quais se expressavam a individualidade e a criatividade das pessoas.

As apropriações de civilização e de cultura, na Alemanha, estavam ligadas às distinções sociais e à ascensão burguesa. Sendo que a palavra cultura esteve ligada a um grupo cujo poder se restringia mais a sua intelectualidade do que em termos de refinamento ligado a condição material, e a palavra civilização não contempla o caráter universalista francês. Conforme Thompson (1995, p. 168-169):

Essa ligação foi examinada em detalhes por Norbert Elias. Na Alemanha do século XVIII, observa Elias, o francês era o idioma da corte nobiliárquica e dos expoentes da burguesia; falar francês era um símbolo de status entre as classes superiores. Distinto dessas classes superiores, existia um pequeno extrato de intelectuais de língua alemã, recrutado, principalmente, entre a oficialidade cortesã e, ocasionalmente, da nobreza rural. Esta intelligentsia concebia sua própria atividade em termos de suas realizações intelectuais e artísticas; zombava das classes superiores que nada realizavam neste sentido, mas despendiam suas energias no refinamento de suas maneiras e imitando os franceses. A polêmica contra as classes superiores era expressa em termos do contraste entre Kultur e Zivilisation. “Tornamo-nos cultos através da arte e das ciências”, afirmava Kant, “tornamo-nos civilizados [pela aquisição de] uma variedade de requintes e refinamentos sociais”. A intelligentsia alemã usava o termo Kultur para expressar sua posição peculiar, para distinguir-se, em suas realizações, das classes superiores às quais não tinha acesso. Neste sentido, a situação da intelligentsia alemã diferia significativamente da francesa. Na França, havia também um grupo emergente de intelectuais, como Voltaire e Diderot, mas eles foram assimilados pela grande sociedade cortesã de Paris, enquanto que seus colegas da Alemanha foram excluídos da vida na corte. Desta forma, a intelligentsia alemã buscou sua realização e encontrou seu orgulho em outro lugar, no campo da academia, da ciência, da filosofia, da arte, isto é, no campo da Kultur.

Em relação ao termo “cultura”, entre o final do século XVIII e início do XIX, conforme Thompson (1995, p. 169), seu uso estava relacionado a histórias universais da humanidade e outras obras da literatura alemã, desenvolvidas por destacados intelectuais e literatos. O autor cita “trabalhos de Adelung, Herder, Meiners e Jenisch; foi em um trabalho de Adelung, de 1782, que a expressão “Cultur-Geschichte” – “história da cultura” – apareceu pela primeira vez”.

iluminista em relação à cultura, um dos precursores do nacionalismo romântico na Alemanha, Johan Gotfried Herder. Conforme Thompson (1995, p. 169), “Herder preferiu falar em “culturas” no plural, chamando a atenção para as características particulares dos diferentes grupos, nações e períodos” e, neste caso, a cultura alemã estava ligada à ideia de nação alemã. Nesse sentido, na Alemanha, conforme Cuche (2002, p. 28-29) “a nação cultural precede e chama a nação política”, trata-se de uma concepção essencialista de cultura, pensada como particular da nação e ligada à concepção étnico-racial de nação pensada em uma origem primordial e de unicidade.

Já na França, a palavra cultura evolui, aproximando-se de civilização e se mantém na perspectiva universalista. Cuche (2002, p.30-31) cita a conferência O que é uma nação?, ministrada por Ernest Renan, na Sorbonne (1882), em que este, ao contrário de Herder, destaca que “Antes da cultura francesa, da cultura alemã, da cultura italiana, existe a cultura

humana”. Para o autor, “O debate franco-alemão do século XVIII ao século XIX é arquetípico

das duas concepções de cultura, uma particularista, a outra universalista, que estão na base das duas maneiras de definir o conceito de cultura nas ciências sociais contemporâneas”.

Durante o século XIX, estendendo-se pelo XX, iniciou-se um debate pautado em diferentes disciplinas, o qual se propôs a refletir sobre o homem e a sociedade. Surgiram disciplinas como a etnologia, a antropologia e a sociologia, observações etnográficas e reflexões sobre a diversidade humana, tentando ultrapassar a resposta biológica para esta questão e, aos poucos, construiu-se o conceito de cultura. Em relação aos etnólogos e à diversidade, Cuche (2002, p. 33) destaca:

Dois caminhos vão ser explorados simultânea e concorrentemente pelos etnólogos: o que privilegia a unidade e minimiza a diversidade, reduzindo a uma diversidade “temporária”, segundo um esquema evolucionista; e o outro caminho que, ao contrário, dá toda a importância à diversidade, preocupando-se em demonstrar que ela não é contraditória com a unidade fundamental da humanidade.

Nesse viés, no debate científico inglês e alemão, surgem definições conceituais pautadas em disciplinas como a etnologia e a antropologia e em concepções como: a de Edward Burnett Tylor que, em uma visão universalista francesa de cultura e ligado à perspectiva evolucionista, ressalta a dimensão coletiva – cultura como a totalidade da vida social, pautada no conceito de civilização, cultura adquirida e não herdada biologicamente, descritiva, objetiva e não normativa; a de Franz Boas, com sua experiência de racismo e antissemitismo, o qual desenvolve uma definição particularista, tendo o relativismo cultural como princípio metodológico e epistemológico contra o evolucionismo – cada cultura é única,

particular, uma totalidade singular, todas as culturas merecem ser toleradas e respeitadas e a diferença entre os seres humanos é vista por ele como de ordem cultural e não racial.

O debate entre os franceses foi associado ao surgimento da sociologia, e o desenvolvimento do conceito de cultura ocorreu mais tardiamente, em função de que o uso do termo cultura se mantinha ligado ao campo intelectual nacional, em que era visto como algo individual do sujeito culto, já o de civilização se mantinha com acepção em relação ao coletivo.

Nesse contexto, Émile Durkhein, como sociólogo em busca de entender a cultura como uma dimensão da sociedade, com influência evolucionista e com percepção da relatividade cultural, em “sua concepção da sociedade como totalidade orgânica, determinava sua concepção de cultura ou de civilização: para ele, as civilizações constituem-se em “sistemas complexos e solidários”” Assim, “em todas as sociedades há uma “consciência coletiva””, cuja teoria representava uma forma de sua teoria cultural, essa consciência, “feita das representações coletivas, dos ideais, dos valores e dos sentimentos comuns a todos os seus indivíduos”, os precede e impõe-se a eles (CUCHE, 2002, p. 55-58).

Soma-se ao campo francês, o fundador da etnologia na França, Lucien Lévy-Bruhl, e a abordagem diferencial, que recorre ao conceito de “mentalidade”. Para este, importava mais a unidade da humanidade do que a diversidade. Lévy-Bruhl, conforme Cuche (2002, p. 61), acreditava que “a diferença não exclui a comunicação entre os grupos humanos, que continua possível devido ao fato de pertencerem a uma humanidade comum”, assim, “não há então um corte absoluto entre as diferentes “mentalidades”, que são feitas de lógicas contraditórias. O que difere entre os grupos são os modos de exercício do pensamento e não suas estruturas psíquicas profundas”. A “mentalidade”, para ele, representava não a estabilidade e a homogeneidade de raciocínio no interior da cultura, mas uma orientação geral desta.

Com a formulação do conceito, a adesão e o campo de estudos ligados à cultura desenvolveu-se, de maneira bastante rápida nos Estados Unidos, ligado a questões da imigração e das relações interétnicas, principalmente em estudos da sociologia, mas também em outros lugares. Contudo, os estudos americanos, tendo como pontos de partida iniciais as conceituações desenvolvidas pelos teóricos da antropologia e da etnologia, aperfeiçoram sua antropologia cultural e desenvolveram diferentes análises e observações em distintas culturas e realidades, influenciando, desse modo, o campo da sociologia e o estudo de comunidades e dos processos de socialização, colocando aos poucos as “culturas” no debate.

Entre estas, aquelas com olhares para os fenômenos históricos culturais, indicados por Boas, a funcionalista - análise centrada no olhar para a cultura no presente (por Malinowski),

da “Escola Cultura e Personalidade” - análise da cultura sobre o indivíduo e reações do indivíduo à cultura, a predominância de um tipo de personalidade, das orientações gerais e escolhas a partir de “tipos culturais” (Ruth Benedict) e aquelas voltadas para a “transmissão cultural” e para a socialização da personalidade (Margarete Maed) (CUCHE, 2002).

Entre os franceses, embora estes não tenham evidenciado efetiva e total adesão à antropologia cultural americana, algumas de suas questões foram retomadas por Claude Lévy- Strauss em sua análise estrutural da cultura, em que assume as “invariantes” – “materiais culturais sempre idênticos de uma cultura a outra”, um repertório comum. Assim, “a antropologia estrutural assume como tarefa encontrar o que é necessário para toda a vida social, isto é, os elementos universais culturais, ou, em outras palavras, os a priori de toda a sociedade humana”, ou seja, aponta uma “invariabilidade dos princípios culturais fundamentais” (CUCHE, 2002, p. 98). Em relação ao projeto estruturalista, Bauman (2012, p. 213) destaca que:

Ao escolher determinado padrão cultural, criamos no setor de determinada ação social a rede de dependências que pode ser generalizada num modelo total de estrutura social. Não é possível chegar a qualquer coisa generalizável nesse conceito a não ser da maneira possibilitada pelos recursos que os padrões culturais tornam disponíveis. A estrutura social existe mediante o processo sempre contínuo da práxis social; e esse tipo particular de existência é propiciado pelo fato de a práxis ser padronizada por uma quantidade limitada de modelos culturais.

Com a influência da antropologia na sociologia americana, mais especificamente nos sociólogos da “Escola de Chicago”, no contexto americano permeado pelas relações interétnicas de imigrantes, estes desenvolveram as noções de “subcultura” (cada grupo social faz parte de uma subcultura particular – ex: étnica) e de continuidade cultural e subcultural através das gerações, recorrendo ao conceito de “socialização”. Esta é “entendida como sendo o processo de integração de um indivíduo a uma dada sociedade ou a um grupo particular pela interiorização dos modos de pensar, de sentir e agir”, “modelos culturais próprios a esta sociedade ou a este grupo”. Desenvolveu-se também a abordagem interacionista da cultura, que, a partir de Sapir, tratou das interações interindividuais e dos sentidos produzidos. Estas noções e conceitos passaram a ser utilizados por sociólogos como: Talcot Parsons, Peter L. Berguer e Thomas Luckmann, Robert K. Merton (CUCHE, 2002, p. 102).

Ao perceber um ambiente dotado de relações entre culturas e entrecruzamentos destas, iniciou-a-se um processo de renovação do conceito por teóricos como Roger Bastide e Lévy- Strauss. A discussão se deu, considerando processos de contatos culturais e aculturação (diferentes processos), como aproximação e não como desculturação, e os resultados

denotaram mudanças nos modelos culturais, o que demonstra uma definição dinâmica da cultura, dos processos de contato e da reconstrução: “Não se parte mais da cultura para compreender a aculturação, mas da aculturação para compreender a cultura, assim a continuidade depende mais da ideologia do que da realidade. Nenhuma cultura existe em “estado puro”, sempre igual a si mesma” (CUCHE, 2002, p. 136).

Entendendo que se trata de uma construção que se desenvolve na dinâmica social, nos processos históricos e nas relações de grupos sociais, coloca-se, também, no cenário do debate da cultura, a questão hierárquica. Esta se coloca em cena sob as influências marxistas, as condições dominantes (estrutura/condições materiais de existência – que domina a superestrutura/bens culturais e simbólicos), mas também Weberianas - o jogo de hierarquias sociais e culturais (dominantes e dominadas). Essa relação é desenvolvida no sentido de que, se existem grupos sociais que são dominantes, reverbera também o domínio de culturas, desse modo, as culturas dominadas são entendidas como marginais, como derivados das dominantes.

No entanto, as culturas dominadas, mesmo que em certo grau considere a imposição da dominante, possuem possibilidades e brechas de resistência e de produção autônoma. Para Cuche (2002, p. 148) a realidade é bem mais complexa, pois as culturas populares não são “nem pura imitação, nem pura criação”. Nesse entendimento, surgem os subtipos culturais, como a cultura de massa (Edgar Morin) e a cultura operária.

Desvela-se de bastante importância para a discussão hierárquica a proposição da cultura de Pierre Bourdieu na década de 1980. Conforme Cuche (2002, p. 171), desenvolvida no sentido antropológico e ligado a produtos simbólicos, recorre ao conceito de habitus, o qual caracteriza uma classe ou um grupo em relação a outro.

[os habitus] são sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, a funcionar como princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas a seu objetivo sem supor que se tenham em mira conscientemente estes fins e o controle das operações necessárias para obtê-los [...] [1980ª, p. 88].

Aos poucos se entende que as culturas também são passíveis de “trabalho”, cuja percepção ocorre em um processo de reflexão que, no decorrer dos séculos, possibilitou um avanço epistemológico e tornou possível a desconstrução da ideia de cultura como algo puro, um conceito essencialista, emergindo, dessa forma, sua dimensão relacional (CUCHE, 2002, p. 238), a partir de contextos de uma complexidade de distintos povos e formas de vida em

convivência. Todavia, segundo o autor, “considerar a situação relacional na qual foi elaborada uma cultura, não deve levar a negligenciar o interesse pelo conteúdo desta cultura, o interesse pelo que ela significa em si mesma”.

Ao partir do propósito do avanço epistemológico em relação à ideia de cultura, Cuche (2002, p. 240-244) destaca que o bom uso do relativismo cultural e do etnocentrismo seria em uma medida saudável ao partir-se da concepção de que cada cultura possui suas particularidades que a enriquecem e dão sentido e que não correspondem a um todo perfeito. O autor ressalta “o relativismo cultural e o etnocentrismo como princípios metodológicos não contraditórios, mas complementares”, assim, “Sua utilização combinada permite ao pesquisador apreender a dialética do igual e do outro, da identidade e da diferença, ou seja, da

Cultura e das culturas, que é o fundamento da dinâmica social”.

Já Rüsen (2015, p. 71), ao tratar da validade intercultural do pensamento histórico, retomando o relativismo e o etnocentrismo e entendendo o surgimento do relativismo como atitude intelectual que surge no contexto da universalização da racionalidade moderna, ressalta que “A cientificidade pode ser concebida (e realizada praticamente) como uma forma de pensamento que não contesta as diferenças culturais, mas as relaciona de forma crítica e argumentada”, tendo em vista que “a cientificidade faz valer o potencial antropológico do espírito humano, que não se dissolve em suas formas culturais específicas”. No entanto, “Tal interesse deveria manter dentro de alguns limites o relativismo cultural quanto às pretensões de validade das ciências humanas”.

Nesse processo, a partir dos anos 1980, com a ascensão dos estudos culturais, as “estruturas estruturantes”, como bases formais e estruturais de compreensão e de articulação cultural, foram desafiadas, como novos olhares epistemológicos pautados no movimento filosófico determinado nas teorias pós-estruturalistas/virada linguística19/virada cultural (a

partir da década de 1960); estas teorias constituíram-se como críticas e desconstruíram conceitos estabelecidos como inquestionáveis na ciência, os chamados “Cânones científicos” e os invariantes culturais – elementos universais. Trata-se de um movimento epistemológico e paradigmático voltado para a tentativa de superação das fragilidades das ciências e de compreensão da realidade, dentre elas, a filosofia, a história e as ciências sociais.

19 Os pós-estruturalistas desenvolvem uma nova visão sobre a sociedade, desnaturalizando compreensões

estruturadas e tornando evidente a complexidade da sociedade. Dentre os pós-estruturalistas franceses está o psicólogo, filósofo e sociólogo Michel Foucault, este, desenvolve novas perspectivas ligadas, por exemplo, a compreensão do poder, como uma dimensão não estruturada e localizável, e os discursos ligados à definição de comportamentos como as questões da sexualidade e da loucura. Destacam-se, também, Gilles Deleuze e Jacques Derrida;

Nessa perspectiva, busca-se a crítica e a superação de interpretações por vezes limitadas em bases estruturadas do conhecimento, primando pela desconstrução de pretensões homogeneizantes hierarquizadas e, por assim ser, excludentes. As culturas não são mais vistas como fechadas, homogeneizadas, e sim como portadoras de múltiplas dimensões que são contingentes e se (re)constroem e se hibridizam na diversidade; sendo assim, os processos sociais não são dotados de representações padrão. Portanto, pensar o processo histórico demanda considerar aspectos que estão imbricados àqueles que a vivenciam, a suas

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