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LEVANTES, INSURREIÇÕES E (IN) SUBMISSÕES, PARTIDOS POLÍTICOS E A REUNIFICAÇÃO.

ÉTNICO-CULTURAL, DIÁSPORA E REUNIFICAÇÃO.

3.2 LEVANTES, INSURREIÇÕES E (IN) SUBMISSÕES, PARTIDOS POLÍTICOS E A REUNIFICAÇÃO.

Nos anos seguintes à tripartição, embora com severas restrições, ameaças, punições aos rebeldes, prisões e deportações, conforme já mencionamos, as lutas pela retomada da independência tomaram diversas formas e frentes e buscaram também o apoio externo. Ao exemplo do Levante de Kosciuszko (1794, antes da última partilha), já tratado no capítulo anterior, seguiram-se outras insurreições, dentre elas, a aliança das Legiões Polonesas organizadas na Itália, através de grupos poloneses com Napoleão Bonaparte.

Conforme Dill (2007, p. 33), “Na Itália81, organizaram-se legiões polonesas aliadas a

Napoleão Bonaparte que, em 1806, conquistou Varsóvia. De 1806 a 1807, Bonaparte derrotou a Prússia, Áustria e Rússia”. Então, “pelo tratado de Tilzat foi criado o Principado de Varsóvia cujo governo era polonês. O Código Civil e a Constituição foram introduzidos por

20nov. de 2018.

81 Após conquistar parte do território que hoje corresponde à Itália, Napoleão buscava ampliar suas conquistas,

Bonaparte”. Napoleão ambicionava ampliar sua conquista e os nacionalistas poloneses, obcecados por retomar a independência, aderiram a sua proposta. Após algumas batalhas na Rússia, a ambição se desfez com a derrota de Napoleão e, “Em 1815, durante o Congresso de Viena, o império napoleônico foi dividido e a Polônia mais uma vez foi distribuída entre os vencedores da guerra contra o monarca francês” (CASTILHO e WAACK, 1982, p. 12).

[...] o fracasso da expedição contra a Rússia (1812) e a derrota da França na batalha de Leipzig (1813) fizeram com que os poloneses perdessem este sucedâneo da independência que era o principado e acordassem do sonho da liberdade prometida por Napoleão. O Congresso de Viena (1815) determina a devolução de uma parte do Principado para a Prússia e a criação de um Reino da Polônia ligado à Rússia, da parte que restou. O rei deste Reino da Polônia passou a ser o czar Alexandre I (SIEWIERSKI, 2000, p. 57).

Durante as batalhas, lideradas por Jan Henryk Dabrowski, surgiu o Hino Nacional criado como canção das batalhas das Legiões Polonesas com Napoleão. Este foi oficializado após a reunificação, na Segunda República, como o hino nacional polonês. Segue trecho abaixo (tradução nossa).

Marsz, marsz, Dąbrowski Z ziemi włoskiej do Polski Za twoim przewodem Złączym się z narodem

--- Przejdziem Wisłę, przejdziem Wartę

Będziem Polakami

Dał nam przykład Bonaparte Jak zwyciężać mamy

Seguida da sua tradução:

Marcha, Marcha, Dabrowski Das terras italianas a Polônia Sob tua liderança

Nos reuniremos como nação

--- Passaremos o Vístula, passaremos o Warta Seremos Polacos

Bonaparte deu-nos o exemplo Dos caminhos para a vitória

O hino nacional é visto por Anderson (2008, p. 203) como uma manifestação de patriotismo e de efetiva simultaneidade. Para o autor, “Precisamente nesses momentos, pessoas totalmente desconhecidas entre si pronunciam os mesmos versos, seguindo a mesma música”, assim, esta prática “oferece a oportunidade do uníssono, da realização física em eco da comunidade imaginada”. Para as legiões polonesas e, depois, para a população polonesa, o hino estava retratando as muitas representações por eles vivenciadas que motivaram as

batalhas.

O Levante de Novembro de 1830 foi uma nova tentativa, quando elites políticas e militares se colocaram em batalha contra os invasores, esperando apoio de britânicos e de franceses, o que não veio a acontecer, e eles acabaram sendo derrotados pelos russos em 1831. Nesse levante, carregavam bandeiras com cruzes vermelhas ao meio e a inscrição em polonês: “W J Mie Boga Za Nasza i Wasza Wolnósc” - “Pela Liberdade nossa e vossa” e no outro lado escrito em russo “Em nome de Deus”.82

As tentativas de levantes se seguiram em 1830 e 1863, e os insucessos resultaram no acirramento das perseguições e das imposições, cuja resistência era fomentada nos diversos campos já discutidos e, também, sob a influência das teorias sociais e históricas que se colocavam no cenário, dentre elas, aquelas do iluminismo do século anterior, as produções de Karl Marx e marxistas, entre outras. Um contexto cultural e político fomentado ininterruptamente, tanto por ideias mais conservadoras, quanto por ideologias liberais e de esquerda.

Em 1863, as tropas imperiais russas sufocam com incrível violência um levante de nacionalistas poloneses. Contando com o aberto apoio de Bismarck, o tzar proíbe a utilização da língua polonesa e estabelece o russo como idioma oficial nos territórios ocupados. A repressão contra os costumes nacionais se acentua entre 1885 e 1892, quando pela primeira vez os operários têxteis poloneses se rebelam. Durante o longo período de ocupação estrangeira, o espírito nacional polonês continuou vivo, mas clandestino. Por baixo da dominação alemã, prussiana, austríaca e russa, os poloneses mantinham sua língua, suas tradições e até mesmo sua vida política. De todos os povos europeus, o polonês é provavelmente o que tem a mais longa tradição de clandestinidade e resistência subterrânea (CASTILHO & WAACK, 1982, p. 12-13).

Ambas as resistências questionaram as imposições culturais e nacionais, as perseguições e os preconceitos em diversos setores sociais e a exploração econômica e humana. Assim, sob as influências mencionadas, surgiram movimentos clandestinos, anteriormente discutidos, e partidos políticos. Conforme Hobsbawm (2011, p. 141-142), além dos partidos socialistas, “existiam partidos camponeses orientados socialmente que desenvolveram naturalmente uma dimensão nacionalista”.

Estavam no cenário dos debates, influenciados pelo marxismo e pelas teorias socialistas, na fundação de sindicatos e nas questões dos operários e das massas, os intelectuais militantes, entre eles, a judia-polonesa Rosa Luxemburgo, nascida na Polônia em 1871. Sua participação na política iniciou cedo e, como residia com a família na região de

82 Fonte: Publicação patrocinada pela República da Polônia, através do Instituto de Memória Nacional,

Ministério das Relações Exteriores, cujo título: 1050 Anos: Guia da História da Polônia de 966 a 2016. O material traduzido está disponível em: https://issuu.com/msz.gov.pl/docs/guia_pela_historia_da_polonia. Acesso em: 15 dez. 2018.

domínio russo, logo passou a discordar da condição de dominação russa e da relação com os seus ideais ligados ao desejo de não opressão do capital e exploração dos operários.

Conforme Castilho e Waack (1982, p. 13), “Em 1882, em plena ocupação, os poloneses organizavam seus partidos, como o “Social Revolucionário”. Chegaram inclusive a integrar a direção da Primeira Internacional Socialista””. Em 1892, surgiu o Partido Socialista Polonês (PPS)”. O PPS foi criado na França – tratava-se da esquerda progressista e teve como membros o herói da reunificação e representante da Segunda República Polonesa, Marechal Józef Piłsudki e Rosa Luxemburgo - (Róża Luksemburg). Castilho e Waack (1982) destacam que parte dos quadros do PPS foram integrar posteriormente o Partido Bolchevique na Rússia e a esquerda revolucionária alemã. Conforme os autores, “Em 1905, foi criado o primeiro

soviet, na cidade de Lodz, durante um levante operário”.

O clima liberal no domínio Áustro-Húngaro favoreceu a organização de uma resistência nacionalista. Segundo Weber e Zaleski Trindade (2016, p. 275), “O ativismo do grupo de Lwów não pode ser dissociado do clima liberal da Galícia entre o fim do século XIX e início do século XX, onde, até o Partido Socialista Polonês podia existir legalmente, tendo logo atraído Józef Pilsudski, futuro líder da independência polonesa (Lukowski, Zawadzki, 2002: 171-172)”. Conforme Weber e Zaleski Trindade (2016, p. 281):

Também na cidade de Lwów, foi criada, em 1896, a entidade SOKOL, o Falcão, cujo lema “Na unidade, a força” traduzia seus objetivos de preparar líderes para a provável futura reunificação da Polônia. Uma das atividades esportivas criadas foi a esgrima e, após a aquisição do primeiro fuzil, o tiro, carregando um sentido militar intrínseco (Oliveira, 2008), vinculado à luta pela independência da Polônia.

A historiografia indica que a participação dos poloneses na Revolução de 1905, no geral, esteve mais ligada às demandas sociais, porém, de acordo com Anderson (2008, p. 132), ““Seton Watsom chega a arriscar a hipótese” de que esta foi “tanto uma revolução de não russos contra a russificação quanto uma revolução de operários, camponeses, e intelectuais radicais contra a autocracia”. Para ele, “as duas revoltas, evidentemente, estavam interligadas”, “a revolução social, de fato, foi mais aguda nas regiões não russas, tendo como protagonistas os operários poloneses e os camponeses letos e georgianos””.

Conforme Castilho e Waack (1982), com o passar do tempo, a ligação com a Internacional Socialista dividiria o PPS, isso ocorreu em 1908 e surgiram duas vertentes: uma direitista, ocupando uma posição intransigente em relação à independência, chefiada por Józef Piłsudki, e uma ideológica de esquerda, mais voltada para o socialismo em si. Essa divisão foi motivo de intensos debates entre os grupos políticos sobre a questão nacional, acirrados entre

os anos de 1910 – 1918.

A isso, somou-se a questão da ligação da burguesia ao regime imperial russo (que só se desfez em 1917 com a tomada dos bolcheviques83) e o fato de que o Partido Nacional-

Democrático, criado em 1897 – por uma direita nacionalista, hostil às minorias e antissemita – “admite uma aliança provisória com Moscou” e reúne “os interesses de proprietários agrícolas e pequenos comerciantes urbanos, descontentes com a forte influência dos judeus lituanos” (CASTILHO e WAACK, 1982, p. 13).

Rosa Luxemburgo, participante do Partido Operário Social-Democrata Russo, posicionou-se discordando da russificação e da dominação, então, posteriormente, lidera a fundação do Partido Social Democrata da Polônia (SADER, 1986). No entanto, para ela, assim como para outros militantes, a Internacional Socialista estava em primeiro plano. Com esse propósito, muda-se para a Alemanha, juntando-se à esquerda revolucionária alemã.

Os impérios acabaram aos poucos enfraquecendo em virtude das crises sociais e culturais e dos movimentos nacionalistas que se fortaleceram. Com a eclosão da I Guerra Mundial, o império da Rússia colocou-se em oposição a então Alemanha e a Áustria-Hungria. Inicialmente, perceberam-se soldados poloneses lutando para ambos os impérios e, com o passar do tempo, tendo como base as Legiões Polonesas, formaram, aos poucos, um exército polonês mobilizado por Piłsudki, que, nesse interim, criou a secreta Organização Militar Polonesa.

Quando a Rússia foi tomada pelos bolcheviques na Revolução de 191784, a atitude dos

poloneses pautou-se na configurada divisão, ou seja, conforme Castilho e Waack (1982, p. 13- 14), “comunistas e socialistas radicais que passam a preconizar um entendimento russo- polonês” e a direita, “setor do PPS liderado por Piłsudki adota o nome de Fração Revolucionária e mantém a bandeira de luta contra os russos, sem distinguir tzaristas ou

83 Em 1903 surge o Partido Social Democrata – PSD que se divide em duas facções: Bolcheviques e

Mencheviques. A primeira, liderada por Martov, defendia a aliança com a burguesia e a passagem gradual para o socialismo, já a segunda, eram revolucionários liderados por Lênin e defendiam a passagem para o socialismo e a aliança entre camponeses e operários.

84 A Revolução Russa representa uma das mais importantes experiências revolucionárias do século 20,

resultando, como ápice da revolução, na implantação do socialismo pelos bolcheviques, liderados por Lênin, Trótsky e Stálin, o posterior nascimento de uma superpotência: a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS. As dificuldades econômicas, políticas e sociais enfrentadas pela Rússia, somadas aos envolvimentos na Guerra Russo-Japonesa e na I Guerra Mundial, foram reforços para a eclosão da Revolução que uniu inicialmente setores burgueses liberais (mencheviques) aos operários e camponeses (bolcheviques e sovietes) na luta contra a exploração e intransigência do regime czarista. Com o predomínio menchevique e a adoção de medidas liberais e burguesas, os bolcheviques, liderados por Lênin, depuseram o governo Kerensky em outubro de 1917, na denominada Revolução de Outubro. Travou-se uma sangrenta guerra civil e implantaram medidas de cunho socialista fortalecidas com a vitória bolchevique. Dá-se a partir daí, a polarização do mundo – capitalismo (liderança dos Estados Unidos) e Socialismo (liderança da União Soviética) que perdura por quase todo o século 20, até os anos 1991.

bolcheviques”.

Durante a Primeira Guerra Mundial, ao fim da qual a Polônia recuperou a independência, a ligação de lideranças de imigrantes poloneses com o consulado teve efeito divergente, refletindo os conflitos europeus. Na Europa, os poloneses estavam divididos entre a ala em favor das legiões polonesas comandadas por Pilsudski, e os apoiadores dos aliados, os quais visavam obter a independência da Polônia via diplomática e militar (Wachowicz, Malczewski, 2000: 56, 175). Os imigrantes poloneses aqui no Brasil dividiram-se entre partidários das legiões de Pilsudski e os vinculados ao cônsul August Haller, irmão do general Józef Haller, comandante das forças aliadas. Um dos focos dos atritos era o fato da Rússia, grande algoz do povo polonês, compor o grupo dos aliados, daí as críticas (“vassalos do tzar”) (Wachowicz, Malczewski, 2000: 200, 368, 407). Jornais do Paraná e do Rio Grande do Sul tomam posição ante os acontecimentos na Europa; em Curitiba particularmente, as polêmicas foram acirradas (Gluchowski, 2005: 228) (WEBER E ZALESKI TRINDADE, 2016, p. 284-285).

Aliados a outros grupos, acabaram derrotando os russos e criando o Comitê Nacional Polonês em Poznan. Os emigrantes criaram também o Comitê Nacional em Paris e no Brasil - o Comitê Central no Brasil. Logo após, Piłsudki assumiu como chefe de estado provisório. No entanto, a independência polonesa só foi reestabelecida ao final da Primeira Guerra Mundial e formalizada pelos Aliados no Tratado de Versalhes. Após as eleições livres, Józef Piłsudki foi eleito, dando início a Segunda República Polonesa, em regime ditatorial.

Em relação à independência, se Anderson (2008) reforça a opinião de Seton Watson em relação à mobilização desse período como grandemente ligada à posição de não-russos contra a russificação, em um olhar mais voltado para a perspectiva da imposição cultural e do apelo nacionalista, no sentido que viemos conduzindo nossa discussão, já Hobsbawm (2011, p. 142) toma outra posição, para ele, “A combinação das reivindicações sociais e nacionais, como um todo, provaram ser bem mais efetivas como mobilizadoras da independência do que o puro apelo do nacionalismo”, o qual, para o autor, “se limitava às classes médias baixas descontentes, as únicas para quem ele substituía – ou parecia substituir – um programa simultaneamente social e político”.

De acordo com Hobsbawm (2011, p. 142), “A restauração do país, depois de um século e meio de partilha, não foi conseguida sob a liderança de nenhum dos movimentos políticos devotados exclusivamente a esse fim, mas sob o Partido Socialista Polonês, cujo líder, o coronel Piłsudki, tornou-se o libertador do país”. O fato não dimensionado pelo autor, no entanto, é que, por trás de todo esse processo, há uma série de representações que embasam posicionamentos e com certeza, isso viria a priori de todas as posições tomadas. Para Cuche (2002, p. 2016) “Todo sistema político surge ligado a um sistema de valores e representações, ou seja, a uma cultura, característica de uma dada sociedade”.

Para Piłsudki, em sua visão reacionária, a responsabilidade pela reunificação esteve ligada muito mais a sua efetiva tomada de posição na Guerra, através de sua liderança. Isso foi reafirmado pelo seu posicionamento em seguida, pois, para este, com a reunificação, o Estado precisava fazer a nação, na condição de Estado-Nação (HOBSBAWM, 1988, p. 212). Então, para Hobsbawm, essas comunidades imaginadas precisaram ser articuladas ao e pelo Estado. Assim,

O Estado não só fazia a nação mas precisava fazer a nação. Os governos, agora, iam diretamente alcançar o cidadão no território de sua vida cotidiana, por meio de agentes modestos mas onipresentes, desde carteiros e policiais até professores e, em muitos países, empregados das estradas de ferro.

O entendimento de Piłsudki, reafirmado por Hobsbawm (1988), aponta para uma construção verticalizada. Seu posicionamento revelou-se centralizador e autoritário, como foi o regime por ele conduzido e amparado pela constituição adotada em 1926, cuja dimensão textual aos poucos foi alterada, inserindo elementos de autoritarismo. Esta posição e constituição, a “Constituição Polaca”, foi adotada no Brasil pela ditadura do Estado Novo de Vargas em 1937, cujo posicionamento ocorreu sob o pretexto como a “ameaça comunista”.

Dentre as ideias propagadas por políticos e por intelectuais nacionalistas poloneses no pós-reunificação, estavam prospecções imperialistas empreendidas a partir de políticas de colonização ultramarina, com previsões para países, entre eles, conforme Mazurek (2016), Peru, Argentina, Bolívia e Brasil, a partir de ações de companhias privadas com o apoio do Estado, como a Liga Morska i Kolonialna (Liga Marítima e Colonial). Esta buscava áreas para tal objetivo na América do Sul e, também na Àfrica, onde as populações da diáspora facilitariam o processo. A formalização dessas colônias seria também uma forma de solucionar problemas internos como os debates sobre a questão da terra (movimentos camponeses).

Com a desintegração dos antigos impérios e a reunificação de estados como a Polônia, Hall (2006, p. 93-94) destaca que “Esses novos aspirantes ao status de “nação” tentam construir estados que sejam unificados tanto em termos étnicos quanto religiosos e criar entidades políticas em torno de identidades culturais homogêneas”. Então, se a partir dos sistemas culturais: comunidade religiosa e reino dinástico, as questões étnicas não foram colocadas em destaque, na imaginação da nação, o seriam.

Assim, embora a arqueologia destaque a existência de diferentes tribos que foram unificadas nos primórdios, entre elas a dos germanos, que se soma a uma variedade e uma constante circulação de migrantes, conforme ressaltamos no capítulo anterior, nas escritas da

elite intelectual polonesa em relação a esta questão, evidenciam-se reinvindicações de sua anterioridade, unidade e legitimidade desde tempos remotos, a pretensão de afirmar que, em sua história milenar, as terras, desde o início, foram habitadas por polacos, que a população germânica chegou posteriormente. Iarochinski (2000, p. 17), ao citar Jan Kostrzewski85, da

Academia de Ciência da Polônia, destaca:

[...] Jan Kostrzewski, da academia de ciência da Polônia, antes da criação da nação polaca há mais de 1000 anos, quando os povos germânicos ainda não haviam nem se espalhado sobre as regiões do médio rio Elba (quanto mais ao seu curso superior), as terras eslavas já eram habitadas por inúmeras tribos eslavo-polacas. Há mais de 3 mil anos os pré-eslavos deixaram inúmeros cemitérios do tipo luzaciano nas diversas regiões polacas.

No excerto acima, Jan Kostrzewski afirma que as tribos unificadas eram essencialmente “eslavo-polacas”. Então, assim como nas narrativas míticas da história da Polônia, anteriormente discutidas em seu uso pelo romantismo e outros movimentos, a produção científica tentou reafirmar a existência étnica eslava como parte da constante luta pelo território polonês e a manutenção de uma negação em relação aos germanos e outras tribos. No entanto, a negação por si só colocou no cenário a evidência das relações interétnicas.

O problema destas atitudes nessas novas nações, conforme Hall (2006, p. 92-93), “é que elas contêm, dentro de suas “fronteiras”, minorias que se identificam com culturas diferentes”. No caso da Polônia, dentre outras, estão minorias lituanas, ucranianas e russas “étnicas”. Estas sofrem tentativas de apagamento, em virtude da intenção de “reconstruírem identidades purificadas, voltadas para o “fechamento” e a tradição, frente ao hibridismo e a diversidade”, isso se acentuou em âmbito mais amplo no decorrer do século XX, tendo como exemplos o ressurgimento do nacionalismo na Europa Oriental e do fundamentalismo86.

Trata-se de uma ideia de recuperação e de reafirmação das raízes culturais, da cultura nacional (perspectiva essencialista) do nacionalismo.

Esses discursos voltados para a pretensa gradual unificação que se colocaram através das perspectivas de nações modulares constavam em seus conteúdos as questões étnicas e raciais e o entendimento de etnia como uma construção cultural fundacional. Para Hall (2006, p. 62), “A etnia é o termo que utilizamos para nos referirmos às características culturais – língua, religião, costume, tradições, sentimento de “lugar” – que são partilhadas por um

85 Teve atuação médica, científica, militar e política. Participou da Associação para Reconstrução da Comunidade

Polaco-Lituana e Associação de Lutadores pela Liberdade e Democracia.

86 Para Hall (2006, p. 94) o fundamentalismo é “outra forma importante de revival do nacionalismo particularista

povo”, embora seu uso seja tentador, foi aos poucos sendo desconstruída e “essa crença acaba, no mundo moderno, por ser um mito”. A Europa Ocidental não tem qualquer nação que seja composta de apenas um único povo, uma única cultura ou etnia. Conforme Hall (2006, p. 62)

É ainda mais difícil unificar a identidade nacional em torno da raça. [...] a raça não é uma categoria biológica ou genética que tenha qualquer validade científica. Há diferentes tipos e variedades, mas eles estão tão largamente dispersos no interior do que chamamos de “raças” quanto entre uma “raça” e outra. A diferença genética – o último refúgio das ideologias racistas – não pode ser usada para distinguir um povo do outro. A raça é uma categoria discursiva e não uma categoria biológica.

As percepções destas questões, por vezes, levaram a uma pretensa superioridade cultural etnocêntrica que, em seu uso instrumental, trouxe resultados desastrosos com as ideologias nacionalistas. Então, aqueles tidos como mais “puramente nacionais”, tiveram que levar aos demais a “cultura nacional” e excluir as etnias e raças tidas como exceções, às minorias nacionais.

Estas atitudes foram o prenúncio do que veio depois, naquilo que Anderson (2008, p. 163) define como a “última onda” do nacionalismo. Conforme o autor, além das línguas

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